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3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

4.1 CONCEPÇÃO METODOLÓGICA

Ainda há muita influência do método cartesiano de Descartes na produção do conhecimento científico. Muitas de suas regras são aplicadas, a exemplo da própria estruturação de um trabalho científico, bem como, na metodologia e mesmo nos objetivos específicos a serem alcançados para se obter o objetivo geral. Contudo, na contemporaneidade, são várias as referências metodológicas que temos. O que indica que hoje não há um método universal, como René Descartes propunha, mas, inúmeros a depender do objeto de estudo, assim, todos os objetos podem ser conhecidos, sejam eles de cunho qualitativo ou quantitativo (Becker, 2012), indutivo ou dedutivo, reducionista ou holístico.

Recentemente, alguns desenvolvimentos da própria Ciência, na microfísica, na termodinâmica, na física quântica, na cibernética, na biologia, levaram os cientistas a repensar seus pressupostos. Viram não um mundo estável, mas um mundo instável, em processo de tornar-se. (Vasconcellos, 2013). Superar, ir além da mera discussão sobre a distinção de conhecimento científico e outras formas de conhecimento – filosófico,

religioso e senso comum (Demo, 2014; Vasconcellos, 2013) – para viabilizar o desenvolvimento de novas tecnologias, como as biotecnologias, as nanotecnologias, a biologia sintética e a computação quântica (Larrére, 2012).

Ao assumir que a Ciência não é o método, mas a realidade que não é evidente, nem coincidem completamente a ideia que temos da realidade e a própria realidade, Demo (2014) defende que somente em teoria se pode dizer que a Ciência é a interpretação verdadeira da realidade, porque na prática realiza apenas visão historicamente possível. Se por um lado o conceito de Ciência e seu critério de demarcação são reconhecidamente tão discutíveis, por outro ainda não há consenso sobre os dualismos de pesquisa qualitativa e quantitativa, subjetividade e objetividade, indução e dedução e holismo e reducionismo (Silvino, 2007, p. 278).

O pioneirismo sobre a discussão da quebra de paradigma na Ciência, o modelo de avanço científico se deve ao filósofo Thomas Kuhn. Os questionamentos a respeito do paradigma tradicional da Ciência começaram a surgir, no próprio domínio linguístico da Ciência, no início do século XX, com contribuições dos físicos Max Plank, Einstein, Niels Bohr, Boltzman, Heisenberg. Mais recentemente, sobretudo nas três ultimas décadas do século XX, acrescentaram-se as contribuições de diversos outros cientistas, dentre os quais distingue o químico russo Ilya Prigogine, o físico e ciberneticista austríaco Heinz Von Foerster, o biofísico francês Henri Atlan, os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela (Aun, Vasconcellos e Coelho, 2012).

Há certa resignação por parte das Ciências quanto à discutibilidade dos paradigmas científicos. A epistemóloga Maria José Esteves de Vasconcellos argumenta que as Ciências aplicadas não incluem metodologia da pesquisa e produção do conhecimento científico, porque o paradigma fica implícito. Nas Ciências Básicas e Exatas, o paradigma de ciência já é incorporado a seu modelo de pesquisa e elaboração teórica, enquanto que as ciências básicas sociais costumam recusar o paradigma de ciência, considerado inaplicável a seu objeto de estudo (Vasconcellos, 2013).

A epistemologia exerce um papel de questionamento crítico dos fundamentos e princípios das diversas Ciências (Martins e Theóphilo, 2009), apesar de não ser demonstrável cientificamente por se tratar de uma concepção de mundo, um paradigma que orienta o

modelo mental de uma pessoa ou comunidade (VASCONCELLOS, 2013), para compreender o processo de conhecimento subjacente, de modo a oportunizar o aprender a aprender.

Se nossa visão de mundo é constitutiva da consciência e determinada pela consciência diante dos fenômenos, podemos inferir que a relação entre o mundo empírico com o mundo racional é o mundo do fenômeno compreendendo por fenômeno tudo que aparece, que se manifesta ou se revela. Para Hegel tudo está no fenômeno, as coisas só existem para a consciência na medida em que se manifestam (Carneiro, 2006).

Para Vasconcellos (2013) assumir o paradigma epistemológico é uma condição necessária para a implicação de novas teorias. No entanto, Pereira e Fonseca (2009, p. 43) advertem que a difusão e aceitação de novas ideias constituem um processo complexo. Assim, diante de uma inovação com enormes implicações existenciais, como um novo modelo paradigmático de concepção de mundo, o tempo de adoção pode ser alongado, como por exemplo, o sistema heliocêntrico no lugar do geocêntrico.

A Ciência busca explicações para fenômenos naturais ou artificiais, sociais ou culturais, políticos ou históricos, psicológicos ou antropológicos. Com base nos experimentos científicos realizados por mais de vinte anos, Maturana e Varela (2001, p. 34) defendem que uma explicação é sempre uma proposição que reformula ou recria as observações de um fenômeno, em um sistema de conceitos aceitáveis para um grupo de pessoas que compartilham um critério de validação. Para os autores (ibid.), estas quatro condições devem ser satisfeitas na proposição de uma explicação científica: (i) descrição do fenômeno; (ii) proposição de um sistema conceitual capaz de gerar o fenômeno a explicar de modo aceitável; (iii) dedução, a partir do item (i), de outros fenômenos não explicitamente considerados em sua proposição; e (iv) observação desses outros fenômenos.

A maior parte dos cientistas ainda não fez a grande descoberta científica: a Ciência não é totalmente científica. A cientificidade é a parte emersa de um iceberg de não cientificidade, formada pelos pressupostos ou postulados. Por exemplo, o postulado do determinismo universal e o princípio da causalidade são indemonstráveis (Morin, 2011).

Ao discutir sobre as dimensões do afazer científico, Vasconcellos (2013), reforça o aspecto nocional que deve estar presente na lide do pesquisador, em termos de epistemologia, teoria e prática – vide Figura 4.1. A dimensão epistemológica, também conhecida como paradigma ou pensamento, define o conjunto dos pressupostos e crenças de uma comunidade científica - compartilhados interdisciplinarmente; a dimensão teórica provê um conjunto de princípios explicativos para se estudar um fenômeno de interesse; e a dimensão prática busca refletir a ação do profissional e do cientista sobre esse mesmo fenômeno.

Mingers e Blocklesby (1997) defendem que a distinção entre paradigmas deve se basear em três dimensões filosóficas: ontologia, epistemologia e praxiologia. A ontologia diz respeito aos tipos de entidades que se pressupõem existirem e a natureza de sua existência; a epistemologia centra nas possibilidades e limitações do nosso conhecimento do mundo; e a praxiologia se ocupa em como devemos agir de modo esclarecido e reflexivo. Esta última dimensão é de particular importância para esta pesquisa, pois está principalmente preocupada com a estratégia de intervenção e ação.

Não é por acaso que se resgatam os pressupostos epistemológicos. Em termos práticos, Martins e Theóphilo (2009), destacam que os pesquisadores enfrentam problemas passíveis de serem solucionados com o subsídio das considerações epistemológicas.

Figura 4.1 – Dimensões epistemológica, teórica e prática (Vasconcellos, 2013)

Concepções metodológicas nas Engenharias são apropriadas, geralmente, pelos modelos teóricos sob a concepção positivista, cujo ideal de cientificidade e objetividade é visto como busca de imparcialidade para retratar as visões de todos os atores da situação. Há também um esforço na busca de consenso entre pesquisadores para evitar os excessos de subjetividade. Os princípios de explicação são assumidos no processo de argumentação (ou

deliberação) para que os pesquisadores e os demais participantes cheguem a aceitar como resultados as informações que se revelam mais adequadas tanto do ponto de vista teórico como do prático (Thiollent, 1997, p. 30).

Devido a essa concepção paradigmática, que implica tanto na distinção e formação dos corpos de conhecimento que doutrinam cada disciplina científica, como na teorização de novos conhecimentos, ditos especializados, evidencia-se uma forte corrente de legitimação das abordagens do positivismo clássico de Comte e do neopositivismo contemporâneo do Círculo de Viena nos campos das Ciências Exatas, das engenharias e das demais Ciências. Tais movimentos teimam em ignorar e não aceitar as demais manifestações epistemológicas e ontológicas, as quais estão assentadas na filosofia da ciência – tais como a fenomenologia, o pragmatismo, o construtivismo e mais recentemente o sistemismo – como se não houvesse critérios de cientificidade, senão aqueles validados pelos positivistas, em um verdadeiro processo de desqualificação da visão de mundo que todo e qualquer pesquisador deveria defender.

Embora se reconheça a importante contribuição da concepção positivista para o avanço da Ciência nos últimos quatro séculos, a impossibilidade de suportar a complexidade dos fenômenos, a intersubjetividade dos pesquisadores e atores do cenário sob investigação e a instabilidade decorrente de mudanças ambientais, implicam no surgimento de novas concepções paradigmáticas para o desenvolvimento da ciência sustentada em outros pressupostos epistemológicos. Uma lacuna observada por Thiollent (1997, p. 44) nas pesquisas de orientação positivista é a falta de mecanismos adequados para tratar problemas em termos práticos, implicando, por exemplo, de acordo com Freyle, Florez e Rincón (2013), na inadequada concepção de tecnologia da informação para implementar os sistemas de gestão de conhecimento.

Nesse contexto, a busca de objetividade na pesquisa consiste em limitar a parcialidade ao retratar os vários pontos de vista, sem omissão de nenhum deles (Demo, 2014; Thiollent, 2011). Os líderes devem aceitar que os subordinados não sejam apenas subordinados, mas colaboradores e atores sociais com visão e interesses próprios. Do mesmo modo, os colaboradores devem conhecer a visão dos líderes e chefes da organização. Não faz sentido procurar a opinião ou a representação média. A visão panorâmica é muito mais interessante

que qualquer indicador sintético e é mais útil para planejar reformas ou quaisquer mudanças na organização (Thiollent, 1997, p. 31).

Para não ser confundido com qualquer outro tipo de conhecimento gerado pelo homem, o conhecimento científico é pautado pelos critérios de cientificidade. Os critérios de cientificidade, aqui apropriados, são decorrentes das posições assumidas por Demo (2014), Vasconcellos (2013) e Morin (2011), segundo os quais se devem tentar cercar a complexidade do fenômeno científico, sem poder esgotá-lo, até por uma razão lógica inerente. Com isso, Demo (2014, p.20) reconhece os seguintes critérios internos, próprios da ciência:

- coerência significa sua propriedade lógica;

- consistência significa a capacidade de resistir a argumentações contrárias; - originalidade significa produção não tautológica;

- objetivação significa a tentativa, nunca completa, de descobrir a realidade assim como ela é mais do que como gostaríamos que fosse.

Já em relação aos critérios externos, que representa a vontade da comunidade científica em determinada época e lugar, serão adotados aqueles previstos para o cenário de complexidade sistêmica, assim enunciados por Vasconcellos (2013): instabilidade, complexidade e intersubjetividade.

O paradigma da instabilidade trabalha com a mudança e admite que não a controla. Ao reconhecer a instabilidade dos sistemas, foca nos vínculos afetivo-sociais, na mobilização dos recursos da rede e na criação de contextos de autonomia. Enquanto isso, o contexto da intersubjetividade reconhece parte do sistema e atua na perspectiva da coconstrução, adotando o caminho da “objetividade entre parênteses” de Maturana e Varela (2001), mantendo o foco nas conversações sobre diferentes versões e narrativas, coconstrução de planos e soluções viáveis, experiência de autoria e envolvimento com as mudanças (Vasconcellos, 2013). Já o paradigma da complexidade contextualiza o fenômeno e focaliza as interações recursivas, permitindo ver sistemas de sistemas, com foco nas relações, além de suportar o trabalho com sistema amplo, constituído em torno do problema.

Adicionalmente, o paradigma da intersubjetividade estabelece a condição de construção de conhecimento do mundo, por meio do pensamento relacional, com a inclusão do observador, da auto-referência, e da significação da experiência na conversação e coconstrução (Vasconcellos, 2013).

Enquanto observadores, não se pode assegurar que estamos em condições de conhecer o necessário sobre o funcionamento de certo sistema que nos capacite a fazer previsões sobre ele. Nossa limitação decorre da incapacidade de observação (Maturana e Varela, 2001, p. 137). Se ao observar coletamos informações sobre o sistema e se atualmente a quantidade e a disponibilidade de informação crescem em uma progressão exponencial (Pereira e Fonseca, 2009, p. 37), a capacidade de processamento condicionará o poder de observação.

Há outro critério de cientificidade que não é interno nem externo por definição, pois está na fronteira de ambos, qual seja a discutibilidade, entendido como característica formal e política, ao mesmo tempo (Demo, 2014, p. 26). Ainda segundo o metodologista Pedro Demo, somente pode ser científico, o que for discutível. Isso traz duas implicações.

Do lado formal, significa:

- deve ser formalmente inteligível, lógico, bem sistematizado, competente em termos instrumentais;

- não deve levar à confusão, à indeterminação, mas à explicação, que permita aumentar o nível de compreensão da realidade; e

- dever ser criativo e disciplinadamente voltado para a realidade.

Do lado político, significa:

- não se colhem resultados definitivos, a não ser nas ilusões totalitárias; - não há como separar teoria e prática; e

- o estudo dos problemas tem a ver com suas soluções.

Em síntese, Vasconcellos (2013) faz uma distinção importante sobre os pressupostos científicos na Ciência tradicional e na Ciência contemporânea. Por um lado, a Ciência tradicional preconiza a epistemologia filosófica - para fins de filosofia da ciência - e a epistemologia para a Ciência – para atuar cientificamente. Por outro, a Ciência

contemporânea preconiza a epistemologia científica – para fins de ciência da ciência (Maturana e Varela, 2001) – e a epistemologia para a vida – para ver e agir no mundo.

Logo, a epistemologia aqui discutida visa representar uma fatia da pesquisa, de importância significativa na busca de um maior conhecimento sobre os objetos investigados. Destarte, para tratar a realidade social concebida como sistema, o método de captação empregado é o sistêmico (Demo, 2014, p. 17). De igual modo, para evidenciar as relações dialógicas dos atores contextualizados caberá o método dialético.

A menos que se pense com um novo marco de referência teórico, a probabilidade de se ver desanimado pelas dificuldades que encontra em investigar fenômenos complexos, geralmente impedem o pesquisador de fazer as coisas mais evidentes (Speck e Attneave, 1973). De acordo com Vasconcellos (2013), esse novo pesquisador deve fazer a ultrapassagem de alguns pressupostos tradicionais, tais como:

- o pressuposto da simplicidade do microscópico, assumindo o pressuposto da complexidade do mundo;

- o pressuposto da estabilidade do mundo, assumindo o pressuposto da instabilidade do mundo; e

- o pressuposto da objetividade, assumindo o pressuposto da intersubjetividade na construção do conhecimento.