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Parte I O ensino superior como política pública e o desenvolvimento socioeconómico

8. O ensino superior em pequenos Estados Insulares em desenvolvimento: as perspetivas da

8.4. Organizações internacionais e o ensino superior

8.4.1. Perspetiva da UNESCO

Em 1994, a UNESCO promoveu, na Praia, Cabo Verde, um importante Encontro que reuniu peritos de pequenos Estados insulares para debater a problemática do ensino superior neste universo de Estados. O Encontro Internacional de Peritos de Educação Superior em

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Pequenos Estados Insulares47, como assim de designou, teve por objetivo debater questões atinentes ao ensino superior, neste grupo de países e definir estratégias de seu desenvolvimento.

Note-se que previamente ao encontro, a UNESCO (1993) tinha-se engajado numa profunda reflexão mundial sobre o papel, as principais tendências e os desafios da educação superior no mundo, como parte de um amplo processo cujo objetivo era reforçar o seu lugar e função à luz de profundas transformações políticas, sociais, económicas e culturais mundiais e dos desafios dos finais do século XX-princípios do XXI. Já em Jomtien, em 1990, na Indonésia, a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos, uma iniciativa conjunta da UNESCO, do Banco Mundial, da UNICEF e do PNUD havia examinado o papel da educação de base e a literacia no esforço nacional de desenvolvimento. No que toca ao ensino superior, a conclusão geral a que chegara aquela Conferência era de que sem um bom sistema de formação do capital humano e de pesquisa ao mais alto nível, os países não seriam capazes de assegurar os níveis de progresso que as sociedades esperam.

No Relatório Final do Encontro (UNESCO, 1994) foram identificados fatores que afetam a provisão do ensino superior nos pequenos Estados insulares, entre os quais se destacam: limitadas oportunidades endógenas do ensino superior para dar resposta às necessidades da sociedade, a dimensão da população, da mão-de-obra e o alto custo de provisão desse nível de ensino, número elevado de estudantes que prosseguem estudos superiores no estrangeiro pela falta de oportunidades locais entre outros. Entretanto, refere ainda o Relatório (1994, pp. 4-5) que a experiência adquirida por estes Estados, permitiu a identificação da seguinte missão do ensino superior:

- To generate endogenous capacities for higher level training, research and development;

- To acquires, adapt and disseminate scientific and technological Knowledge to suit national needs;

- To meet the manpower needs of the economy for higher qualified professionals;

- To maintain national culture and consolidate cultural identity;

- And, increasingly, to provide technical assistance to the private and public sectors.

O cumprimento desse desiderato deve passar pelo engajamento dos governos no sentido de se viabilizar o financiamento do ensino superior, o acesso, a adequação curricular e às

47 Em inglês “International Experts Meeting in Higher Education in Small Island States. O encontro

realizou-se entre 12 e 17 de março de 1994, na Cidade da Praia, Cabo Verde, e contou com a participação de peritos do ensino superior do continente africanos, da região do Pacifico Sul, do Oceano Índico e das Caraíbas, inclusive de países como Guiné Bissau, Moçambique e de Portugal.

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necessidades de emprego, entre outras. Destaque-se ainda o lugar que deve desempenhar a cooperação interna e internacional48 para a promoção do ensino superior. No que diz respeito à cooperação internacional, importa referir que o Encontro da Praia serviu para se debater e concluir que uma das suas vantagens é a capitalização da cooperação regional na provisão do ensino superior, particularmente através de serviços universitários regionais que assistam, em simultâneo, vários países de uma dada região, como é o caso dos países da região das Caraíbas. O ensino a distância foi apontado como importante instrumento de promoção da educação superior nos pequenos Estados insulares e aqui a cooperação científica, pedagógica e tecnológica pode ser relevante.

Sumariamente, os participantes do Encontro concluíram que o ensino superior é um investimento estratégico, crítico para o desenvolvimento sustentável dos pequenos países insulares, podendo contribuir para reduzir a dependência científica e técnica do exterior. A cooperação regional e internacional foi destacada enquanto meio de promoção do ensino superior, sendo fundamental o papel dos governos na definição de políticas públicas visando a promoção do ensino superior e da pesquisa.

As principais recomendações do Encontro podem ser traduzidas no seguinte:

- Estabelecer, estender e consolidar os sistemas e instituições de ensino superior;

- Promover programas de ensino, o acesso, a planificação e a gestão do ensino superior;

- Encorajar o diálogo entre a educação e outros sectores, incluindo o privado, visando o financiamento de acesso às camadas mais desprotegidas da população;

- Encorajar a participação dos doadores internacionais, visando o cofinanciamento do ensino superior;

48 Tendo em conta que as pequenas ilhas são, de um modo geral, economicamente pobres, defendeu-

se, no Encontro, a ideia da cooperação interna (uma vez que a provisão do ensino superior não deve ser uma tarefa exclusiva do Estado) entre as forças políticas, económicas, religiosas e outras, bem como a cooperação internacional. Não deve ser negligenciado o papel das ONGs e das instituições religiosas. A cooperação internacional ocupou um espaço de destaque nas discussões, pois que vencer o desafio do desenvolvimento do ensino superior em pequenos Estados insulares só é possível com apoio internacional. Tanto no que diz respeito a questões de ordem económica, científica e tecnológica, como a questões de acreditação, validação e reconhecimento internacional dos programas curricula, graus académicos, certificados e diplomas essa cooperação é de grande valia.

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- Apostar em experiências regionais de universidades multinacionais como as das Caraíbas, do Oceano Índico e outras.

Em Outubro de 1998, a UNESCO realizou, em Paris, uma Conferência Mundial sobre Educação Superior no final da qual se produziu a Declaração Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação – 1998. Esta Conferência (UNESCO, 1998) reconheceu que o ensino superior debate-se com dificuldades e desafios, sejam eles de natureza financeira, de igualdade e de condições de acesso, de desenvolvimento e da manutenção da qualidade ou de acesso equitativo aos benefícios da cooperação internacional, entre outros desafios. Reconheceu ainda a relevância das tecnologias na produção e na disseminação do conhecimento.

Por outro lado, registou-se a disparidade cada vez mais crescente no que tange ao acesso e aos recursos materiais, financeiros e humanos entre os países mais industrializados e os menos desenvolvidos. Importa referir que advogando a tese de que a educação superior deve ser acessível a todos com base no mérito individual49, na Declaração (UNESCO, 1998) ficou

expressa a ideia de que ela deve servir de meio de promoção de mudanças para ir de encontro às necessidades sociais, de promoção da solidariedade e da igualdade, do desenvolvimento dos valores da paz, da tolerância entre outros valores. Acresce, no Preambulo da Declaração, a ideia que “. . . a cooperação e o intercâmbio são os caminhos principais para promover o avanço da educação superior em todo o mundo”.

É importante realçar a visão da Unesco a propósito da relevância da educação superior. Para este organismo internacional50 essa pertinência deve ser analisada na relação entre as expetativas da sociedade e as realizações concretas deste nível de ensino, ou seja, a sua importância deve ser vista em termos do reforço da luta pela eliminação da pobreza, da intolerância, da violência, do analfabetismo, da fome, da deterioração do meio-ambiente e das enfermidades. Quer dizer, a mesma deve estar relacionada com o papel real que deve

49 À semelhança do artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, 1948,

no artigo 4º da Convenção contra a Discriminação em Educação, 1960, afirma-se a ideia de que é obrigação dos Estados membros desta organização “tornar a educação superior igualmente acessível a todos segundo sua capacidade individual”. À luz deste pressuposto, não será possível aceitar quaisquer tipos de discriminação assente na raça, sexo, língua, religião ou condição económica e social dos indivíduos nem tão pouco incapacidades físicas.

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desempenhar a educação superior na luta pelo desenvolvimento e bem-estar das sociedades e, portanto, dos cidadãos.

A Declaração (UNESCO, 1998) expõe a missão da educação superior: educar, formar e realizar pesquisas, contribuindo assim “. . . para o desenvolvimento sustentável e o melhoramento da sociedade como um todo”. A Conferência sublinhou de forma evidente a preponderância do Estado no financiamento do ensino superior, demonstrando-se assim a tese da responsabilidade social do Estado, sem descurar, porém, o papel do setor privado na sua provisão.

Esta tese é retomada na Conferência Mundial sobre o Ensino Superior realizada pela UNESCO51, em 2009, em Paris, subordinada ao tema “As Novas Dinâmicas do Ensino Superior e Pesquisas para a Mudança e o Desenvolvimento Social”. Reconhecendo o contributo do ensino superior para a erradicação da pobreza, para o desenvolvimento sustentável e para o progresso, no Comunicado final da Conferência (UNESCO, 2009) na introdução diz-se que “Nunca na história foi tão importante investir na educação superior como força maior na construção de uma sociedade inclusiva e de conhecimento diversificado, além de avançar em pesquisa, inovação e criatividade”.

Mais adiante, no capítulo do Comunicado intitulado “Responsabilidade Social da Educação Superior” (2009, p. 2) esta é considerada como um bem público, sendo que a sua provisão “. . . é responsabilidade de todos os investidores, especialmente dos governantes . . . A educação superior leva a sociedade a gerar conhecimento global para atingir os desafios mundiais, com relação a segurança alimentar, mudanças climáticas, uso consciente da água, diálogo intelectual, fontes de energia renovável e saúde pública”. Ainda no âmbito dessa responsabilidade social, a educação superior, defende-se no Comunicado (2009,p. 2) deve estar a altura de responder aos desafios do presente e do futuro, isto é, “ A educação superior não deve apenas fornecer práticas sólidas para o mundo presente e futuro, mas deve também contribuir para a educação de cidadãos éticos, comprometidos com a construção da paz, com a defesa dos direitos humanos e com os valores de democracia”.

51 A Conferência (UNESCO, 2009) realizou-se de 5 a 8 de Junho, em Paris e dela se produziu, no dia 8 do

mesmo mês, um Comunicado. Esta Conferência surgiu na sequência dos resultados da Declaração da Conferência Mundial de Ensino Superior de 1998, já referida, tendo ainda em conta os resultados e as recomendações das seis conferências regionais (Cartagena das Índias, Macau, Dakar, Nova Deli, Bucareste e Cairo).

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Uma das linhas de força do Comunicado (UNESCO, 2009) tem a ver com questões de acesso, igualdade e qualidade. Defendendo-se que o aumento de acesso tornou-se uma prioridade para a maioria dos Estados Membros, inclusive de pequenos Estados insulares, “. . . o ensino superior deve buscar as metas de igualdade, relevância e qualidade, simultaneamente”. O recurso ao ensino a distância e as TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) é visto como meio de atingir esses três objetivos – acesso, igualdade e qualidade. Entretanto, deve sempre haver o cuidado de articular políticas de expansão do acesso às políticas de qualidade, na medida em que, segundo aquele Comunicado, os “Critérios de qualidade devem refletir todos os objetivos da educação superior, notavelmente o propósito de cultivar o pensamento crítico e independente nos estudantes e a capacidade de aprender por toda a vida”.

Um outro aspeto do Comunicado (UNESCO, 2009) tem a ver com a internacionalização, regionalização e globalização, onde se realça a cooperação internacional, as parcerias para o ensino e a pesquisa e o intercâmbio de estudantes, promovendo assim a transferência do conhecimento, o diálogo intercultural, a cultura da paz, o respeito mútuo entre outros aspetos.

O Comunicado (UNESCO, 2009) não é omisso em relação à educação superior em África, considerando esse nível de ensino como “. . . uma ferramenta importante para o desenvolvimento do continente”52. Destaca-se no documento que os países com maiores níveis

de desenvolvimento do ensino superior devem cooperar com aqueles com níveis inferiores, fazendo “. . . da educação superior africana um instrumento de integração regional”.

Paralelemente ao convite a ação dos Estados Membros, no sentido de manter e melhorar o investimento no ensino superior para a melhoria da qualidade e da igualdade, o desenvolvimento da pesquisa, o fortalecimento dos sistemas de certificação de qualidade e estruturas regulatórias, a melhoria do acesso, a participação e o sucesso das mulheres no ensino superior e o fortalecimento dos países menos desenvolvidos e os pequenos Estados insulares, o desenvolvimento de mecanismos para contrapor o impacto negativo da fuga de cérebros, a UNESCO assumiu-se como instituição promotora do ensino superior, comprometendo-se em

52 Reportando a Conferência Regional Preparatória para a África, realizada em Dakar, em Novembro de

2008, registou-se um número crescente de acesso ao ensino superior no continente desde a Conferência Mundial de Ensino Superior 1998, o que “. . .] pode favorecer uma trajetória na luta contra o subdesenvolvimento e pobreza na África . . . A educação superior na África deve estimular uma boa governança baseada nos princípios de uma boa gestão financeira e grande responsabilidade”, lê-se no Comunicado (UNESCO, 2009).

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apoiar financeiramente políticas afins, bem como em ajudar na formulação de estratégias sustentáveis de desenvolvimento desse nível de ensino e em ajudar o governo e as instituições a lidar com matérias atinentes à educação superior.