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6 VALORES HUMANOS PESSOAIS DOS PARTICIPANTES DO

6.2 DIMENSÕES DOS VALORES HUMANOS

sujeitos. Justificamos esse ponto de vista a partir da referência a um Protagonismo Cooperativo Solidário apresentado por Matos, Matos e Barbosa (2015), as quais não entendem ser possível a emancipação social de um único sujeito que age de forma isolada do seu meio social, mas que tem a sua emancipação como fruto de uma construção coletiva de sujeitos que compartilham dificuldades semelhantes e agem cooperativamente para buscar melhorias tanto individuais quanto coletivas.

Em relação aos demais valores com pontuação intermediária (Universalismo natureza, Conformidade Regras, Conformidade Interpessoal e Autodireção de pensamento), não aprofundaremos suas análises, pois nos limitaremos ao que já foi apresentado anteriormente por considerarmos que esses valores não figuram como aqueles de interesse para o objetivo geral da pesquisa, qual seja a análise da relação entre os valores do PRECE e os valores dos participantes, uma vez que esses valores não se mostraram relevantes como valores do PRECE, como também não estão entre os valores mais ou menos significativos na pontuação dos valores pessoais dos participantes.

6.2 DIMENSÕES DOS VALORES HUMANOS

Podemos analisar a presença dos valores humanos a partir das dimensões autotranscendência, conservação, abertura à mudança e autopromoção. A dimensão autotranscendência tem um foco social e está voltada para uma preocupação com o outro, sendo oposta à dimensão autopromoção, que tem um foco individual e se volta para o autointeresse. A dimensão conservação também tem um foco social e se volta para a autorrestrição, se opondo à dimensão abertura à mudança, com foco individual e voltado para atitudes independentes. Na Figura 8, pode-se verificar que a dimensão com maior pontuação é a de Autotranscendência (que inclui o Universalismo Tolerância, Universalismo Natureza, Universalismo Compromisso, Benevolência Dependência, Benevolência Cuidado e Humildade), com média 5,03. Em seu oposto, encontra-se a dimensão de Autopromoção (Face, Hedonismo, Realização, Poder Recurso e Poder Domínio), que apresentou a menor média, 3,55.

Percebemos que as dimensões com maiores e menores valores são bipolares, assim, enquanto os valores de Autotranscendência estão relacionados à transcendência de preocupações egoístas para promover o bem-estar dos outros e da natureza, os valores de Autopromoção reúnem valores cuja motivação é a promoção dos interesses individuais

(SCHWARTZ et al., 2012). Podemos então perceber que os participantes da nossa amostra, em termos de valores, são mais guiados por valores coletivos do que por valores individualistas.

Figura 8 − Pontuação das dimensões dos valores pessoais dos participantes da pesquisa

Fonte: Elaborada pela autora.

De acordo com Ros (2006), podemos identificar diferenças significativas entre os valores individualistas e coletivistas:

Em grandes traços, o individualismo resume um conjunto de valores nos quais a autonomia, a responsabilidades e metas pessoais estão acima das do grupo [...] A pessoa que vive em sociedades que se caracterizam por esse perfil cultural são socializadas para cuidar de si mesmas, desenvolver ideias e critérios próprios e tomar decisões que estejam de acordo com essas ideias [...] O coletivismo é uma síndrome cultural que se diferencia porque a pessoa adquire sua identidade segundo os grupos de que faz parte. As metas e critérios grupais são interiorizados pela pessoa como sendo dela mesma, e em caso de conflito entre seus desejos e os do grupo, predomina o critério grupal. As pessoas que vivem em sociedades coletivistas se diferenciam por serem socializadas para estar em harmonia com o grupo; a lealdade ao grupo, mediante a conformidade social, assegura sua proteção e em muitos casos a sobrevivência de seus membros [...].

Percebemos que Ross segmenta o cuidado de si e a lealdade ao grupo como se não estivesse em um só agrupamento, o que vai de encontro ao que compreendemos a partir do Paradigma do Cuidado (TORO, 2009) que entende várias dimensões do cuidado que integram a existência humana. Gouveia (2006) apresenta algumas discussões mais recentes de autores que apresentam o tema chegando à constatação de que individualismo e coletivismo não representam duas dimensões antagônicas, ou seja, não são necessariamente polos opostos, uma vez que as pessoas podem, de acordo com o contexto em que estão inseridas, ter uma conduta mais individualista ou coletivista, ainda que se espere a predominância de uma das duas orientações. Além disso, é preciso considerar que Schwartz (2005) aponta a existência de valores mistos, que não necessariamente individualistas ou coletivistas, já que não satisfazem o interesse de uma pessoa ou de um grupo.

A partir disso, percebemos com os dados obtidos em nossa pesquisa que é possível pensar o desenvolvimento da autonomia intelectual envolvendo uma dimensão tanto individual quanto coletiva: a liberdade de escolha e de decisões, dentro de um enfoque mais individual, como também o desenvolvimento da cooperação e da solidariedade grupal a partir de um enfoque mais coletivo. Costa (c2014) define que um dos desafios do milênio, em termos de educação, é a formação do homem autônomo e solidário, que mescla os ideais de liberdade ocidentais com os ideais de solidariedade do mundo socialista. Assim, refletimos que mesmo que os valores individualistas possam atravessar os sujeitos forjados neste contexto contemporâneo, ainda é possível encontrar caminhos contra-hegemônicos, como afirma Bauman (2001, p. 51) quando assume que é preciso:

[...] Redesenhar e repovoar a hoje quase vazia ágora- o lugar de encontro, debate e negociação ente o indivíduo e o bem comum, privado e púb lico. Se o velho objetivo da teoria crítica- a emancipação humana- tem qualquer significado hoje, ele é o de reconectar as duas faces do abismo que se abriu entre a realidade do indivíduo de

jure [na lei, no papel] e as perspectivas do indivíduo de facto [cidadão]. Indivíduos

que reaprenderam capacidades esquecidas e reapropriaram ferramentas perdidas da cidadania são os únicos construtores à altura da tarefa de erigir essa ponte em particular.

Bauman (2001, p. 50) considera que “não há indivíduo autônomo sem uma sociedade autônoma”, sendo por isso necessário entender que quando falamos de valores humanos estamos também refletindo sobre o tipo de sociedade e de organizações sociais que servem de referência para a constituição desses valores. A participação em espaços educacionais baseados na cooperação e na solidariedade, como no caso do que temos

analisado em nosso estudo, provavelmente não seja suficiente para que os sujeitos consigam equilibrar nas suas vidas essas dimensões bipolares individualismo x coletivismo, mas se mostra como uma opção para a construção dessa emancipação humana, possível através da utilização dessas velhas ferramentas às quais Bauman (2001) se refere. Penteado e Guzzo (2010) identificam na educação uma possibilidade de emancipação humana e de transformação quando esta assume práticas que não só operam como um modelo reprodutor da sociedade, o que podemos associar às práticas contra-hegemônicas que levam em conta a cooperação e solidariedade entre os participantes.

Quanto às dimensões que se apresentaram intermediárias – Conservação e Abertura à Mudança – temos a dimensão Conservação composta pelos valores Humildade, Segurança Pessoal, Segurança Social, Conformidade Regra, Conformidade Interpessoal e Tradição, com média 4,60, enquanto a dimensão Abertura à Mudança, composta pelos valores Hedonismo, Autodeterminação de Ação, Autodeterminação de Pensamento e Estimulação com média 4,40. A dimensão Conservação concentra os valores relativos à “autorrestrição, ordem e evitação de mudança”, enquanto a dimensão Abertura à mudança está relacionada com valores com base na “prontidão para novas ideias, ações e experiências” (SCHWARTZ et al., 2012, p. 669, tradução nossa).

De acordo com o PNUD (2010, p. 130), “os brasileiros mostraram-se um pouco mais conservadores do que abertos a mudanças”, o que tem uma correspondência com os achados do nosso estudo, embora naquela pesquisa percebeu-se que aqueles com maior escolarização tenham uma tendência a serem menos conservadores e com maior abertura à mudança.

Refletindo sobre o perfil da nossa amostra, considerando que 75% dos participantes são oriundos do interior do Ceará, pensamos que apesar de haver um rompimento com práticas tradicionais da cultura local, o que se percebe pela baixa pontuação no valor Tradição, o fato de fazerem parte de uma cultura interiorana, historicamente mais conservadora (BONOMO, 2010), pode incidir na pontuação dessa dimensão de valor. Vale ressaltar ainda que há outros aspectos que compõem a dimensão conservação, como a autorrestrição a comportamentos que prejudicam o outro e a proteção da estabilidade das relações.

De acordo com Torres et al. (2015), os valores de conservação estão relacionados com algumas características como a ênfase em normas do grupo, lealdade e compromisso com as metas do grupo, que podem ter uma correspondência com os sistemas sociais associados com os nativos brasileiros, refletindo na preferência por valores de conservação

em algumas regiões do Brasil como nordeste, sudeste e sul. Assim, infere-se que a vinculação dos participantes do PRECE ao grupo do qual fazem parte e as atitudes de compromisso e lealdade aos pares, como já apresentado no tópico sobre valores do PRECE, pode ser um fator que influencia na presença desse valor conservação nos participantes da pesquisa.

6.3 DIFERENÇAS ENTRE OS VALORES DOS PARTICIPANTES A PARTIR DO ANO