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4 RESPONSABILIDADE PENAL PELO PRODUTO DOS INTEGRANTES DA EMPRESA

4.4 Infrações de Deveres

4.4.3 Infração de Dever: Paradigma doutrinário

4.4.3.2 Perspectiva de Günther Jakobs

Günther Jakobs aponta que a responsabilidade penal é sempre institucional, fundada em instituições sociais, e dependendo da natureza destas instituições é que decorre a distinção dos deveres a elas inerentes. Dessa forma para manter a paz social a restrição da liberdade poderá decorrer de uma instituição social negativa (delitos de responsabilidade por organização) ou por uma instituição social positiva (infrações de dever) 331.

Nos delitos de infração de dever não se tem relação com lesão a bens jurídicos individuais ou perigo de lesão a bens jurídicos supraindividuais, mas essencialmente se daria na quebra de um dever positivo, para que o resultado seja imputado na qualidade de autor e não mero partícipe, ainda que sequer tenha intervindo na fase de execução.

Dessa forma afirma Günther Jakobs que nesses delitos não se aplica a teoria do bem jurídico, indicando apenas que uma instituição social não cumpriu sua função 332.

A posição de garante dos níveis superiores é o fundamento da autoria na responsabilidade penal pelo produto por infrações de dever, de modo que esta posição de garantidor se deva sempre ao dever de impedir quando podia e devia danos a outrem, sendo utilizada a teoria da imputação objetiva como forma de desvencilhar o garante desse dever. Somente não será responsabilizado quando

330 Ibidem, p. 89.

331 ORTEGA, Yván Figueroa. Delitos de infracción de deber.

Cuadernos “Luis Jiménez de Asúa”. Madrid: Dykinson, 2008, p. 46.

332 ORTEGA, Yván Figueroa. Delitos de infracción de deber.

Cuadernos “Luis Jiménez de Asúa”. Madrid: Dykinson, 2008, p. 32.

pelos critérios de imputação objetiva restar afastada a posição de garante 333.

Assim a posição de garante implica num câmbio metodológico na imputação, vez que, qualquer fato punível da parte geral poderá ser imputado por infração de dever (concepção dualista do tipo penal). Nesta, independe do resultado ser provocado por ação ou por omissão, por não se avaliar a existência de uma força em movimento, mas sim o âmbito de competência do autor, do que juridicamente se esperava conforme o seu rol social, é que não se tem como sustentar um domínio do fato.

Na relevância da omissão penal basta o descumprimento do dever jurídico geral de controlar danos provenientes de seu âmbito de organização, tais como os advindos da colocação de produtos nocivos, ainda que ex post no mercado de consumo; frustrando uma expectativa meramente normativa, em que se quebra um rol social 334.

Tecnicamente um rol é um sistema de papéis, posições definidas de forma normativa, ocupada por indivíduos intercambiáveis, orientados em atenção às pessoas 335.

Para Günther Jakobs os rols “gerais” são destinados a todos os cidadãos, no sentido de que não devem deixar que de seu âmbito de organização proliferassem processos causais danosos, por esta razão estão ligados aos delitos de responsabilidade por organização, ligados à instituições negativas 336. Esses rols gerais decorrem do princípio do “neminem laedere”.

De acordo com Günther Jakobs a característica marcante dos rols “especiais” é que apenas alguns cidadãos estão vinculados à obrigação de configurar um “mundo em comum”, isto é, exige-se a realização de determinadas prestações para um âmbito de organização alheio, sempre que sejam necessárias, com independência de onde resida a causa desta necessidade, ligadas a instituições positivas 337. E, portanto, está ligado aos delitos de infração de dever. Esses rols especiais decorrem das instituições positivas.

333 Ibidem, p. 63. 334 Ibidem, p. 55. 335 Ibidem, p. 31. 336 Ibidem, p. 35.

337 ORTEGA, Yván Figueroa. Delitos de infracción de deber.

Cuadernos “Luis Jiménez de Asúa”. Madrid: Dykinson, 2008, p. 33.

O autor aponta que o princípio que permite identificar uma instituição como positiva é o que sua importância social não seja inferior ao neminem laedere, em que estas instituições cumprem mediatamente a função de proteger bens jurídicos individuais 338.

Classificam-se como instituições positivas a paternidade, nas suas relações no tocante aos seus deveres com seus filhos; o Estado nas suas relações com os cidadãos e pós modernamente, no que tange as obrigações essenciais; os pressupostos de confiança especial do titular de determinado rol.

Nesse sentido, toda norma jurídica passa a ser entendida como “expectativa normativa”, ou seja, “expectativa social institucionalizada”, os rols asseguram essas expectativas, criando a segurança na sociedade de que quem figure nesses rols desempenhe suas funções de modo a não quebrar seus deveres, devido à confiança que a sociedade deposita nesta ocupação 339.

Para Günther Jakobs o “neminem laedere” apresenta como estrutura mínima os comandos de mandados e proibições como se fossem uma proibição geral de não causar lesões 340.

Assim, o “neminem laedere”, enquanto proibição original, de não causar danos, abarcará a ação e a omissão, de forma equivalente para este autor, não havendo a necessidade de uma norma que sirva de fundamento jurídico dispondo sobre a equivalência da ação e da omissão, já que essa equiparação decorreria da própria estrutura do “neminen laedere”.

Dessa forma para o autor o “neminem laedere” seria a obrigação originária de não danar terceiros, pouco importa que este dano surja de uma ação ou de uma omissão. Nesse sentido a liberdade individual teria como limite âmbitos de organizações alheios 341.

Nos delitos de responsabilidade por organização, como todo cidadão ocupa um rol geral, são garantes de não permitir que de seu âmbito de organização surjam processos causais com consequência danosas, assim o sujeito ativo do delito poderá responder como autor ou como partícipe, dependendo da situação fática.

338 Ibidem, p. 63. 339 Ibidem,, p. 37. 340 Ibidem, p. 54.

341 ORTEGA, Yván Figueroa. Delitos de infracción de deber.

Cuadernos “Luis Jiménez de Asúa”. Madrid: Dykinson, 2008, p. 47 e 53.

Desta forma, contribuições de caráter imprescindível à execução do delito sempre serão imputadas com autoria ao passo que condutas acessórias, em fase que antecedem a aparição fenomenológica do delito serão caracterizadoras da participação, vez que, o domínio do fato é a principal característica da autoria nos delitos de responsabilidade por organização que decorrem dos deveres negativos, e por esta razão a autoria e participação serão delimitadas conforme a intervenção de cada cidadão responsável pelo seu âmbito de organização.

Ao passo que nos delitos de infração de dever como a posição de garante decorre de um rol especial, o qual impõe uma obrigação de edificar um “mundo em comum”, decorrente do dever de solidariedade, em que a confiança (princípio da confiança) de que determinados papéis de protagonismo social devem prevenir lesões a bens jurídicos, ainda que não sejam os causadores, em sentido causal naturalístico, e caso não o façam serão sempre imputados quando podia e devia impedir as consequências danosas sempre como autor e nunca como partícipes 342.

Assim o detentor do dever positivo que fundamenta a posição de garante sempre será imputado como autor desses delitos, independe de sua colaboração ter sido menos importante para o delito ou em fase previa a execução e sem caráter essencial, e devido a especial relação de confiança que o une de maneira personalíssima ao fato, basta ao autor quebrar o rol especial. Haveria participação apenas em relação a terceiro (extraneus obrigatoriamente terão uma pena inferior) que colabora sem ocupar o rol especial 343.

342 Ibidem, p. 57.

343 A concepção de infrações de dever para Günther Jakobs é diversa da apresentada por Claus

Roxin, diferenciam se principalmente em quatro pontos. Primeiro ponto para Claus Roxin todos os delitos de omissão são infrações de dever, o sujeito pratica o delito infringindo um dever e não por ter o domínio do fato (delitos de domínio), ao passo que para Günther Jakobs nem todos os delitos omissivos serão infrações de dever, sendo que algumas hipóteses a omissão quebrará um dever negativo decorrente do neminen laedere é o típico caso de delito de responsabilidade por organização (delitos de domínio) decorrente da ingerência. O segundo ponto é a diferença quanto ao conteúdo da obrigação originária. Claus Roxin parte da obrigação originária consistente na proibição de não causa danos alheios através de conduta ativas (decorrem apenas obrigações), de modo que para um comportamento omissivo ser responsabilizado pelo Direito Penal é necessário que essa omissão esteja relacionada com um fundamento jurídico especial. Enquanto para Günther Jakobs a estrutura do próprio neminem laedere abarca tanto os comportamentos comissivos, como os omissivos, já que a ação equivale à omissão (decorrem tanto obrigações como mandados), podendo ser violada o conteúdo da obrigação originária de não causar danos alheios seja por uma ação, seja por uma omissão, o resultado danoso é atingido da mesma forma. Em terceiro o ponto consiste que para Claus Roxin as infrações de deveres podem ser praticadas tanto por ação como por omissão, já que nos delitos omissivos a ação equipara-se a omissão considerando a análise no plano deontológico, postura que não adota nos delitos de domínio os quais apenas são praticados através de conduta ativa, vez que existe uma diferença ontológica entre um fazer e um não fazer. Já para