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3 EDUCAÇÃO E VALORES HUMANOS

3.1 CONCEPÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO

Acreditamos que é preciso falar em educação na atualidade a partir da reflexão sobre as diversas transformações socioeconômicas, políticas, tecnológicas, culturais, dentre outras, que incidem diretamente sobre os valores permeados pelo âmbito educacional, gerando inúmeras mudanças em termos de concepções e métodos sobre como educar.

Percebe-se que a cooperação como prática social ou como método dentro do campo da educação não é uma organização moderna, tendo-se em vista que há escritos registrados tanto na Bíblia quanto no Talmude que fazem referência à cooperação nos seus ensinamentos. Sócrates já utilizava pequenos grupos para ensinar aos alunos; Quintiliano fazia referência ao ensino mútuo entre pares, como também era compartilhada por Séneca a ideia de que quem ensina aprende duas vezes mais. Na Idade Média, era comum o trabalho dos artesãos em pequenos grupos e na sociedade feudal, o ensino era tutorial e dirigido aos nobres. No renascimento, Comenius argumentava que os estudantes se beneficiavam quando ensinavam uns aos outros. Na Idade Moderna, os pedagogos britânicos Bell e Lancaster, em épocas distintas, apresentaram a proposta da tutoria entre pares, a qual influenciou o sistema de ensino da Inglaterra, sendo importada posteriormente para os Estados Unidos. Parker, Dewey, Deutsche e Sherif são alguns dos autores norte-americanos que colaboraram na construção de conhecimentos sobre a cooperação e sobre a aprendizagem cooperativa no contexto pedagógico e escolar. (LOPES; SILVA, 2009).

Embora constatemos a presença da cooperação no campo da educação, percebemos que no século XX ainda se difundiu, corriqueiramente, a ideia de que para adquirir conhecimento era necessário estar diante de um professor que o transferisse diretamente. Por outro lado, com a revolução tecnológica e com a informatização do conhecimento, tem sido repensado o papel do professor no contexto de sala de aula (GOERGEN, 2005). Vivemos um novo contexto na prática do ensino-aprendizagem onde os aprendizes não se relacionam mais somente com professores, mas com um rol de tecnologias que difundem informações e facilitam a aquisição de conhecimentos. Como consequência disso, a necessidade de autonomia e liberdade para buscar novos saberes configura o contexto de aprendizagem.

A relação professor-aluno costumava ser pautada na obediência do segundo ao primeiro, onde havia uma prática docente que impunha respeito a partir da adoção de autoritarismo (FOUCAULT, 1977; DEWEY, 1971). Vemos, nos dias de hoje, a necessidade de que as práticas educativas aconteçam num clima emocionalmente favorável à aprendizagem (CASASSUS, 2009), envolvendo a participação dos estudantes, onde professor e aluno desempenhem papel de parceiros e não de antagonistas (FREIRE, 2006a; ROGERS, 1978). Hoje, se fala de uma educação em que o estudante desenvolva sua criticidade (FREIRE, 2006a), que aprenda não só competências cognitivas, mas também competências sociais (DEL PRETE; DEL PRETTE, 2008) para viver em coletividade (JOHNSON; JOHNSON, 1994) e para aplicar os conhecimentos na resolução de problemas reais (TORO, 2009; ARAÚJO, 2008; COSTA, 2001).

Apesar de vermos a emergência de práticas educacionais libertadoras (FREIRE, 2006a), democráticas (DEWEY, 1971), que apostem no potencial que os sujeitos têm para aprenderem (ROGERS, 1978), práticas estas que caminham no sentido contrário aos modelos disciplinadores, percebemos que elas coexistem ainda hoje com propostas de educação que não se voltam para o desenvolvimento de sujeitos autônomos e engajados socialmente, mas para a manutenção do status quo.

Diante de tantas mudanças sociais, econômicas, políticas, tecnológicas ao longo das últimas décadas, vemos com preocupação a discussão sobre as novas funções que a educação deve exercer, o que implica uma reflexão sobre novas possibilidades de se fazer educação. Nesse contexto atual, Delors (2006) entende que a educação tem o papel de criar vínculos sociais entre as pessoas a partir de referências comuns e tem como objetivo essencial o desenvolvimento do ser humano na sua dimensão social.

Desse modo, defende que é através da educação que se veiculam culturas e valores que atuam nessa socialização como caminho de preparação de um projeto comum. Com a ruptura dos laços sociais que se observam em muitas sociedades na contemporaneidade, os modos de socialização sofrem inúmeras consequências. De acordo com Delors (2006), no âmbito educacional, por um lado se acusa a educação de agravar essas rupturas sociais e de ser geradora de exclusões sociais e por outro, se recorre a ela na tentativa de recuperar um sentido de coletividade. Para Delors (2006, p. 67):

A educação não pode, por si só, resolver os problemas postos pela ruptura (onde for o caso) dos laços sociais. Espera-se, no entanto, que contribua para o desenvolvimento do querer viver juntos [...]. A democracia parece progredir, segundo formas e fases adaptadas a situação de cada país. Mas sua vitalidade é constantemente ameaçada. É na escola que deve começar a educação para uma cidadania consciente e ativa.

Nesse sentido, para compreender a relação entre a educação e a formação de valores humanos, é necessário partir de uma compreensão de educação que se preocupe com uma formação humana integral (GOERGEN, 2005) e que considere a complexidade do processo ensino- aprendizagem, rejeitando a concepção de que ensinar é unicamente contribuir para o desenvolvimento intelectual dos estudantes.

Ao tomar por base essa concepção, compreendemos a partir de Delors (2006) que a educação se baseia em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. O aprender a conhecer, que fundamenta o ensino formal, supõe, antes de tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento. O

aprender a fazer, também evidenciado no ensino formal, embora menos presente do que o aprender a conhecer, refere-se a uma aquisição não só de qualificação profissional, mas também de uma competência para enfrentar problemas e a aprender a trabalhar em equipe. O aprender a conviver, por sua vez, refere-se a um aprender a cooperar com os outros, compreender e respeitar o outro, gerenciar conflitos e promover a paz. E por último, aprender a ser, o qual integra os aprendizados acima citados no sentido de desenvolver um sujeito autônomo e responsável.