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A pesquisa-ação é uma estratégia de pesquisa agregando vários métodos ou técnicas de pesquisa social, com os quais estabelecemos uma estrutura coletiva, participativa e ativa. A metodologia das ciências sociais considera a pesquisa-ação como qualquer outro método. Como estratégia de pesquisa, a pesquisa-ação pode ser vista como modo de conceber e de organizar uma pesquisa social de finalidade prática e que esteja de acordo com as exigências próprias da ação e da participação dos atores da situação observada. A pesquisa-ação definida como estratégia de pesquisa contém diversos métodos ou técnicas particulares em cada fase ou operação do processo de investigação. A diferença entre método e técnica reside no fato de que a segunda possui em geral um objetivo muito mais restrito do que o primeiro. O papel da metodologia consiste em avaliar as condições de uso de cada uma das técnicas. A preocupação metodológica dos pesquisadores permite apontar riscos e criar condições satisfatórias para uma combinação de técnicas apropriadas aos objetivos da pesquisa. Além do controle dos métodos e técnicas, o papel da metodologia consiste em orientar o pesquisador na estrutura da pesquisa. A pesquisa-ação é um tópico entre os diferentes tópicos da metodologia das ciências sociais.

Para justificar a escolha da pesquisa-ação como metodologia proposta para esta pesquisa, estabelecemos um diálogo entre as teorias de três autores: a pedagogia da ação transformadora, de Gadotti (1995), a pesquisa como princípio científico educativo, de Demo (2002) e, por último, a metodologia da pesquisa-ação, de Thiollent (2000).

No que concerne aos aspectos da ação transformadora, vale dizer que os chamados escolanovistas buscavam construir, através do diálogo, relações democráticas numa escola

livre, criadora, espontânea, sem medo da liberdade. Segundo Gadotti, há, nessa pedagogia, uma figura ímpar, Paulo Freire, que, na nova sistematização surgida, dá um caráter eminentemente político ao diálogo. Para esse autor, o diálogo dos oprimidos aponta para a superação do conflito destes com seus opressores. Ele concebe o diálogo como postura do educador comprometido com o oprimido, postura oposta à do educador que se autoproclama neutro ou descomprometido.

Em Paulo Freire o diálogo não é só um encontro de dois sujeitos que buscam o significado das coisas – o saber – mas um encontro que se realiza na práxis –ação + reflexão–, no engajamento, no compromisso com a transformação social. Dialogar não é trocar idéias. O diálogo que não leva à ação transformadora é puro verbalismo. (GADOTTI, 1995, p. 15).

O diálogo está definitivamente incorporado à tarefa de educar e de conhecer.

A pedagogia do diálogo contribuiu para a democratização do ensino na medida em que, ao colocar a questão das relações democráticas entre professores e alunos e na própria instituição, pôs em evidência outras relações autoritárias, notadamente as relações burocráticas institucionais e as relações autoritárias, o antidiálogo, que predominam na sociedade classista. (GADOTTI, 1995, p. 19).

A pedagogia do diálogo contribuiu enormemente para o desenvolvimento da pedagogia contemporânea, para a compreensão da instituição escolar, desmistificando a idéia da superioridade moral do mestre, desmistificando a idéia moral de alguns homens sobre outros ou porque ocupam funções (consideradas) superiores a outros, ou porque são (considerados) mais competentes. Por isso é importante lembrar que a educação não é um processo que se repete sempre da mesma forma. Existe uma leitura histórica diferente em cada época do que se entende e do que se quer da educação.

A pedagogia da práxis é a teoria de uma prática pedagógica que procura não esconder o conflito e a contradição, como quer a tecnoburocracia, mas, ao contrário, afronta- os, desocultando-os. Conflito é uma categoria que continua sendo utilizada como essencial a toda pedagogia: o papel do pedagogo é educar e educar supõe transformar e não há transformação pacífica. Ela é sempre conflituosa. A pesquisa deve ser entendida não só como

busca de conhecimento, mas igualmente como atitude política. Um dos instrumentos essenciais da criação é a pesquisa. “Compreendida como a capacidade de elaboração

própria, a pesquisa condensa-se numa multiplicidade de horizontes no contexto científico”

(DEMO, 2002, p.18, grifo do autor).

O pesquisador não é somente quem sabe acumular dados mensurados, mas, sobretudo, quem nunca desiste de questionar a realidade, sabendo que qualquer conhecimento é apenas recorte. E mais: “é essencial que não reduza a realidade ao tamanho do que consegue captar [...]. O bom teórico é aquele que retorna à teoria no contexto de qualquer prática, aceita todo ponto de chegada como inevitável próximo ponto de partida” (DEMO, 2002, p. 20, 23).

Teoria e prática detêm a mesma relevância científica e constituem no fundo um todo só. E o apelo à neutralidade científica é a fuga útil, para não ter que enfrentar a questão ideológica. Nas palavras de Demo, uma definição pertinente de pesquisa poderia ser diálogo

inteligente com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante do

cotidiano. “Diálogo é fala contrária, entre atores que se encontram e se defrontam” (DEMO, 2002, p. 37, grifo do autor).

Colocar a pesquisa como diálogo transformador é processo político de conquista, de construção, de criação, que depende da qualidade política dos pesquisadores, no contexto da respectiva sociedade. Para Demo (2002), o único jeito de alimentar certezas teóricas é não confrontá-las com a prática, pois somente em teoria poder-se-ia fazer da vida concreta e histórica uma mera relação lógica.

A pesquisa-ação pretende ficar atenta às exigências teóricas e práticas para equacionar problemas relevantes dentro da situação social. A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo

cooperativo ou participativo. Pesquisa-ação e pesquisa participante, segundo Thiollent (2000), são freqüentemente dadas como sinônimas, mas não são, porque a pesquisa-ação, além da participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, técnico ou outro, que nem sempre se encontra em propostas de pesquisa participante. Por isso, toda pesquisa-ação é de tipo participativo: a participação das pessoas implicadas nos problemas investigados é estritamente necessária. Uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação.

Em geral, a idéia de pesquisa-ação encontra um contexto favorável quando os pesquisadores não querem limitar suas investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos da maioria das pesquisas convencionais. Querem pesquisas nas quais as pessoas implicadas tenham algo a “dizer” e a “fazer”. Com a pesquisa-ação os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos observados. É preciso, por isso, definir com precisão qual é a ação, quais são seus agentes, seus objetivos e obstáculos, qual é a exigência de conhecimento a ser produzido em função dos problemas encontrados na ação ou entre os atores da situação.

A atitude dos pesquisadores é sempre uma atitude de “escuta” e de elucidação dos vários aspectos da situação, sem imposição unilateral de suas concepções.

Não se trata apenas de resolver um problema imediato e sim desenvolver a consciência da coletividade nos planos político ou cultural a respeito dos problemas importantes que enfrenta, mesmo quando não se vêem soluções a curto prazo, como, por exemplo, nos casos de secas, efeitos da propriedade fundiária, etc (THIOLLENT, 2000, p. 18).

Um dos objetivos práticos da pesquisa-ação é propor soluções quando for possível e acompanhar ações correspondentes, ou, pelo menos, fazer progredir a consciência dos participantes no que diz respeito à exigência de soluções e de obstáculos. A pesquisa-ação sempre pressupõe participação e ação efetiva dos interessados. Pela pesquisa-ação é possível

estudar dinamicamente os problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes durante o processo de transformação da situação.

Por ser muito mais dialógico do que o dispositivo de observação convencional, o dispositivo da pesquisa-ação pode parecer menos preciso e menos objetivo, mas o “qualitativo e o diálogo não são anticientíficos” (THIOLLENT, 2000, p. 23). Outra qualidade da pesquisa- ação consiste em que as populações não são consideradas como ignorantes e desinteressadas.

A moralidade de uma pesquisa-ação depende, sobretudo, da moralidade da ação considerada e dos meios de investigação mobilizados. De acordo com a concepção da pesquisa-ação, a questão dos valores é abordada de modo explícito, dando lugar a discussão entre pesquisadores e grupos pesquisados. A função política da pesquisa-ação é freqüentemente pensada como colocação de um instrumento de investigação e ação à disposição dos grupos e classes sociais populares. Por isso, a principal questão é a seguinte: como a pesquisa poderia tornar-se útil à ação de cidadãos, organizações militantes, populações desfavorecidas e exploradas? Este questionamento deve nortear todo o trabalho de pesquisa-ação que se pretende desenvolver, inclusive foi o questionamento nesta pesquisa.

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