• Nenhum resultado encontrado

2 VALORES HUMANOS NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS SUJEITOS

2.3 VALORES NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS SUJEITOS

Em relação à formação dos valores, Araújo (2007) parte de uma perspectiva epistemológica do Piaget, onde identifica que os valores são construídos nas interações cotidianas, rejeitando tanto as teses aprioristas que defendem que os valores são inatos, quanto as teses empiristas que colocam a ênfase nas pressões do meio social sobre a formação dos valores das pessoas.

Nessa concepção construtivista, os valores não estão predeterminados e nem são simplesmente internalizados, mas resultam de ações do sujeito (projeções afetivas) sobre o mundo objetivo e subjetivo em que vive. Essa definição contribui para compreendermos as idiossincrasias dos sujeitos, que não têm um padrão único para a formação de valores. Assim, se houvesse um processo de internalização direta dos valores a partir da sociedade e da cultura, haveria uma grande homogeneidade nos valores das pessoas, o que na visão deste autor não acontece.

Sanmartín Arce (2000) aponta que os valores, por estarem emparelhados a uma emoção, podem ser encontrados onde nascem estas emoções: na vida familiar ou nas amizades, nas tensões e realizações profissionais, etc. Ao longo de toda a convivência diária com as pessoas, adultos e pares, como também nos momentos em que se depara com

problemas, nas experimentações e ações, é ao longo de todo esse percurso que a criança construirá seus valores, princípios e normas.

Na compreensão desse processo de formação dos valores, é preciso também fazer menção a forma como acontece a transmissão cultural deles. Segundo Tamayo e Porto (2006), muitos estudos têm se preocupado com a transmissão vertical de valores, investigando a transmissão dos valores gerais. Nessas pesquisas, ora se dá relevância aos resultados da transmissão, onde se investigam a semelhança de valores entre grupos ou a influência de um grupo sobre outro, ora aos processos de como ocorre essa transmissão, nos quais são averiguados os mecanismos e variáveis envolvidas na efetividade da transmissão cultural. Em nossa pesquisa, o interesse se assenta nos dois aspectos acima mencionados quando escolhermos investigar a relação entre os valores do PRECE e dos seus participantes.

Para a Psicologia Histórico-Cultural (VYGOTSKY2, 1991), as relações sociais têm um papel crucial na formação do psiquismo humano. As Funções Psicológicas Superiores como pensamento, linguagem, atenção voluntária, dentre outras, só têm existência a partir de uma internalização das relações sociais que são estabelecidas entre os sujeitos. Todo o desenvolvimento do indivíduo ocorre pela mediação simbólica na atividade, o que possibilita que, nessas mediações, os sujeitos ensinem e aprendam uns com os outros. Assim, acreditamos que os valores humanos também são forjados a partir de mediações semióticas, onde a linguagem desempenha papel preponderante nesse processo.

De acordo com Sirgado (2000), o que cada pessoa pensa, fala, sente, por exemplo, é função da sua história social, ou seja, sofre influência do que os outros das múltiplas relações sociais em que ela está envolvida pensam, falam, sentem, etc. Isso não significa que serão internalizadas exatamente as ideias, as palavras e os sentimentos dos outros, mas a significação que eles têm para o eu, partindo-se da compreensão de que há um processo semiótico de conversão do social para pessoal, em que há a transformação das relações sociais em funções psicológicas pelas mediações, superações, transformações e sínteses, ou seja, não há uma simples reprodução do que está fora do sujeito para dentro dele.

Qual a relevância dessa discussão para o estudo em questão? Como nosso interesse é fazer uma investigação de valores pessoais, é importante compreender que os processos de mediação favorecem a apropriação desses valores pelos sujeitos, com significados e sentidos atribuídos a esses valores pelos sujeitos, aos últimos de maneira singular. Para isso, é importante compreendermos do que se tratam esses conceitos. Oliveira

2

Faço nesse estudo a opção pela grafia Vygostky, apesar de reconhecer que há autores que utilizam outras apresentações.

(1997, p. 50) define que “O significado propriamente dito refere-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, consistindo num núcleo relativamente estável de compreensão da palavra, compartilhado por todas as pessoas que a utilizam”. O significado une o pensamento e a fala no que podemos chamar de pensamento verbal, possibilitando a comunicação, a compreensão e a organização do mundo real, além de favorecer a ação do homem sobre o mundo.

Já o conceito de sentido leva em consideração a experiência individual do sujeito, o que inclui seus afetos e contexto em que está inserido. De acordo com Barros et al. (2009, p. 180, grifo do autor):

[...] o conceito de “sentido”, entendido como acontecimento semântico singular produzido nas relações do sujeito com signos que circulam nos contextos onde se insere, serve como recurso analítico para a superação de cisões e dualismos interno- externo, social-individual, cognição-emoção, mente-corpo [...] bem como para afirmar que a formação social do ser humano é marcada por constantes transformações qualitativas e por processos de criação.

A partir dessas conceituações, acreditamos que o processo de construção de valores também passa por um processo de significação, uma vez que não são exatamente os valores “puros” que são internalizados pelos sujeitos, mas valores significados a partir das experiências singulares vividas por cada pessoa. Nesse processo intrapsíquico, o conteúdo simbólico que é internalizado a partir das interações sociais ganha um “sentido” pessoal atribuído pelo sujeito (BARROS et al., 2009). Assim, quando falamos de valores pessoais, na verdade estamos nos referindo à significação dada pelo sujeito aos valores socialmente compartilhados.

Há uma evidência de que há uma internalização dos valores pelos sujeitos, que pode ser constatada em uma pesquisa realizada sobre os valores de jovens de escolas públicas e privadas de São Paulo (LA TAILLE; HARKOT-DE-LA-TAILLE, 2006). A maioria dos jovens pesquisados admite que há influência dos pais, professores, amigos e da mídia sobre seus próprios valores. Os dados apresentados por essa pesquisa reforçam a noção de que os jovens têm consciência do fato que os valores são forjados nas relações sociais, o que é condição fundamental para a sua construção enquanto sujeitos.