• Nenhum resultado encontrado

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

5.1 IDENTIFICAÇÃO DOS VALORES DO PRECE

5.1.5 Papel social do precista

Em relação ao “papel social” que o precista desempenha (FIGURA 5), podemos agrupar a essa família as categorias: “Protagonismo cooperativo solidário”, “Sujeito universitário-comunitário”, “Compromisso”, “Sentimento de comunidade” e

“Fortalecimento”. Todas essas categorias se relacionam com o valor universalismo compromisso e serão apresentadas aqui por entendermos que elas ampliam a compreensão sobre os valores do PRECE. A categoria Protagonismo Cooperativo Solidário que foi apresentada anteriormente compõe essa família por caracterizar uma modalidade de atuação de protagonismo juvenil em que os jovens desempenham um papel social na resolução de problemas sociais, compondo a categoria do papel social desempenhado pelo precista.

A categoria sujeito universitário-comunitário faz uma referência à categoria sujeito comunitário (GÓIS, 2008) acrescentando-lhe o adjetivo universitário, a qual foi cunhada por Avendaño, Ana (2008, p. 31) “Esses atores, enquanto estudantes universitários, possuem dimensões e vivências que os fazem refletir sobre a função da universidade pública, do conhecimento científico e de seu papel como estudante de classe popular com forte comprometimento comunitário”. Quando Góis (2008, p. 96) se refere ao sujeito comunitário ou sujeito da comunidade ele o caracteriza como alguém que:

Tem uma consciência transitiva que lhe permite melhor compreender o modo de vida de sua comunidade e de si mesmo, além de reconhecer seu valor e poder para desenvolvê-la e desenvolver-se como sujeito comunitário. Rompe ele, cada vez mais, com a ideologia de submissão e resignação, a identidade de oprimido e explorado e a cultura da pobreza, construídas por séculos de opressão e exploração. Diante das relações de dominação não se entrega e busca estimular os demais moradores a superarem suas vidas oprimidas.

Nesse sentido, o sujeito universitário-comunitário, através do seu engajamento no PRECE e em outros espaços comunitários, desenvolve criticidade frente às problemáticas sociais, atuando de forma comprometida com a transformação das condições de vida de sua comunidade, ou seja, atuando como sujeito comunitário. Natanael (GF 2) faz uma referência ao seu processo de tornar-se sujeito universitário-comunitário:

Um sentimento que mudou em mim, muitos eu acho que potencializou, mas um, assim, que vem sempre na minha cabeça é o sentimento de pertencimento, de obrigação, de, sei lá, pela comunidade, assim, comunidade que eu digo, aliás são as pessoas também, mas não só as pessoas, de assim, depois do PRECE e do trabalho do NUCOM, que a gente passou 3, 4 anos, assim o NUCOM trouxe essa visão que a gente é responsável por melhorar o que está ao nosso redor, não só o meu amigo, mas assim das pessoas que não fazem parte do nosso ciclo, da comunidade em geral, depois do PRECE eu mudei um pouco da minha visão em relação a isso, antes eu pensava ‘eu não faço parte disso, eu não tenho como melhorar isso, a comunidade, as lideranças que podem cuidar da comunidade, são eles e eles que têm que fazer por mim’, hoje vejo muito diferente, que eu também sou responsável.

A parceria estabelecida entre o PRECE e o NUCOM (Núcleo de Psicologia Comunitária) é apontada por Natanael como um aspecto relevante para a sua constituição

enquanto sujeito universitário-comunitário. Nesse sentido, percebemos que essa parceria institucional que o PRECE estabeleceu contribuiu para o processo de apropriação dos participantes com as questões das suas comunidades. Na Roda de Conversa (RC) 5, também pudemos ver uma referência à atuação desse universitário que age como sujeito comunitário em sua localidade de origem:

Percebi no nosso grupo aqui maior protagonismo, de estar na universidade e criar alguma coisa pra desenvolver a nossa comunidade, a gente sente uma carência muito grande de ações desse tipo, a comunidade é humilde, no caso desse projeto (com crianças) a gente tenta com o mínimo que a gente tem ofertar alguma coisa para eles.

A categoria sentimento de comunidade (MCMILLAN; CHAVIS, 1986) nos auxilia a compreender como se dá essa atuação do precista. O sentimento de comunidade definido por esses autores apresenta quatro dimensões que se relacionam entre si: filiação ou pertença, influência, integração e satisfação de necessidades e ligações emocionais partilhadas. A primeira dimensão se refere à ideia de sentir-se parte da comunidade, a segunda refere-se à capacidade de influenciar e ser influenciado pelos demais membros da comunidade, a terceira se refere à capacidade de estabelecer relações comunitárias que supram as necessidades pessoais e a quarta dimensão refere-se os laços afetivos estabelecidos entre as pessoas da comunidade no compartilhamento de suas histórias de vida. (MCMILLAN; CHAVIS, 1986).

Podemos ver a presença da dimensão filiação na frase do Participante 90: “O PRECE transforma vidas principalmente no quesito de valorização pessoal e reconhecimento de suas origens”. A dimensão ligações emocionais partilhadas pode ser vista nas seguintes frases: “O PRECE é um grupo que se importa com as pessoas, faz com que você demonstre seus sentimentos, seja você sem nenhum medo e mostre que todos sejam iguais” (PARTICIPANTE 47) e “O verdadeiro sentido do eu é quando compartilho minha história e me emociono com a dos meus colegas” (PARTICIPANTE 136).

Podemos analisar as dimensões influência e integração e satisfação de necessidades no discurso do Vicente (GF 2):

Uma coisa que eu consegui internalizar desde a primeira semana que passei no PRECE [...] foi a questão do sentimento de comunidade, desde esse momento, a partir daí, eu percebi que eu não era um sujeito largado, sozinho no mundo, assim, eu pensava em mim e na minha família no máximo, aí depois do PRECE eu pensei não sou eu e a minha família, é a comunidade, aí essas esferas vão crescendo, tem a esfera individual, a familiar, a comunitária, e a gente vai pro mundo globalizado e pensa que tudo influencia em tudo, então depois que comecei a participar do PRECE eu percebi que todas as minhas ações refletem em todo mundo e passei a valorizar o

que eu podia fazer pelos outros, porque eu valorizava o que os outros faziam por mim, é isso que a gente tende a valorizar, o que o outro pode me oferecer [...].

Percebe-se, neste discurso, uma evidência da quebra paradigmática de valores predominantemente voltados para o individualismo e para o autocuidado. O participante evidencia a valorização não só do que se recebe do outro, mas também do que se pode fazer pelo outro. Este aspecto pode ser visto também na frase do Participante 25: “O PRECE representa mudança de vida, da fuga da mediocridade para a busca de novas oportunidades. É exercitar características intrínsecas aos seres humanos assumindo responsabilidades, compartilhando experiências e realizando sonhos juntos”. Atrelada às categorias sujeito universitário-comunitário e sentimento de comunidade temos a categoria compromisso que é definida por Bastos, Yamamoto e Rodrigues (2010, p. 27):

Na ideia de compromisso, há duas noções que merecem destaque: a de obrigação e a de envolvimento. A primeira traz o senso de responsabilidade; e a segunda, uma dimensão afetiva que forma um vínculo com determinado objeto ou alvo (que pode ser uma pessoa, um grupo, uma instituição, uma ideia, um comportamento, um movimento coletivo, uma profissão, uma carreira, etc.). Ambas, simultaneamente, remetem o compromisso a um conjunto de ações motivadas por um sentimento de obrigação, o qual é originado, em primeira instância, pela identificação ou pelo com- partilhamento de valores e crenças individuais com os valores e as crenças ligados ao objeto em questão.

A partir dessa definição, compreendemos que a dimensão do compromisso envolve tanto a ideia de obrigação quanto de envolvimento. Nesse tópico nos voltaremos somente para a noção da obrigação, uma vez que o envolvimento será discutido no terceiro objetivo específico. De acordo com Ramos (2009) “[No PRECE] As obrigações de dar, receber e retribuir estão encobertas pela aparência do voluntarismo (ou seja, a obrigação pode estar inconsciente), mas é esta obrigação que garante a sistematicidade das relações sociais nas células”. Percebemos que esse compromisso, visto como uma obrigação dentro da ideia de reciprocidade, incita os participantes a se doarem voluntariamente e a manterem-se conectados aos PRECE. Carla (GF 1) apresenta essa ideia de compromisso no PRECE vinculada não só a sua comunidade, mas também ao município e até mesmo ao país: “Eu acredito que é isso que une os precistas, sabe? Esses ideais de melhorar a sua comunidade, melhorar a sua família, melhorar o Brasil, melhorar o Pentecoste, Apuiarés. Então, esse ideal de melhora pro coletivo, né, que traz, forma, formou o PRECE, né?”.

Percebemos que a noção de compromisso no PRECE é muito central na forma de atuação no movimento, sendo algo que define a vinculação com os demais e também delimita o papel social que o precista desempenha no grupo, como podemos ver no discurso:

Nós aprendemos que, às vezes, tem pessoas que têm muito potencial, sabe fazer as coisas mas não tem compromisso [...], Eu acho melhor um cara que não sabe mas que tenha vontade de aprender e que tenha compromisso, do que um cara que sabe muito, mas que não tem compromisso, isso a gente aprendeu dentro do PRECE, a gente aprendeu que compromisso era importante, a gente colocava um cara como coordenador de disciplina e diziam “Ele não sabe não”, mas ele vai aprender, “Por que ele vai aprender?” Porque tem compromisso (RC 5).

Quando analisamos as categorias que compõem o papel social do precista, percebemos que elas se relacionam entre si e convergem para a efetivação do fortalecimento, que é uma categoria definida por Montero (2006, p. 72, tradução nossa) como:

Processo mediante o qual os membros de uma comunidade (indivíduos interessados e grupos organizados) desenvolvem conjuntamente capacidades e recursos para controlar sua situação de vida, atuando de maneira comprometida, consciente e crítica, para alcançar a transformação do seu ambiente segundo suas necessidades e aspirações, transformando-se ao mesmo tempo a si mesmo.11

O processo de fortalecimento leva em conta uma série de elementos como participação baseada na solidariedade e no apoio social, processo de conscientização; poder social, politização, autogestão, dentre outros. Já apresentamos acima discussões acerca da solidariedade e do apoio social. A participação é capaz de gerar um trânsito de consciência, ou seja, um processo de conscientização, que é possível através da construção de espaços de diálogo que inclua a participação de todos (FREIRE, 2005), sendo capaz de se dirigir a uma cidadania ativa que implica na expressão dos direitos que se quer ter, ao invés de simplesmente usufruir dos direitos elaborados por outros (VIEIRA; XIMENES, 2008), o que está relacionado à conquista de maior poder social e politização, podendo levar a uma autogestão.

Nesse sentido, percebemos que o papel social exercido pelos precistas visa, em última instância, o fortalecimento desses sujeitos para atuarem em prol das transformações pessoais e sociais. Assis (GF 2) explicita o papel que o grupo tem na constituição desse fortalecimento:

Quando conheci o PRECE, e aí as pessoas começaram a falar dessa responsabilidade, que eu era capaz, que eu não tava só, me senti empoderado pra vencer muitas das barreiras, eu via um obstáculo muito grande e eu me lembrava que eu não estou só, tem um grupo que tá me dando apoio, suporte, que acredita que sou capaz de passar por esse desafio e foi assim que eu consegui passar (ASSIS, GF 2).

11“El processo mediante el cual los miembros de una comunidad (individuos interesados y grupos organizados)

desarrollan conjuntamente capacidades y recursos para controlar su situación de vida, actuando de manera comprometida, consciente y crítica, para lograr la transformación de su entorno según sus nec esidades y aspiraciones, trasformándose al mismo tempo a si mismos”.