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5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

5.1 IDENTIFICAÇÃO DOS VALORES DO PRECE

5.1.2 Valores humanos presentes no PRECE

5.1.2.1 Construção de valores morais no PRECE

Vemos que a discussão sobre estarmos vivendo em uma crise de valores ou estarmos com os valores em crise (LA TAILLE; MENIN, 2009) também adentra o espaço do PRECE, como podemos observar no Jornal Folha da Juventude (2006, n. 17, p. 3):

Sempre que nos deparamos diante dos noticiários e observamos toda a crise que o mundo enfrenta atualmente, nos perguntamos: Onde é que tudo isso vai parar? E esse questionamento torna-se mais forte quando pensamos na educação dos nossos filhos. Como ensinar princípios morais e éticos diante de uma sociedade onde há uma completa inversão de valores?

Acreditamos que o PRECE se configura como uma experiência educacional que tem uma preocupação na formação de valores morais e éticos (LA TAILLE, 2006) na medida

em que problematiza o modelo de sociedade no qual vivemos e estimula os estudantes a refletirem sobre os modos como estabelecem relações interpessoais, sobre estratégias coletivas de aprendizagem e sobre formas de participação social para a resolução de problemáticas, apesar de que essa formação moral não esteja delimitada, dentro do PRECE, em uma disciplina ou em um espaço formalizado para isso, como nos aponta Ramos (2009, p. 98):

O PRECE, na sua rede de Escolas Populares Cooperativas, trabalha uma educação política voltada para o exercício da cidadania, não no sentido tradicional de uma “educação moral e cívica”, mas permite que jovens tenham acesso ao conhecimento, às informações, na perspectiva de se construir uma visão crítica que regerão suas vidas. Ao mesmo tempo, sem esquecer de colaborar para a melhoria da qualidade da educação pública no município. Pois, educação, informação e cidadania devem estar sempre articuladas.

Alguns dos valores morais que destacamos como presentes no PRECE atrelados a valores de Universalismo Compromisso e Benevolência cuidados são valores de justiça/equidade e altruísmo. D’Aurea-Tardeli (2009, p. 79) entende a justiça como “a materialização de todos os valores (morais)”, sendo a equidade uma forma desigual de garantir a igualdade. No PRECE esse valor regula muitas das ações na medida em que ele se volta para minimizar as desigualdades sociais historicamente construídas a partir da oferta de uma educação de base comunitária que consiga capacitar os jovens para conquistarem um espaço social que lhes foi negado.

O altruísmo, por sua vez, está atrelado à prática da solidariedade, já que requer uma atitude voluntária em prol do outro. Sennett (2012, p. 97) afirma que “[...] O altruísmo propriamente dito começa quando [as pessoas] se dispõem a agir ainda que sem receber reconhecimento dos outros [...]”. O altruísmo está ligado à categoria “Reciprocidade-receber e retribuir”, uma vez que esse ciclo de reciprocidade só pode ser gerado a partir do altruísmo de alguém que se dispôs a ofertar ajuda como forma de retribuir o apoio que recebeu.

Nos grupos focais, alguns sujeitos fizeram referência a esse aspecto moral/ético que está presente no PRECE “[...] Essa perspectiva [do PRECE] de ser pautada numa ética, de saber fazer as coisas não em benefício de si próprio, pode até pensar, mas não pensa só nisso” (GILBERTO, GF 2).

O PRECE para mim representa, hoje, muitos valores, mas um dos valores que tenho aprendido muito e que eu tenho carregado comigo é a questão da honestidade, que a minha pessoa tem, de não se envolver em atos ilícitos e essa coisa aprendi d entro do PRECE e eu carrego isso comigo, de você tentar trabalhar a sua cidadania, de trabalhar a sua honestidade, de trabalhar a sua ética, a sua moral pras coisas públicas mesmo, de pensar no bem coletivo e não só no pessoal, só individualmente (FERNANDO, GF 2)

Como podemos perceber, a preocupação com o outro, com o coletivo, com os valores éticos e morais estão presentes de forma significativa ao longo da história do PRECE, como pode ser visto também na frase do Participante 36: “O valor de se conviver em grupo é o que enriquece nossa experiência em compartilhar a cada dia não apenas conhecimento, mas formação cidadã” e como já evidenciamos anteriormente nas referências aos valores de universalismo compromisso e benevolência cuidado.

Vimos, no terceiro capítulo desse estudo, o fato de haver uma lacuna, nos espaços formais de educação, em termos de disciplinas e formação pedagógica que trabalhem a educação em valores, incluindo os valores morais, a partir de uma delimitação que tem sido feita de que o papel da escola é voltado para uma educação focada no aspecto da aprendizagem de conteúdos tradicionais, restando à família a educação de valores (LA TAILLE; SOUZA ;VIZIOLI, 2004; CAMINO; PAZ; LUNA, 2009; TREVISOL, 2009).

O PRECE, enquanto espaço não-formal de educação, quando fez a opção de utilizar como estratégia de ensino-aprendizagem a cooperação entre estudantes, como também por estimular os participantes do movimento a terem um compromisso com o desenvolvimento de suas comunidades, acabou se deparando com questões relativas à formação moral e ética. No discurso oficial, o PRECE (c2016) assumiu esse compromisso, como podemos perceber no texto que define a missão difundida pelo programa:

Colaborar para a formação de sujeitos críticos reflexivos nos diferentes níveis de conhecimento (técnicos, graduados e pós -graduados), capazes de realizar o desenvolvimento educacional, científico, econômico, político e cultural de forma sustentável em comunidades de baixa renda.

Embora o discurso oficial defina um tipo de formação integral e ideal, sabemos que a experiência do PRECE é muito singular em cada espaço onde ela se constituiu de acordo com o contexto sociocultural vivenciado, além de ser feita de estudante para estudante, não sendo sistematizada sobre aspectos educacionais formais, mas empíricos e experimentais. Essa forma de organização fortaleceu o protagonismo e a autonomia dos estudantes por um lado, mas por outro, não favoreceu uma formação realmente integral em todas as EPCs, uma vez que os estudantes ainda estavam em processo de amadurecimento e compreensão da realidade social, sendo essa formação moral e ética algo que não se consolidou em todos os espaços de formação, como veremos mais profundamente no objetivo específico três.

Podemos compreender que o movimento PRECE, enquanto organização, apresenta também deficiências e limitações enquanto instituição que se pretende ser formadora de valores humanos, uma vez que não apresenta diretrizes que especificamente pautem essa formação dentro dos espaços pedagógicos que vão ser liderados pelos estudantes, o que acarreta, muitas vezes, em uma supervalorização da formação acadêmica em detrimento de uma formação humana pautada em valores.

Muitos estudos sobre a construção de valores morais estão voltados para a compreensão desse processo no período da infância (PIAGET, 1994; KOHLBERG, 1976), destacamos aqui a relevância de nos voltarmos para a compreensão da construção moral também durante a juventude a partir da compreensão de que os valores não são estáticos, mas passam por processos de transformação de acordo com as experiências vivenciadas pelos sujeitos.