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3 A interlocução inicial na EBM Adelaide Starke

11) Conhecer e exercitar os princípios que envolvem o fenômeno da crase.

3.1.3 As concepções teóricas da professora

As concepções teóricas de um profissional da educação orientam suas ações na prática pedagógica. Apesar de a professora com a qual interagimos dizer, em entrevista escrita, que não seguia uma concepção teórica específica, seu PE, ao contrário, revela a presença de nuances de concepções teóricas específicas. E para discutirmos suas concepções teóricas, baseamo-nos em dois documentos: no PE e na entrevista escrita que fizemos com a professora.

Ao analisarmos o PE da professora, pudemos perceber, pela própria distribuição, no PE, dos conteúdos a serem trabalhados e da menção dos objetivos a eles correspondentes, que a professora procura trabalhar com propostas pedagógicas diferentes (os projetos, por exemplo) das propostas convencionais. Além do mais, não há no PE da professora qualquer referência ao uso do livro didático. Fazemos essa referência para pontuarmos que a professora parece não fazer uso desse material. E isso significa que podemos identificar, ao menos teoricamente, que seu trabalho didático-pedagógico posiciona-se na perspectiva das discussões estabelecidas por Rojo (2001, p. 332), que afirma que o professor deve retomar sua atribuição de planejador de seu ensino de acordo com as necessidades e possibilidades de seus alunos e que não seja mediador-animador da aula em função dos livros didáticos.

A distribuição dos conteúdos para o ensino/aprendizagem nas aulas de LP no PE nos mostra, também, que a seleção feita desse conteúdo priorizou a leitura e a escrita em detrimento da teoria gramatical. Essa postura teórico-pedagógica que privilegia a leitura e a escrita parece sinalizar uma professora cujo embasamento teórico seja fruto das discussões sobre o ensino da LP/produção textual, estabelecidas a partir da década de 60.

Embora a professora diga não se basear em nenhuma teoria específica para sua postura didático-pedagógica, conforme suas próprias palavras na resposta à entrevista;

Pesquisador: Você se baseia em alguma teoria e/ou metodologia específicas sobre

produção textual escrita para trabalhar com os alunos? Fale sobre isso.

Professora: não me baseio em uma teoria específica e/ou metodológica. Através da

música, do jornal ou de textos de bons autores, parto para a produção textual escrita. podemos perceber que sua proposta pedagógica comunga da concepção sociointeracionista, uma vez que procura respeitar a realidade e as necessidades dos alunos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem:

Pesquisador: Fale sobre sua prática docente.

Professora: Procuro uma prática variada, dinâmica e contextualizada para que o aluno se insira no cotidiano. Dessa prática fazem parte a leitura de um jornal

escrito com análise e produção dos principais gêneros utilizados pelos jornais e a montagem de um jornal no laboratório de informática e leitura e análise literária de livros para-didáticos (grifos nossos).

Além disso, mantém um diálogo com a comunidade escolar e com o documento oficial de ensino da escola, o PPP, que se sustenta na teoria vygotskiana.

Também podemos perceber outro diálogo, talvez uma relação dialógica “não intencional”, desta vez com a teoria dos gêneros do discurso, principalmente quando faz menção ao trabalho com jornal (leitura e produção textual de gêneros jornalísticos):

Pesquisador: Fale sobre sua prática docente.

Professora: Procuro uma prática variada, dinâmica e contextualizada para que o

aluno se insira no cotidiano. Dessa prática fazem parte a leitura de um jornal

escrito com análise e produção dos principais gêneros utilizados pelos jornais e a montagem de um jornal no laboratório de informática e leitura e análise literária

de livros paradidáticos (grifo nosso).

Este diálogo ainda pode ser observado quando a professora lista, no PE, os objetivos da produção de textos, embora aqui a noção de gêneros seja ofuscada pela estrutura textual.

Objetivos da produção de textos

1) Produzir textos narrativos, tomando como base a noção de enredo e suas partes. 2) Conhecer e operar o conceito de tempo narrativo na produção de textos.

3) Desenvolver técnicas de argumentação, tomando como estratégias: a apresentação de razões e conclusões; a adequação do argumento ao interlocutor.

4) Produzir textos argumentativos relacionados às necessidades reais de

5) Conhecer e produzir o texto dissertativo, observando aspectos como adequação de linguagem, objetividade, etc.

6) Conhecer a estrutura convencional de textos dissertativos. Produzir textos dissertativos de acordo com essa estrutura (grifo nosso).

O que parece paradoxal é o fato de a professora, ao ser interrogada sobre as necessidades dos alunos em relação à produção textual, apresentar como necessidades de aprendizagem dos alunos assuntos de ordem mais gramatical:

Pesquisador: Do seu ponto de vista, quais são as necessidades dos alunos quanto à

produção textual escrita?

Professora: necessidade de expansão do vocabulário; interpretação do enunciado;

estruturação de frases; ortografia; tempos e formas verbais (conjugação); acentuação gráfica; pontuação; colocação pronominal.

No entanto, podemos desfazer o paradoxo se levarmos em consideração que a professora aponta para o trabalho pedagógico duas concepções distintas de texto, de produção textual: a) de um lado, a tipologia escolar já consagrada (texto narrativo e texto dissertativo, conforme parte cinco do PE); b) de outro lado, os gêneros (o projeto um, que trata do jornal).

De uma forma ou de outra, sendo coerente ou não com o PE, a resposta da professora pressupõe, intuitivamente, digamos assim, o trabalho com os gêneros. Ademais, a própria idéia de dinamicidade pretendida já é bastante sugestiva, principalmente se pensarmos na dinamicidade dos próprios gêneros do discurso.

Outro aspecto interessante na resposta da professora é a prática contextualizada para a inserção do aluno nas diferentes interações sociais, o que pode remeter ao trabalho de produção textual pressupondo a situação de interação específica para a produção textual. O conhecimento prévio dos gêneros através da leitura do jornal e a análise (mesmo que apenas dos aspectos lingüísticos) dos principais gêneros utilizados pelo jornal são também aspectos positivos do trabalho da professora sugerido pelo PE que merecem ser destacados. E, como se não bastasse, a intenção da montagem de um jornal no laboratório de informática e sua posterior exposição ao leitor revela o interesse com o leitor efetivo e o trabalho articulado

com as novas tecnologias. Contudo, vale relembrar, e também lamentar, o que já discutimos na análise do PE da professora quanto à concepção de leitura (e à concepção de escritura também) da professora, uma vez que parece valorizar, pelo menos no PE, só a leitura de obras literárias e para-didáticas, deixando a leitura do jornal e a produção dos gêneros jornalísticos para um segundo plano ou esquecendo-os. No mais, a postura da proposta pedagógica da professora revela muito mais aspectos positivos merecedores de crédito do que negativos.

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