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3 EDUCAÇÃO E VALORES HUMANOS

3.2 RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E MORAL

Há muitos autores que se interessam pela relação entre a educação e a moral, desde tempos remotos, como pode ser visto nas obras de autores que estudaram o pensamento de Sócrates, que na sua época já considerava haver uma relação intrínseca entre ética e educação, uma vez que o conhecimento ético deveria orientar o agir (GOERGEN, 2005). Numa outra vertente, Durkheim (2003) compreende a moral a partir de uma conotação impositiva, onde a autonomia e a responsabilidade do sujeito não entram em questão. Cabe à educação transmitir os valores através das normas sociais, sendo o sujeito coagido a conhecê- las e a incorporá-las. Neste sentido, agir moralmente significa agir de acordo com as normas sociais, sendo o papel da escola e do professor, enquanto autoridades morais, criar nos estudantes o sentimento de vinculação e de pertença a uma coletividade.

Em contraponto a isso, Goergen (2005) identifica que na era pós-moralista, acontece uma exaltação dos direitos individuais à autonomia, ao desejo e à felicidade em detrimento à retórica do dever austero, integral, maniqueísta. Nessa era, não foi eliminada a moral como entendida até então, mas ela começou a coexistir e até mesmo a disputar espaço com novas formas de individualismos que buscam se livrar das regras e dos controles. Na era pós-moral, que coincide com a pós-modernidade, há uma acomodação ao mundo tal como ele se apresenta, havendo uma espécie de esquiva à construção de uma sociedade melhor, mais digna e justa. Isso se reflete nas práticas educacionais que também acabaram por naturalizar as injustiças e desigualdade sociais, uma vez que nesse pensamento pós-moderno há um abandono das utopias que outrora serviram para alimentar sonhos de mudanças e transformações sociais.

Se por um lado, a educação na pós-moralidade revela uma tendência à acomodação dos sujeitos à realidade como ela se encontra, por outro lado, autores como os da Escola de Frankfurt, representada principalmente por Horkheimer, Adorno e Marcuse,

apontam uma educação moral que tem uma preocupação com as condições sociais, o que lhe caracteriza como uma educação política (GOERGEN, 2005). Neste sentido, a consciência moral assume um interesse em compreender as práticas sociais contemporâneas geradoras de desigualdades e uma busca por transformações sociais e individuais em prol de justiça.

Goergen (2005, p. 1007) apresenta a moralidade como condição humana “quando nos encontramos diante da decisão de como desejamos viver, que atitudes tomar ante os conflitos vitais, como nos relacionar com o meio e com os outros” e a educação moral como “a busca de um caminho pessoal para uma vida consciente, livre e responsável”. Ressalta ainda que a educação moral não tem um papel de desenvolver um sujeito autônomo isoladamente, mas que aprenda a viver em comunidade através da escolha de determinados valores que devam orientar os comportamentos. O autor ainda pontua que não há um consenso sobre que escolha de valores deve ser tomada, na verdade, as decisões morais implicam inúmeras possibilidades onde é preciso escolher o que é pessoalmente desejável e também socialmente justo.

Percebemos uma grande contribuição do Construtivismo psicogenético de Piaget para o tema da educação moral a partir de estudos de autores contemporâneos. Menin (2002) aponta vários métodos acerca da educação em valores, onde há modelos doutrinários que assumem uma forma de transmissão de valores como verdades absolutas que devem ser transmitidas, ou melhor, impostas diretamente aos estudantes, como também há modelos relativistas, onde a escola não assume um modelo sistemático de se trabalhar com valores, deixando que cada profissional faça a sua escolha. Enquanto o modelo doutrinário gera uma moral heterônoma, pois os “valores impostos por uma autoridade são aceitos por temor enquanto perdurar o controle dessa autoridade” (MENIN, 2002, p. 95), o modelo relativista de transmissão de valores, adota uma educação permeável a tudo, onde valores e contravalores coexistam de forma naturalizada, sem uma necessária reflexão sobre as motivações que levam a tais escolhas.

Em estudo de revisão de literatura a respeito da produção de artigos sobre ética e educação no Brasil no período de 1990 a 2003, La Taille, Souza e Vizioli (2004, p. 103) chegaram à conclusão que “encontrar formas didáticas de formação moral e ética não é uma preocupação da educação.” A afirmação é bastante contundente e provocativa, uma vez que abre espaço para a problematização de qual é, de fato, a função da educação nos tempos de hoje. Os autores apresentaram um cenário onde os atores escolares queixaram-se do modelo de escola que se tem, da dificuldade de inserir os temas da moral e da ética no contexto atual, além da culpabilização aos pais pelos comportamentos indisciplinados dos filhos.

Em pesquisa realizada por Trevisol (2009) com professores, são elencados fatores macrossociais que dificultam o trabalho na perspectiva da construção de valores: ausência de colaboradores no processo; a dinâmica das famílias com fragilidades na formação de base para esses valores; a influência da mídia e das tecnologias que se aproveitam das lacunas deixadas pelas famílias e escolas para difundir determinados estilos de vida e de necessidades que não caminham na direção da formação de valores morais.

Todas essas dificuldades apontadas em termos de educação em valores morais e cívicos implicam numa formação para a cidadania insuficiente e que se reflete nas argumentações que incidem sobre a possibilidade de estarmos vivendo uma crise de valores (LA TAILLE; MENIN, 2009). Como podemos perceber, há uma lacuna existente em termos de disciplinas e formação pedagógica que deem conta de favorecer uma educação em valores de um modo geral, restando aos estudantes conceberem concepções de moral muito limitadas e muitas vezes equivocadas.