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Parte I O ensino superior como política pública e o desenvolvimento socioeconómico

7. O capital humano e o crescimento económico

Comecemos por definir capital humano como o conjunto constituído pelas pessoas e por todo o acervo de conhecimentos acumulados, individual e coletivamente, experiências, comportamentos e modo de trabalho, caraterísticas nelas incorporadas pela educação e formação, ou seja, as pessoas e as suas competências, capazes de gerar o crescimento económico e social. Por outras palavras, recursos humanos, dotados de capacidade para

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proporcionar valor acrescentado à economia e à sociedade, ao bem-estar e à felicidade das nações.

Tentando entender os mecanismos que determinam o processo de crescimento socioeconómico e as diferenças de desenvolvimento entre os países e regiões do mundo, Solow (1956), considerou o capital e o trabalho como fatores determinantes. Na década seguinte, autores como Schultz (1964) e Becker (1964)37, destacando o papel da educação, argumentam que, para além daqueles fatores há que considerar, nos modelos de crescimento económico, o capital humano sendo que nele reside a explicação para o facto de se registar crescimento e desenvolvimento desigual em diferentes espaços geográficos, à escala mundial. Nos países ou regiões onde o capital humano é tido como importante instrumento ao serviço do crescimento e do desenvolvimento económico, verificaram-se maiores níveis de desenvolvimento.

Para Becker (2002, p.3) “Human capital refers to the knowledge, information, skills,

and health of individuals”. Refere ainda que “This is the “age of human capital” in the sense that human capital is by far the most important form of capital in modern societies. The economic success of individuals, and also of whole economies, depends on how extensively people invest in themselves”38. Na atualidade é cada vez mais relevante o papel da educação e

do investimento na formação do capital humano visando o desenvolvimento. A esse respeito, Oketch (2006, p.554) regista que “A vital link between investment in human capital and

economic development not only exists in the micro data, but also in cross country growth equations, if the indirect effects of education on growth are taken into account”.

Sendo cruciais os investimentos na educação, Oketch (2006, p. 555) observa ainda que

“. . . Rich nations invest heavily in education because they have the resources to do so and poorer countries struggle to invest in human resource development in order to catch up”, o que

37 Estes autores são considerados dos mais proeminentes entre os teóricos da teoria de capital humano. 38 Becker (2002, p. 3) destaca ainda que estudos relativos aos Estados Unidos da América (EUA) sugerem

que mais de 70% do capital investido naquele país é em homens e mulheres e que apesar de “Technology may be

the driver of a modern economy, especially of its high-tech sector, but human capital is certainly the fuel”. Note-

se que se o capital humano é pré-condição para o desenvolvimento económico, é importante ainda o papel do capital físico (infraestruturas, máquinas, fábricas, tecnologias e outros meios de produção) no processo de crescimento económico dos países. Becker (2002, p. 5) indica, por outro lado, que as diferenças salariais entre indivíduos possuidores do nível de instrução universitária e secundária “. . . Increased from 40 percent in 1977 to

60 in the 1990s. The gap between high school graduates and persons with at least a college education grew even faster, from 50 percent in the late 1960s to about 75 percent in recent years”.

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sugere dizer que tanto os países ricos como os pobres têm uma clara visão da necessidade de investimento nos seus recursos humanos, embora para estes últimos existam constrangimentos que o dificulte.

Reportando à realidade americana, Becker (2002, p. 5) relaciona o nível de educação dos indivíduos e os níveis salariais, afirmando que “In the Unites States during the most of the

past years, college graduates earned on average about 50 percent more than high school graduates, and the later earned about 30 percent more than high school dropouts”. Some-se

que na opinião do Becker (2002) o sucesso da economia global depende, em grande medida, de investimento nos recursos humanos.

Registe-se ainda que para Becker (2002, p. 5) “. . . investments in human capital are

necessary in poorer nations if they are to have a chance of growing out of poverty”. As posições

de Becher e Oketch são coincidentes no que toca à relação entre a educação e o desempenho socioeconómico dos países. A esse respeito, Becker (2002, p.5) refere que “. . . Studies of the

economic growth of different nations show a close relation during the several decades between economic performance and schooling, life expectancy, and other human capital measures”. O

mesmo autor (2002) enfatiza o papel da internet e do ensino a distância na formação e atualização de indivíduos, que pelo seu nível de ocupação não podem frequentar o ensino presencial.

Importa ainda referir que Becker (1994, pp.17-18) afirmando, uma vez mais, a importância da educação e da formação como relevantes investimentos no capital humano, assinala “That human capital investments tend to respond rationally to benefits and costs is

clearly indicated by changes in the education of women”. Contrariando as tendências anteriores

a década de 1960, ele lembra que a educação e a formação das mulheres têm tido um impacto significativo, tanto no que diz respeito à promoção pessoal como das respetivas sociedades, em países como os EUA, a Grã-Bretanha, a França, a Escandinávia e o Japão entre os mais avançados.

Do que foi dito conclui-se que o investimento na formação do capital humano é crucial para alavancar a economia dos países e que, relativamente aos países menos desenvolvidos, a necessidade de melhorar a educação e a formação dos seus cidadãos, incluindo a educação das mulheres, é condição sine qua non para o crescimento socioeconómico.

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À luz da teoria do capital humano, não é possível alavancar e sustentar a economia dos países sem o investimento nas pessoas através da educação e da formação, pois estas tornam os recursos humanos mais produtivos, ou seja, fazem progredir a economia. Mas a educação e a formação devem ser inclusivas e de qualidade. Inclusivas para envolver todos os cidadãos e de qualidade para assegurar que as competências exigidas sejam adquiridas e os objetivos pretendidos com a educação e com a formação dos cidadãos sejam alcançados. A qualidade é fundamental para adequar a população aos desafios do aumento da produção e da produtividade, através de processos de aperfeiçoamento e atualização permanentes dos seus conhecimentos. Para melhor compreender as dinâmicas económicas e antecipar o futuro, as populações devem estar cada vez mais informadas e atualizadas, isto é, o capital humano como valor económico e social deve estar incessantemente à altura dos desafios de crescimento económico, sob pena de estar sujeito, como outras formas de capital, a depreciação.

Tentando entender os principais fatores e mecanismos que determinam o crescimento económico e a relação entre a educação, o capital humano e o crescimento económico Viana e Lima39 (2010, pp. 138-139) argumentam:

A educação, determinada pelo nível de qualificação da população, surge como alternativa para a redução das disparidades económicas e ao fortalecimento das economias regionais, influenciando ganhos à população, elevando a produtividade do capital humano e também o nível de produtividade do capital físico. Isso se deve à aplicação de novas técnicas e novas ferramentas de gestão, fazendo com que esse tipo de investimento diminua os custos de produção, possibilite retornos crescentes no processo produtivo e estimule cadavez mais o crescimento da economia . . . A conceção dos fatores que determinam o crescimento económico está enraizada nos estudos clássicos da economia, os quais justificam que os fatores de produção como terra (terras cultiváveis, urbanas e recursos naturais) capital (edificações, máquinas e equipamentos) e trabalho (faculdades físicas e intelectuais dos seres humanos) são os elementos básicos para a produção de bens e serviços, gerando riquezas e influenciando o desempenho económico.

39 Viana e Lima (2010, p. 138) referem que “. . . o capital humano, dimensionado pelo nível de educação

e conhecimento da população passa a ser uma variável importante no conceito e nos modelos de crescimento económico, pois o aumento da produtividade da população está relacionado não somente à acumulação de capital físico, mas também de capital humano, que serviria de suporte para minimizar os rendimentos decrescentes advindos do capital físico”.

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Sem dúvida, da educação e da sua qualidade depende o carácter do capital humano e essa correlação tem muito a ver com a aquisição de novos conhecimentos e novas qualificações profissionais e sua aplicação no processo produtivo. Por isso, a análise do processo de crescimento económico deve passar necessariamente pela inclusão do capital humano nos modelos de desenvolvimento económico. A este respeito Viana e Lima (2010, p. 139) referem:

. . . O nível de capital humano de uma população influencia o sistema económico de diversas formas, com o aumento da produtividade, dos lucros, do fornecimento de maiores conhecimentos e habilidades, e também por resolver problemas e superar dificuldades regionais, contribuindo com a sociedade de forma individual e coletiva.

Quando analisamos as diferenças nos níveis de crescimento económico e de desenvolvimento dos países do Norte e do Sul damos conta que as diferenças da qualidade da oferta educativa, quer dizer, na formação do capital humano, acabariam por ter uma forte influência nas disparidades e nas assimetrias entre esses países. Com efeito, a escolarização das populações, seu nível, a quantidade e a qualidade de oferta, constituem um dos fatores determinantes do crescimento económico. Corroborando esta ideia, Becker (1994, p. 24) diz o seguinte:

Presumably, the answer lies in the expansion of scientific and technical knowledge that raises the productivity of labor and other inputs in production. The systematic application of scientific knowledge to production of goods has greatly increased the value of education, technical schooling, and on-the-job training as the growth of knowledge has become embodied in people— in scientists, scholars, technicians, managers, and other contributors to output. It is clear that all countries which have managed persistent growth in income have also had large increases in the education and training of their labor forces. First, elementary school education becomes universal, then high school education spreads rapidly, and finally children from middle income and poorer families begin going to college.

Estudos clássicos da economia demonstram que fatores de produção como a terra, os recursos naturais, as máquinas e os equipamentos, isto é, o capital físico são essenciais para o processo produtivo. Entretanto, sem uma força de trabalho (capital humano) competente não é possível atingir o desejado crescimento. Hamermesh e Rees (1993) ao definirem o capital humano consideram-no como o acervo de caraterísticas individuais tais como conhecimentos, experiências, perícias, atitudes, aprendizagem, que habilitam o recurso humano para influenciar positivamente o processo produtivo e, portanto, o crescimento económico.

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Deste modo, a escola e a formação constituem importantes fontes de investimento nos recursos humanos, transformando-os em capital humano. A educação e a formação dotam as pessoas de mais conhecimentos, experiências e perícias, tornando-as mais produtivas, aumentam os seus salários, melhoram a sua qualidade de vida e influenciam positivamente o processo económico e social. Dito de outra forma, a qualificação da população por meio da educação e da formação aumenta a qualidade do seu desempenho profissional e económico.

Um bom exemplo da relevância e da aposta no capital humano são os chamados tigres asiáticos. A respeito do capital humano como fator de crescimento nesta região do mundo, Becker40 (1994, p.24) salienta:

The outstanding economic records of Japan, Taiwan, and other Asian economies in recent decades dramatically illustrate the importance of human capital to growth. Lacking natural resources—e.g., they import practically all their sources of energy—and facing discrimination from the West, these so-called Asian tigers grew rapidly by relying on a well-trained, educated, hard-working, and conscientious labor force.

Este exemplo reflete bem a ideia de que é crucial a inclusão do capital humano nos modelos de desenvolvimento económico dos países, contrariamente ao que se pensava no passado em que a dinâmica económica era vista em torno da aplicação do capital natural, a terra e recursos naturais, e o capital construído, ou seja, as infraestruturas e os equipamentos. Até porque as próprias sinergias e interações geradas entre o capital humano em si e as outras formas de capital constituem fator de promoção de riqueza económica dos países ou, se quisermos, das diferentes unidades produtivas, sejam elas empresas, serviços, centros de pesquisa ou outros. É assim que se compreende que quanto maior for o acervo do capital humano dos países, mais sólida e estável é, a longo prazo, a sustentabilidade de seu crescimento económico e social41.

40 Becker (2002) diz ainda que o sucesso da economia à escala mundial só pode ser possível com fortes

investimentos no capital humano e que estudos sobre o crescimento económico de diferentes países nas últimas décadas demonstraram a estreita relação entre o desempenho económico dos países e o nível de escolaridade destes. Reconhecendo a importância das tecnologias (capital físico) no processo produtivo, ele considera que apesar disso elas são insuficientes para o crescimento económico sem o capital humano, a mais importante forma de capital.

41 Note-se, porém, que o capital humano não contribui apenas para o crescimento económico e social.

O próprio progresso científico e tecnológico e cultural das nações depende, em larga medida, da qualidade de seu capital humano. Registe-se ainda que, estando sujeito à depreciação pela inadequação às mudanças operadas na sociedade, pela velhice, pela doença e não só, o capital humano, individual e coletivamente, deve

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Para alguns autores, críticos da teoria do capital humano, por exemplo, Sen (1999), Crawford (1994) e as correntes marxistas, o nível de inteligência dos trabalhadores mais do que a educação tem influência no seu desempenho profissional e argumentam que esta forma de capital traduz um mecanismo de exploração do trabalhador ao serviço do capitalismo. Advogam ainda que a educação nem sempre contribui para a redução das desigualdades pelo seu carácter seletivo, nem sempre inclusivo, e que com alguma frequência pessoas com o mesmo nível escolar são discriminadas por receberem salários diferenciados, entre outros argumentos.

Existe, porém, entre a maioria dos autores um amplo consenso sobre a relevância do capital humano no processo de crescimento económico e de desenvolvimento como acabamos de analisar.

8. O ensino superior em pequenos Estados Insulares em desenvolvimento: as