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2.1   Educação em uma escola reflexiva e participativa 29

2.1.1   Concepções de Educação 30

Saviani (2005) agrupa as diferentes concepções de educação em duas grandes tendências: a primeira seria composta pelas concepções pedagógicas que dariam prioridade à teoria sobre a prática, com a preocupação centrada nas “teorias do ensino”. Nesse grupo estariam as diversas modalidades de pedagogia tradicional, situadas na vertente religiosa ou na leiga. No segundo grupo se situariam as modalidades da pedagogia nova, que subordinam a teoria à prática, com ênfase nas “teorias da aprendizagem”.

Destacaremos, brevemente, aqui alguns dos vários teóricos que contribuíram nessas duas vertentes, sejam as focadas no ensino ou na aprendizagem, além de contribuições que apontam para uma versão mais abrangente da Educação.

Concepção tradicional – foco nas teorias de ensino

As concepções tradicionais, desde a pedagogia de Platão, a cristã, a da natureza de Comênio, assim como a idealista de Kant, Fichte e Hegel desembocavam no que Saviani (2005) denomina teorias do ensino. Pautando-se na preocupação com a instrução, pensam a escola centrada no professor, cuja tarefa seria de transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade em uma gradação lógica, cabendo aos alunos assimilá-los. Como diria Paulo Freire, numa visão crítica, trata-se de uma educação bancária, onde:

[...] o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos dos conteúdos de sua narração. (...) A narração de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Quanto mais vá ‘enchendo’ os recipientes com seus ‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente ‘encher’, tanto melhores educandos serão (FREIRE, 1987, p. 37).

A aprendizagem é, então, vista como consequência natural do ensino. Ou, em outras palavras, um bom ensino garantiria a aprendizagem. Podemos encaixar nesse grupo também os teóricos do condicionamento, da corrente Behaviorista, como é o caso de John B. Watson e Burrhus Frederic Skinner. Como cita Bock e outros (2008), para eles a aprendizagem se dá por suas consequências comportamentais, enfatizando as condições ambientais como força propulsora. Ela é vista como conexão entre um estímulo e uma resposta (E-R). Em sua teoria do condicionamento operante, Skinner afirma, ainda, que as ações dos indivíduos têm sua

probabilidade futura de ocorrência aumentada ou diminuída em função de consequências reforçadoras ou punitivas.

Passmore (1965), porém, discute sobre algumas definições de ensino e nos coloca a seguinte inquietação: O que pensar quando um professor se queixa dizendo: "Estou há seis meses ensinando matemática a esta turma e os alunos ainda não aprenderam nada". O professor conclui que sob esse aspecto, ensinar é ter como objetivo promover a aprendizagem, mas não necessariamente alcançá-la. Mas um aluno, com igual propriedade, poderia descrever a mesma situação nos seguintes termos: “aquele professor não me ensinou nada”. O que pressupõe que, se o aluno não conseguiu aprender, o professor não estava ensinando, mas somente “tentando” ensinar. O que quer dizer que ensinar significa umas vezes “visar promover a aprendizagem” e, outras, “conseguir efetivamente promovê-la”.

“Ensinar” é uma palavra com raízes profundas, com uma longa história. Possui uma multiplicidade de aplicações idiomáticas, que não cabem numa definição capaz de nos dar a sua “essência” ou o seu “verdadeiro significado” (PASSMORE, 1965). Mas é clara a sua grande utilidade e necessidade para o desenvolvimento humano. No caso da EaD, o ensino tem, ainda, a característica marcante de ocorrer em tempo e espaço diverso do aprendizado e, assim, deve ser tratado de forma diferenciada. Em outras palavras, uma técnica de ensino que frequentemente tem funcionado na modalidade presencial não necessariamente funcionará quando esse ensino se der a distância, devido às suas particularidades.

Concepção renovadora – foco nas teorias de aprendizagem

Na outra vertente, as correntes renovadoras, desde Rousseau, Pestalozzi e Froebel, passando por Kierkegaard, Stirner, Nietzsche e Bergson, chegando ao movimento da Escola Nova, às pedagogias não diretivas, à pedagogia institucional e ao construtivismo, preocupam- se com teorias da aprendizagem, voltadas para o ato de aprender. Concebem a escola como um espaço aberto à iniciativa dos alunos que, interagindo entre si e com o professor, vão construindo o seu conhecimento. Ao professor cabe o papel de acompanhar os alunos auxiliando-os no processo de aprendizagem. Essas pedagogias, segundo Saviani (2005), estabeleceriam o primado da prática sobre a teoria.

As propostas didáticas mais centradas na efetiva participação dos alunos no processo de ensino-aprendizagem foram ganhando espaço nos últimos anos. Dentre as precursoras poderíamos citar a de Willian Kilpatrick, conhecida como método de projetos; a de Roger Cousinet, que defendia a aprendizagem realizada em grupo; a de Célestin Freinet, criador do chamado “método de cooperação”. Maria Montessori adota o princípio da autoinstrução,

cabendo ao professor interferir minimamente, pois ela vê o ambiente escolar e o material pedagógico como a base da aprendizagem. Edouard Claparèd, fundador da Escola de Genebra, também teve importante papel na difusão da nova pedagogia. Sua concepção de “escola funcional” e “escola sob medida” se fundamentava no pressuposto de que a estrutura escolar deve ser organizada de maneira a adequar-se às necessidades e interesses das crianças, conforme suas individualidades e potencialidades (VEIGA, 2007).

Para Lourenço Filho (1978), o expoente máximo da chamada “escola progressiva” foi John Dewey, por meio das análises e interpretações acerca da produção do conhecimento, que recebeu o nome de “instrumentalismo”. Veiga (2007) acrescenta, ainda, que todo o pensamento de Dewey é alicerçado na matriz do interesse, que não é algo dado ou estático, mas vinculado à atividade e à experiência. Assim, o ambiente escolar deve estimular os alunos a desenvolver seus interesses fundamentais: conversação e comunicação; pesquisa e descoberta; fabricação e construção de objetos, expressão artística. Considera, ainda, que a educação interage de forma direta com os movimentos sociais, cabendo à escola formar as novas gerações conforme as demandas produtivas e políticas de caráter democrático.

Outro teórico cuja teoria é integrada por muitos pedagogos a este grupo é Jean Piaget, que sempre esteve preocupado com o desenvolvimento humano e o acesso ao conhecimento. Dolle (1981) argumenta que ele teve grande mérito ao situar a epistemologia ou a teoria do conhecimento no terreno da experiência científica, o que, nas palavras do próprio Piaget, “equivale a estudar os conhecimentos em função de sua construção real, ou psicológica, e a considerar todo conhecimento como relativo a certo nível de mecanismo dessa construção”. Apesar de não ter desenvolvido uma teoria sobre o processo de ensino-aprendizagem, Piaget formulou questões sobre o desenvolvimento conceitual que foram e são usadas por diversos educadores, como Emilia Ferreiro, que se apoiou no construtivismo para elaborar uma teoria sobre a aprendizagem da escrita (BOCK et al., 2008).

Vygotsky, por sua vez, concebeu o desenvolvimento como um processo em que estão presentes a maturação do organismo, o contato com a cultura produzida pela humanidade e as relações sociais que permitem a aprendizagem. A escola é vista, assim, como um lugar privilegiado para esse desenvolvimento e o professor e os colegas formam um conjunto de mediadores da cultura, que possibilita um grande avanço no desenvolvimento da pessoa (BOCK et al., 2008).

Bock e outros (2008), a despeito de outros modelos de classificação adotados , como o de Pozo, considera os cognitivistas como parte integrante desse grupo, uma vez que para eles a aprendizagem é vista como um processo de relação do sujeito com o mundo externo,

com consequências no plano da organização interna do conhecimento (organização cognitiva). É o processo de organização de informações e integração do material pela estrutura cognitiva. Assim, os comportamentos ou conceitos aprendidos são mantidos por processos cerebrais, como a atenção e a memória, que são integradores dos comportamentos e dos pensamentos.

Na EaD, o fato dos alunos estarem separados física e temporalmente dos professores, no caso dos tutores a distância, faz com que nos dediquemos a pensar em como esses alunos aprendem, nas estratégias que podem ser utilizadas, nas ferramentas para mediar esse processo. Os computadores e a Internet são grandes aliados para atingir a tais objetivos.

Apesar de que, obviamente, não deve ocorrer uma mera reprodução do que acontece na modalidade presencial, vemos que muitas das teorias utilizadas no presencial para se compreender o aprendizado podem, também, ser utilizadas na educação a distância.

Por uma concepção integradora da Educação

Essa forma de dicotomisar as diferentes concepções educacionais apresentada por Saviani e por tantos outros, oferece a vantagem de simplificar e tornar mais claro o debate, ainda que nem sempre permita que se classifique devidamente as concepções epistemológicas de ensino e de aprendizagem dos seus autores.

Consideramos importante analisar as teorias do ponto de vista do seu eixo principal, ensino ou aprendizagem, embora esses aspectos não sejam excludentes, mas ao contrário, se complementem. Sendo assim, busca-se hoje uma concepção de educação que integre diferentes aspectos cognitivos, emocionais e psicosociais.

Grinspun afirma que

[...] mais do que nunca vivemos um tempo em que o intelecto e espírito, razão e emoção se integram, numa ‘grande aventura’ de conciliar todas as áreas externas e internas da pessoa humana. Isto porque ‘há uma tentativa de se vislumbrar o sujeito como um todo, sem fragmentá-lo. Ao se dar importância à razão, ao conhecimento, reservamos, também, o espaço para a emoção e o sentimento’ (GRINSPUN, 1999 apud MEBIUS, 2005, p.55).

Concordamos com ela nessa visão de enxergar o indivíduo como um todo, incluindo a emoção e o sentimento na sua formação como sujeito e reforçamos que na EaD essa necessidade é, ainda, maior devido às distâncias existentes (professor X aluno, aluno X aluno, aluno X instituição etc.). Torna-se necessário trabalhar a integração desse aluno à instituição, fornecendo mecanismos que viabilizem o seu processo de aprendizado, que promovam a socialização, o sentimento de pertença a um grupo e a uma instituição e a motivação para continuidade no curso. E o tutor a distância se insere como mediador desse processo.

Mebius (2005) destaca a importância de se trabalhar de forma interdisciplinar para unir a educação e a tecnologia, o que não objetiva dividir os saberes ou hierarquizá-los, mas, ao contrário, trabalhá-los como um todo capaz de integrar uma rede – conhecimento, razão e emoção – em benefício de um desenvolvimento pessoal e social do homem. Segundo Silva (2006), o interdisciplinar se refere a um tema, objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente se relacionam para alcançar maior abrangência de conhecimento.

Várias questões podem ser minimizadas ao se trabalhar de forma interdisciplinar: Possibilita que assuntos não sejam repetidos ou “esquecidos”; que os professores planejem suas disciplinas e atividades em conjunto; que os alunos as enxerguem como peças interligadas de um universo maior e não como partes desconexas entre outros.

Se para a educação presencial esse casamento entre disciplinas traz maiores possibilidades de aprendizado para o estudante, na EaD o trabalho interdisciplinar torna-se mais imperativo. Como exemplo, imaginemos uma instituição que trabalhe com cursos a distância, mas cujas avaliações principais sejam presenciais. Se as atividades presenciais não forem muito bem planejadas, em conjunto entre coordenadores e professores, a instituição corre o risco de exigir que o aluno esteja presente na instituição ou no polo de apoio presencial uma quantidade muito grande de vezes, a ponto de ferir a flexibilidade buscada pela EaD e essencial para que o aluno consiga prosseguir com o curso. Poderia ocorrer, também, de vários professores marcarem atividades presenciais nos mesmos dias, o que acarretaria uma sobrecarga ou mesmo uma impossibilidade para os alunos.

Para que a interdisciplinaridade ocorra, porém, os tutores a distância devem não apenas conhecer os conteúdos, atividades, avaliações e a metodologia das disciplinas em que irão tutorar, como também devem estar inteirados sobre essas interseções com as demais disciplinas, especialmente as que ocorrerem simultaneamente. Devem ainda estar abertos à comunicação com os respectivos tutores, para que a interdisciplinaridade possa efetivamente ser trabalhada. Caso contrário, o planejamento da equipe de coordenação e dos professores pode ser perdida. Imaginemos, por exemplo, um tutor a distância mediando e avaliando os alunos em uma atividade interdisciplinar, se ele não tem o mínimo conhecimento da outra disciplina e do propósito da atividade para ela. Os alunos podem não conseguir separar exatamente o que é de uma e o que é de outra e se os tutores conhecerem unicamente o universo da disciplina no qual estão tutorando, podem não dar aos alunos as orientações adequadas. Afinal, cada um conhece sua parte, mas quem conhece o todo e as interseções?

Finalizamos esse breve relato com a pedagogia libertadora de Paulo Freire. Indo contra um modelo produtivista, ele afirma que “[...] ensinar não é transferir conhecimento,

mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1999, p.25). O educador deve trabalhar com uma pedagogia da autonomia, que segundo Freire (1999, p.121) “tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade”. Esse professor tem, por fim, que ser problematizador, pois assim os educandos: “[...] em lugar de serem recipientes dóceis de depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico, também” (FREIRE, 1987, p.80).

Um ponto importante que vemos aqui e com o qual concordamos é o fato do homem ser tratado como ator do seu próprio aprendizado e não de forma passiva como na educação tradicional. Ele é um ser inacabado que vai em busca de conhecimento para que possa entender o mundo, criar novas possibilidades e mudar sua realidade. O professor, no caso o tutor a distância, é o mediador que dá as condições necessárias para favorecer a aprendizagem dos alunos. Mas ele, também, é sujeito do seu próprio aprendizado e, assim, deve estar aberto não apenas a ensinar e mediar, mas também a aprender sobre os conteúdos os quais leciona e sobre questões inerentes à sua prática.

Sem querer esgotar a discussão sobre o assunto, concluímos que o conceito de educação que adotamos envolve o ensino e a aprendizagem, mas vai além. Perpassa diversas áreas de conhecimento, implicando na formação de um sujeito com espírito crítico e criativo, onde razão e emoção se completam. Enfim, a educação de que falamos é aquela que enxerga os humanos como seres ativos, que podem transformar a realidade e se emancipar.

Dessa forma, ao longo de todo o projeto temos utilizado preferencialmente a expressão “educação a distância” em detrimento de “ensino a distância” ou “aprendizagem a distância”, mesmo que algumas vezes possamos estar nos referindo, mais especificamente, a um ou outro.