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Tipos de Conhecimento e Relações Empíricas necessárias a Causação do Dano na Responsabilidade Penal Pelo Produto

4 RESPONSABILIDADE PENAL PELO PRODUTO DOS INTEGRANTES DA EMPRESA

4.6 Tipos de Conhecimento e Relações Empíricas necessárias a Causação do Dano na Responsabilidade Penal Pelo Produto

Sabe-se que o produto tem uma relação suficiente com determinado dano, e que outros fatores podem ser excluídos com facilidade e confiança, ainda que não se saiba qual o fator nocivo dentro dos componentes do produto responsável pela lesão.355 Seria esta constatação condição suficiente para se estabelecer a causalidade geral como comprovada do ponto vista jurídico penal?

355 HASSEMER, Winfried. CONDE, Muñoz. La Responsabilidad por El producto em derecho

Na responsabilidade pelo produto se exige menos o conhecimento certo e desta forma o juízo de certeza científica natural não é mais necessário. Mas até que ponto é permitido renunciar a essa certeza científica no âmbito processual?

Se as provas produzidas pelos peritos possibilitarem tanto a condenação como a absolvição, qual deles receberá mais crédito na valoração da prova? Existem casos fáceis, o método técnico científico em si não é observado pelo perito na análise técnica, mas muitas vezes, o que se percebe na prática é que mesmo observadas as regras e metodologias científicas, conforme determinados critérios subjetivos de avaliação, os laudos chegam a realidades completamente distintas. 356 E o pior, por vezes os próprios métodos científicos disponíveis não são aptos a indicar qual o componente do produto que se tornou nocivo ao consumo.

É neste sentido que vem se utilizando a verdade cultural 357 como forma de solução mais justa ao caso concreto. Mesmo diante da impossibilidade de eliminar a dúvida na responsabilidade penal pelo produto desde uma perspectiva da verdade cientifica natural, dada a divergência entre profissionais do ramo ou impossibilidade de se identificar no produto qual o componente responsável pela lesão é que os Tribunais vem se embasando no livre convencimento motivado que aparentemente não se contradiz com uma valoração relativa da causalidade naturalística.

A estrutura da causalidade é alterada para um conceito de causalidade geral em que a uma relação de probabilidade decorrente do caso concreto unidas a demais indícios se permite excluir a dúvida sobre as demais possibilidades causais. Esta forma relativizada da causalidade vem suprir as lacunas da causalidade específica (naturalística) e na realidade serve para legitimar as punições na responsabilidade penal pelo produto colocado no mercado (“Black Box”, teoria da caixa preta ou out pot. lesivo) 358.

No direito positivo se adota a causalidade empírica, decorrente das relações naturais, mas a doutrina e a jurisprudência relativizam esse conceito, passando a adotar uma causalidade geral, sob pré-texto de efetivar todas as dimensões dos direitos fundamentais.

356 Ibidem, p. 127/130.

357 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005, Capítulo I,

itens 1.1 a 1.9 e 1.9.3.

358 HASSEMER, Winfried. CONDE, Muñoz. La Responsabilidad por El producto em derecho

Mas se das leis da experiência não se pode provar a causalidade específica, porque não se deve aplicar o in dubio pro reo?

Dadas as imprecisões de ordem técnica em determinar a causalidade específica, é que se começa a procurar novos caminhos e permitir esse novo rumo no âmbito material (direito penal) acaba por impossibilitar no aspecto processual a aplicação do in dubio pro reo 359.

Não se exige mais comprovar a causalidade específica que gerou o dano, basta apontar com segurança mera associação do uso do produto por todos aqueles que tiveram lesões ou morte, ainda que embasados por um conjunto probatório baseado em meros indícios para que seja possível atribuir a responsabilidade penal pelo produto a todos aquele envolvido no processo de produção (Black Box) 360.

Essa forma de proceder retira do Direito Penal a ideia de que ele se constrói no máximo possível como garantia contra o engano, 361 na medida em que o prestígio a efetividade dos direitos fundamentais individuais - primeira dimensão (princípio da presunção de inocência) é que lhe confere esta natureza?

Como pode excluir de forma confiável fatores causais externos, quando não se conhece de forma confiável qual foi o componente que causou a nocividade para os bens jurídicos individuais.

Apesar de efetivamente ocorrido no “Caso Spray”, ainda que se tenham vários indícios o juiz nunca poderá destacar com segurança que as lesões não se relacionam com fatores externos ao uso do spray. Nunca se terá a certeza. Fator que sobrepõe à esfera de domínio do acusado.

Sob a ótica dos direitos fundamentais individuais para Hassemer não pode exigir do acusado esse ônus probatório, esse paradigma é contrário ao da garantia contra o engano vez que acaba por subjetivar a valoração da prova 362.

Isto porque na responsabilidade penal pelo produto a causalidade geral nada mais é do que um juízo de causalidade relativizado, para efetivar todas as dimensões dos direitos fundamentais, passa-se para o paradigma do juízo de

359 Ibidem, p. 147/149. 360 Ibidem, p.133/146. 361 Ibidem, p. 146.

362 HASSEMER, Winfried. CONDE, Muñoz. La Responsabilidad por El producto em derecho

probabilidade 363.

Se não se pode determinar qual o componente responsável pela nocividade do produto, como apontar quem deveria ter responsabilidade. Mas não só, a existência de uma relação de causalidade positiva é objeto de livre valoração da prova o que inevitavelmente diminui as oportunidades defensivas dos envolvidos na responsabilidade penal pelo produto.

Dada a diferença ontológica entre as ciências naturais e as ciências jurídicas não há nada que impeça o convencimento jurídico por meio de provas indiretas e, por isso, que a prova no processo penal também é relativizada 364.

Passa se ao paradigma da delimitação de quais seriam os deveres dos responsáveis pela colocação e manutenção do produto no mercado de consumo? A doutrina mundial pós-moderna se ocupa em delimitar a natureza, o conteúdo e os limites da “posição de garante” que recai sobre os administradores e diretivos empresariais a fim de restringir a cadeia de envolvidos no processo de produção na responsabilidade penal pelo produto.