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Parte I O ensino superior como política pública e o desenvolvimento socioeconómico

6. O ensino superior como expressão do capital humano e o desenvolvimento socioeconómico

6.2. Conceptualizando o ensino superior

Um dos primeiros desafios do setor educativo é conseguir que todos os indivíduos tenham acesso à educação de base e de qualidade e que a partir daí possam progredir nos níveis subsequentes de ensino, partindo-se da premissa de que a educação é um meio e condição essencial de formação e de desenvolvimento de todas as capacidades humanas, de integração social e de realização prática dos seres humanos ao longo da vida. É assim que a educação ganha maior relevância e sentido de utilidade quando se analisa estes aspetos no seu conjunto.

A ênfase na escolaridade básica obrigatória já muitas vezes colocada em grandes fóruns nacionais e internacionais33 tem toda a razão de ser, na medida em que não é possível o

desenvolvimento de competências cognitivas ao longo da vida e boas práticas sem a escolaridade básica. Os indivíduos devem, segundo Bruner (1977, p. 89), “. . . estar sempre à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos e de se adaptar a um mundo em mudança”. A educação de base constitui, assim, o ponto de partida a partir do qual o indivíduo deve progredir na educação, na cultura, na ciência, na sociedade, em suma, no conhecimento do mundo que o rodeia, tornando-se, deste modo, melhor cidadão, útil ao processo democrático.

Nesta lógica, o ensino superior34, seja universitário ou politécnico, constitui o nível em que, pelo ensino, pela pesquisa e inovação científica e tecnológica se consolidam e se constroem, conhecimentos, práticas e habilidades, isto é, competências mais adequadas a um mundo em constantes mutações políticas, económicas, sociais e culturais.

33 Destacam-se nesta perspetiva a Conferência Mundial sobre Educação para Todos promovida

conjuntamente pela Unesco e o Banco Mundial em Jomtien, Tailândia, em 1990, o Fórum Mundial sobre a educação realizado em Dakar, Senegal, em 2000, e a Cimeira do Milénio de Nova Iorque, no mesmo ano.

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Convém, entretanto, referir que o desenvolvimento dessas competências não tem apenas a ver com a resolução dos problemas do presente, mas sim, e antes de tudo, com a antecipação dos problemas do futuro, pois se o presente conta, conta ainda mais o futuro e sua antecipação. Este é papel do ensino superior.

O ensino superior, a universidade sobretudo, torna-se assim espaço de dinamização, de produção e de valorização de conhecimentos úteis ao processo de construção das sociedades. Assim, referindo-se ao ensino superior, Porto e Régnier (2003, p. 6-7) sustentam que:

. . . A capacidade de produzir, interpretar, articular e disseminar conhecimentos e informações passa a ocupar espaço privilegiado na agenda estratégica dos sectores produtivos e dos Estados: a vantagem competitiva de um país em relação a outro começa a depender da capacitação de seus cidadãos, da qualidade dos conhecimentos que estes são capazes de produzir e transferir para os sistemas produtivos e da capacidade de aplicação/geração da ciência e tecnologia na produção de bens e serviços.

Com efeito, os desafios económicos da atualidade obrigam a que os países invistam cada vez mais nos seus recursos humanos, condição sine qua non para a garantia de crescimento económico. Esta perspetiva de Porto e Régnier é recorrente nas diversas abordagens dos defensores da teoria da relação entre a capacidade humana, o conhecimento e o crescimento económico. Destacam-se, entre outros, Becker (1964 e 1994), Oketch (2006), Schultz (1964) e Sérgio (2001). O jogo económico e a necessidade de elevação do nível de competitividade no mercado internacional compelem, obrigatoriamente, os países a centrar a atenção na melhoria de desempenho do cidadão através da sua permanente capacitação e do aumento do seu conhecimento.

Porto e Régnier (2003, p. 8) acrescentam ainda que:

. . . o acesso crescente e contínuo da população aos graus mais elevados de ensino torna-se uma medida tanto do potencial económico (pela possibilidade de diferenciação competitiva) quanto de valoração/mensuração da meritocracia e da democracia por uma nação. A educação agrega valor aos sistemas produtivos ao mesmo tempo em que se torna um valor superlativo de humanidade e do grau de civilidade e de desenvolvimento de um país.

O processo de mundialização da economia e de mudanças sociais, políticos e culturais à escala universal é muito exigente em matéria formação dos cidadãos ao mais alto nível e este é papel das instituições de ensino superior e de investigação. A este respeito, no texto

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introdutório ao Encontro em Praia35, Cabo Verde, organizado pela Unesco, designado

International Expert’s Meeting on Higher Education in Small Island States (1994, pp. 1-2) lê-

se que:

Higher Education is often considered as making a major contribution to development. The advancement of science and technology and knowledge through research and dissemination, the training of an intellectual and professional elite, the consolidation of national culture and democracy are some of functions devoted to higher education in most societies[…] Meeting the manpower needs of the economy is often become differentiated and specialized and therefore require new skills.

Na verdade, o avanço explosivo do conhecimento científico e tecnológico, associado ao sistema de produção de bens e de serviços, exige um sistema de ensino mais dinâmico e adequado à formação e capacitação ao mais alto nível dos recursos humanos, produzindo o capital humano necessário ao mercado de trabalho.

Note-se que nenhum outro nível de ensino é suficientemente capaz de proporcionar uma aprendizagem contínua e avançada num mundo de tão rápidas mudanças. Registe-se ainda que a própria qualidade dos profissionais dos níveis inferiores de ensino, depende, em larga medida, do caráter, do nível e da qualidade da educação desenvolvida no ensino superior, isto é, das competências cognitivas adquiridas, dos saberes e dos conhecimentos, das práticas e experiências desenvolvidas neste nível de ensino.

Estando no centro de atenção a produção e disseminação do conhecimento, o ensino superior é o que o faz melhor. A este respeito, Sérgio (2001, p.103) diz o seguinte:

O ser humano é um ser físico, psicológico e socialmente práxico, possuidor de motricidade e

poiesis . . . Mas, como ser dotado de motricidade, a informação enraíza-se progressivamente na physis do homem e na sociedade toda. A informação chega de forma desordenada e é ordenada

pelo conhecimento. No âmbito do conhecimento, a evolução não cessa, porque a complexidade humana não cessa, também, de historicamente evoluir, dentro do itinerário seguinte: ordem- desordem-organização.

35 Neste Encontro a Unesco defendeu que independentemente da sua dimensão territorial os países

insulares de pequena dimensão devem ser encorajados a desenvolver instituições de ensino superior como substrato essencial do seu desenvolvimento económico, social, cultural e demográfico, ou seja, o ensino superior como uma necessidade social.

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O autor parece resumir sucintamente a problemática do conhecimento e da sua evolução ao assumi-lo como um contínuo e rotineiro processo de construção-desconstrução-construção, sempre numa lógica evolutiva. É nesta perspetiva que deve ser analisado o papel do ensino superior como instrumento de promoção de mudanças sociais e, consequentemente, da civilização.

Ao ensino superior estão cometidas, entre outras, as tarefas de estimular e aperfeiçoar permanentemente o conhecimento, de criação cultural e do desenvolvimento do espírito reflexivo, de incentivar a pesquisa, de formar cidadãos aptos para se inserirem no mercado de trabalho e de promover a extensão, permitindo assim a sua relação aberta com a sociedade.