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2.2   O processo de Construção do Conhecimento 39

2.2.3   O caráter social do aprendizado 46

"O homem, ser de relações, e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo"

Paulo Freire Durante toda sua obra Paulo Freire cita o diálogo como essencial para haver a verdadeira educação. Segundo ele, essa dialogicidade não deve ocorrer apenas quando

educador e educando se encontram, mas antes, quando o educador se pergunta em torno do que vai dialogar com seus educandos, o que gera uma inquietação em torno do conteúdo programático da educação. Assim, para o educador problematizador,

[...] o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a revolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada (FREIRE, 1987, p.47).

Outro teórico que sempre se destacou na busca das origens sociais das capacidades humanas foi Lev Vygotsky. Para ele, as mudanças que ocorrem em cada um de nós têm sua raiz na sociedade e na cultura. Ou seja, a aprendizagem sempre inclui relações entre as pessoas. Não há como aprender e apreender o mundo se não tivermos o outro, aquele que nos fornecem os significados que permitem pensar o mundo a nossa volta (BOCK et al., 2008).

Baseando-se na concepção de Engels sobre a atividade e tentando rebater a análise clássica de associações E-R (estímulo-resposta), Vygotsky propôs um novo modelo (Figura 2), introduzindo um elo intermediário (signo) entre o estímulo e a resposta. Este processo é “um ato complexo, mediado”, que considera que o homem não se limita a responder aos estímulos, mas atua sobre eles, transformando-os (VYGOTSKY, 2007, p. 33).

Figura 2 – Organização dos processos psicológicos superiores

Fonte: Vygotsky (2007)

Vygotsky cita que: “[...] esse signo possui, também, a característica importante de ação reversa (isto é, ele age sobre o indivíduo e não sobre o ambiente)”. Assim, “[...] confere à operação psicológica formas qualitativamente novas e superiores, permitindo aos seres humanos, com o auxílio de estímulos extrínsecos, controlar seu próprio comportamento” (2007, p. 34, grifo do autor).

Pozo (1998) destaca que o elemento mediador introduzido por Vygotsky é diferente do adotado no condicionamento mediacional7. Enquanto para o último os estímulos e respostas mediadoras são simples cópias não observáveis dos estímulos e respostas externas,

7O Behaviorismo clássico postulava que todo comportamento poderia ser modelado por conexões E-R.

Entretanto, vários comportamentos não puderam ser modelados dessa maneira. Assim, alguns psicólogos propuseram modelos behavioristas diferentes, introduzindo um organismo mediador entre o estímulo e a resposta.

os mediadores vygotskianos são mais complexos, pois transformam a realidade em vez de imitá-la, o que tornaria seu conceito próximo do conceito piagetiano de adaptação.

A mediação por meio de instrumentos e signos é muito marcante na teoria Vygotskyana. A grande diferença entre estes é que as ferramentas atuam diretamente sobre os estímulos, modificando-os, enquanto os signos modificam o próprio sujeito e, por meio dele, os estímulos, como mostra o seu modelo.

Segundo Vygotsky (2007, p. 56) os instrumentos de mediação são proporcionados pela cultura, pelo meio social. Posteriormente, “[...] estes estímulos auxiliares são emancipados de suas formas externas primárias”, o que ele chama de internalização. Trata-se da “[...] reconstrução interna de uma operação externa”, que consiste em uma série de transformações. Um processo interpessoal é transformado em um processo intrapessoal. Assim, as funções do desenvolvimento aparecem duas vezes: primeiro no nível social e depois no nível individual. Como cita Oliveira (2009), a partir dessa internalização é que será possível para o indivíduo atribuir significados às suas próprias ações e desenvolver processos psicológicos internos que podem ser interpretados por ele próprio a partir de mecanismos estabelecidos pelo grupo cultural.

Podemos dizer que a formação de significados como um processo de interiorização pressupõe, conforme destaca Pozo (1998), uma posição teórica mediadora entre a ideia associacionista de que os significados se adquirem do exterior e a teoria piagetiana, segundo a qual o sujeito constrói seus significados de maneira autônoma. Além disso, a posição vygotskiana, ainda que mais próxima das ideias de Piaget, também incorpora a influência do meio social. Para ele, o sujeito não imita os significados, como seria o caso do condutivismo, nem os constrói, como em Piaget, mas literalmente os “reconstrói”.

As constantes reconstruções possibilitam o desenvolvimento do indivíduo e a escola surge, então, como lugar privilegiado para esse desenvolvimento, pois é o espaço onde o contato com a cultura é feito de forma sistemática, intencional e planejada. O desenvolvimento tem, assim, seu ritmo acelerado no ambiente escolar, em que professores e colegas formam um conjunto de mediadores da cultura (BOCK et al., 2008).

Para Vygotsky (2007), um fato empiricamente estabelecido e bem conhecido é que o aprendizado deve ser combinado de alguma maneira com o nível de desenvolvimento da criança. Entretanto, tem-se atentado para o fato de que não podemos limitar-nos meramente à determinação de níveis de desenvolvimento, se o que queremos é descobrir as relações reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado.

Ele afirma que as pessoas sempre deram muita importância ao que uma criança consegue fazer sozinha, o que chamou de nível de desenvolvimento real, ou seja, o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados. Entretanto, se a criança resolvesse um problema depois de lhe fornecerem pistas, ou se o professor iniciasse a solução e a criança a completasse, ou, ainda, se ela resolvesse o problema em colaboração com outras crianças - em resumo, se por pouco a criança não fosse capaz de resolver o problema sozinha - a solução não era vista pelo senso comum como um indicativo do seu desenvolvimento mental. Ele afirma, ainda, que isso não ocorria apenas com o senso comum, mas que muitos pensadores nunca consideraram a noção de que aquilo que a criança consegue fazer com ajuda dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito mais indicativo do seu desenvolvimento mental do que aquilo que consegue fazer sozinha (VYGOTSKY, 2007).

Dessa forma, ele estabelece um importante conceito – a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP):

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 2007, p. 97).

Segundo ele, a ZDP provê psicólogos e educadores de um instrumento pelo qual se pode entender o curso interno do desenvolvimento. Assim, “[...] podemos dar conta não somente dos ciclos e processos de maturação que já foram completados, como também daqueles processos que estão em estado de formação, ou seja, que estão apenas começando a amadurecer e a se desenvolver” (VYGOTSKY, 2007, p. 97).

É na ZDP que a interação com outros indivíduos é mais transformadora. Assim, o professor, ou o tutor no caso da EaD, tem o papel explícito de interferir nessa zona, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente. Da mesma forma, os colegas de turma, também, têm papel fundamental.

Entretanto, a capacidade de se beneficiar da colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvimento, mas não antes, o que se refere ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que, depois, se tornarão funções consolidadas.

A mediação se torna, então, extremamente importante, uma vez que “[...] aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã - ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (VYGOTSKY, 2007, p.98).

A teoria de Vygotsky mostra-se, assim, muito importante para a área educacional, uma vez que considera a aprendizagem como um processo social, que ocorre na interação com outras pessoas (sejam elas professores, tutores, colegas etc.), valorizando a mediação e colocando a escola como o local privilegiado para essa estimulação.

Baseando-se no caráter social e mediacional da aprendizagem de Vygotsky, na educação problematizadora, crítica, dialógica e que valoriza a curiosidade de Freire e na perspectiva construtivista de Piaget, percebemos que o papel do professor vai muito além de mero repassador de informações, sendo um ator muito importante no processo de aprendizagem do aluno. Alguém que deve promover não apenas atividades individuais, mas também atividades em grupo e colaborativas; alguém que deve utilizar métodos e recursos diversos com o intuito de envolver e motivar o aluno, aguçar a sua curiosidade; alguém que além de educar para uma profissão, possa educar para que o indivíduo se torne um cidadão crítico, capaz de desenvolver a sua autonomia e transformar a realidade. Esse professor deve, enfim, ser um mediador e apoiar o aluno na construção dos seus conhecimentos e no seu desenvolvimento como indivíduo.

Na educação a distância, que acima de tudo é educação, a necessidade dessas teorias permanecem. Porém, nela outros papéis surgem com enorme relevância, em especial nos processos de mediação, como é o caso o tutor a distância, foco desse trabalho. Dessa forma, nossas discussões sobre aprendizagem, mediação, construção do conhecimento, educação, avaliação etc., terão em vista a figura do tutor a distância e do seu trabalho na EaD.