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Parte III – Estudo exploratório sobre os efeitos do ensino superior no desenvolvimento de São

1.1. Modelo de análise

A realidade das últimas décadas demonstrou que as políticas públicas do ensino superior têm contribuído para inverter paulatinamente129 o subdesenvolvimento do país pelos investimentos em infra-estruturas, no capital humano e na melhoria de condições pedagógicas e científicas de oferta educativa. Para melhor compreendermos esta problemática, propusemo- nos estudar os efeitos socioeconómicos percecionados das políticas públicas do ensino superior em São Tomé e Príncipe. Como opção metodológica de fundo, assumimos este estudo como sendo de caso.

Em rigor não se trata, como seria de esperar numa abordagem mais convencional de análise de políticas públicas, de avaliar os “impactos” do ensino superior, mas apenas de avaliar os seus “efeitos”. E, mesmo assim, de os avaliar não a partir de uma perspetiva “objetivista”, mas antes “subjetivista”, ou seja, interessa-nos estudar os efeitos do ensino superior tal como são percecionados por um conjunto de agentes a este respeito significativos. Antes de esclarecermos o que entendemos por “efeitos percecionados” importa esclarecer o sentido da noção de “efeito” em análise de políticas públicas.

De origem latina, effectus, efeito significa o resultado de uma ação, ou seja, aquilo que se obtém em consequência de algo, podendo ser tanto positivo como negativo. Portanto, em análise de políticas públicas efeitos referem-se às consequências ou resultados alcançados com determinadas políticas, adotadas para a consecução de objetivos públicos concretos. Quanto aos efeitos percecionados, trata-se, neste caso, dos efeitos das políticas públicas de ensino superior tal como são apropriados subjetivamente pelos sujeitos, decorrendo desta apropriação um conjunto de representações, opiniões e atitudes, cujo sentido global pode ser captado pela pesquisa.

129 Embora não existam dados estatísticos que apontem para o número de técnicos superiores

existentes aquando da independência, esse número era bastante reduzido. A título de exemplo, podia-se contar pelos dedos o número de médicos ou de engenheiros formados até 1975. A realidade hoje é totalmente diferente.

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Knoepfel et al (2006), por exemplo, referem cinco critérios considerados geralmente como importantes na avaliação dos efeitos de uma política pública: eficiência, eficácia, eficiência alocativa, pertinência e eficiência produtiva. Estes autores sustentam (2006, p. 247) que:

Si les politiques publiques sont définies comme un ensemble de décisions et d’actions concertées, prises dans le but de résoudre un problème collectif, alors l’intérêt premier de l’analyste porte sur la question de savoir si les objectifs d’une politique publique peuvent effectivement être atteints avec les mesures et les ressources engagés lors de mise en œuvre.

Segundo estes autores na análise do critério de eficiência procura-se saber se os efeitos são induzidos como previsto (os planos de ação e os outputs produzidos); a eficácia tem a ver com os efeitos práticos de uma determinada política pública, isto é, a relação entre os objetivos previamente definidos e os seus efeitos práticos relativamente ao destinatário dessa política pública. Quanto à eficiência alocativa trata-se de um critério que procura estabelecer a relação entre os recursos utilizados e os resultados mais positivos alcançados, ou seja, os custos e os benefícios de uma política pública; a pertinência tem, por sua vez, a ver com a análise da relação entre os objetivos preconizados, por um lado, e a natureza e a pressão sobre um problema público a ser resolvido, por outro; finalmente, o critério de eficiência produtiva compara os

outputs produzidos e os recursos investidos.

O nosso modelo de análise centrou-se nos seguintes tópicos de investigação:

a) Caraterização da situação de ensino superior antes da independência; b) Significado da formação superior para a vida pessoal e familiar;

c) Ações e decisões governativas de relevo no que toca ao ensino superior;

d) Avaliação dos efeitos das políticas públicas de ensino superior no país em geral; e) Avaliação dos efeitos das políticas públicas de ensino superior nos distritos, em

particular;

f) Avaliação dos efeitos das políticas públicas nas empresas e serviços; g) Avaliação dos efeitos na economia e na sociedade;

h) Nível de satisfação com as políticas públicas de ensino superior; i) Opções de políticas de ensino superior e prioridades de formação; j) Projeção de ensino superior no futuro.

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Portanto, o objetivo central do nosso estudo é a análise percecionada dos efeitos socioeconómicos percecionados das políticas públicas do ensino superior em São Tomé e Príncipe entre 1990 e 2015, a partir destes indicadores.

A opção por esse limite temporal tem a ver com o facto de neste período se terem registado políticas públicas de maior relevância do ponto de vista do nosso estudo, isto é, aquelas que se relacionam com medidas substantivas de política pública que visaram a implementação do ensino superior no país. No entanto, também incluímos na nossa análise aspetos relativos à formação de quadros no estrangeiro, tanto na Primeira como na Segunda República. Importa sublinhar que não deixam de ser essenciais as medidas de política adotadas entre 1975, ano em o país ascendeu à independência, e 1990 apesar de as mesmas terem mais a ver com a gestão das remessas de bolsas de estudo oferecidas por países amigos e a tentativa de sua adequação às necessidades do país.

Especificamente, procurámos desenvolver este estudo com base nos seguintes objetivos:

1. Identificar as principais medidas de política, adotadas pelos diversos governos da Segunda República130 para o ensino superior;

2. Avaliar os efeitos percecionados das políticas públicas do ensino superior no reforço do capital humano e no desenvolvimento socioeconómico de São Tomé e Príncipe.

Tratando-se de um estudo de caso, os efeitos percecionados do ensino superior em São Tomé e Príncipe, a curto, médio e longo prazos, foram verificados, quer através da caraterização da evolução histórica de políticas públicas de ensino superior, quer através do estudo das perceções de um conjunto de sujeitos relevantes para o efeito.

Na verdade, um dos graves problemas que o país e os investigadores enfrentam no campo da investigação científica é a carência de dados documentais e, acima de tudo, estatísticos.

Daqui resulta que tenhamos optado por uma abordagem metodológica qualitativa que se consubstancia na evolução de processos históricos, na identificação e narrativa de factos

130 Diz respeito ao período correspondente à implementação do regime democrático, isto é, a partir de

1990. A Primeira República teve seu início em 1975 com a independência nacional e correspondeu ao regime de partido único do tipo comunista.

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políticos, económicos e financeiros relevantes do ponto de vista do ensino superior, socorrendo- nos de técnicas como análise documental e entrevistas semi-estruturadas, grupos focalizados e a análise biográfica para aferirmos os efeitos do ensino superior no período em referência, aplicadas a uma amostra, obtida a partir de critérios de conveniência.

Relativamente à abordagem qualitativa importa dizer que ela vem ganhando terreno no domínio das ciências sociais e a respeito desta abordagem, Flick (2013, p. 11) argumenta que:

. . . Antes de mais, a investigação qualitativa trabalha sobres textos. Os métodos de coleta da informação – entrevistas ou observações – produzem dados que são transformados em textos, por meio da sua transcrição e registo . . . O processo de investigação qualitativa pode ser muito sumariamente representado como um caminhar da teoria para o texto e deste de novo para a teoria.

Flick (2013) refere ainda que esse tipo de investigação incorpora duas qualidades de dados: verbais (recolhidos através de entrevistas semi-estruturadas ou narrativas e dados visuais, ou seja, observações sejam elas etnográficas, filmes, entre outros. Na nossa análise e avaliação optamos pela primeira qualidade.

Partilhamos as ideias de Flick (2013, p.11) quando diz que “O processo de investigação qualitativa pode ser muito sumariamente representado como um caminhar da teoria para o texto e deste de novo para a teoria”, destacando a relevância das entrevistas semi-estruturadas. Por exemplo, Turado (2005) sublinha a importância desses métodos porque permitem estudar não apenas os fenómenos em si mas, mas acima de tudo, o seu reflexo na vida socioeconómica do país e, portanto, na vida das pessoas. Por seu lado, Neves (1996, p. 1) enfatiza a relevância da relação direta, interativa, entre o pesquisador, os sujeitos observados e o objeto, argumentando que “Nas pesquisas qualitativas, é frequente que o pesquisador procure entender os fenómenos, segundo a perspetiva dos participantes da situação estudada e, a partir daí, situe sua interpretação dos fenómenos estudado”.

Outro aspeto defendido por Neves (1996) é que os métodos qualitativos e quantitativos não se excluem, são complementares e a incorporação de alguns elementos quantitativos no nosso estudo é prova da complementaridade desses métodos. Ainda a propósito do papel do pesquisador na investigação qualitativa Neves (1996) corrobora a ideia de Turado (2005) no que se refere ao papel do pesquisador. Flick (2013) também partilha este princípio.

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Segundo Turado (2005, p. 509) os métodos qualitativos têm pouco mais de um século de história comparativamente aos quantitativos e os mesmos são muito aplicados no campo da saúde. Diz o autor que “No contexto da metodologia qualitativa aplicada à saúde, emprega-se a conceção trazida das Ciências Humanas, segundo as quais não se busca estudar o fenómeno em si, mas entender seu significado individual ou coletivo para a vida das pessoas”131. Assim,

no nosso caso, em particular, ao estudarmos os efeitos das políticas do ensino superior na vida pessoal e socioeconómica do país, não estamos a estudar diretamente o fenómeno em si (ou segundo uma estratégia de tipo “objetivista”), mas o modo como um conjunto de “informadores qualificados” subjetivamente o percecionam (ou seja, segundo uma estratégia de tipo interpretativo ou compreensivo).

Turado (2005, p. 510) assinala ainda que uma das caraterísticas dos métodos qualitativos é que “. . . o pesquisador é o próprio instrumento de pesquisa, usando diretamente seus órgãos do sentido para apreender os objetos em estudo, espelhando-os então em sua consciência onde se tornam fenomenologicamente representados para serem interpretados”. A ideia do pesquisador como instrumento essencial da pesquisa é também sustentada por Flick (2013, p. 56) que diz que “Os investigadores e as suas competências comunicacionais são o principal instrumento de recolha de dados e da cognição”. Conclui-se assim que do entrevistador depende, em larga medida, o sucesso das entrevistas pela sua destreza e competência técnica e comunicativa.

Importa referir que na visão de Nicolai-da-Costa (2007, p. 66) entre os métodos qualitativos as entrevistas são um importante meio de recolha de dados e que “. . . os métodos baseados em entrevistas têm um importante aspeto comum com todos os demais métodos que pertencem ao campo de pesquisa qualitativa: são adotados por pesquisadores que partilham a firme convicção de que a adequação de um método depende dos objetivos da pesquisa”. E conclui: “Como os objetivos das pesquisas humanas e sociais são numerosos também são numerosos os métodos”. Ainda a respeito das entrevistas, esta autora (2007, p. 69) destaca a importância da invariabilidade do entrevistador que evita utilizar roteiros estruturados e padronizados pelo defeito de que podem “. . . supostamente gerar perguntas feitas exatamente na ordem prevista sem que haja a possibilidade de qualquer intervenção espontânea por parte

131 A referência à saúde deve-se ao facto de o artigo em causa ter a ver com métodos qualitativos e

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do entrevistador”. Conclui a autora que este modelo de entrevista tem a vantagem que consiste na liberdade de o entrevistador poder introduzir novas perguntas a cada entrevista.

O nosso propósito não foi inventar ou descobrir novas teorias sobre a matéria em estudo. Procurámos, isso sim, um conhecimento mais profundo sobre o nosso objeto à luz das teorias já existentes, isto é, a preservação das teorias sobre o estudo desse fenómeno, adaptando-as à pesquisa pretendida.

No plano teórico e empírico o nosso estudo adota uma abordagem indutiva, pois pretendemos desenvolver um estudo exploratório, de caso, e, partir dele, contribuir para fornecer algumas pistas teóricas que possam beneficiar outros estudos do mesmo tipo. Em suma, trata-se de uma abordagem que se consubstancia na avaliação dos efeitos socioeconómicos de políticas públicas do ensino superior, tal como são percecionados por um conjunto de agentes considerados a este propósito significativos.

Assim, definida a nossa questão de partida e os objetivos do estudo, a análise documental, a pesquisa bibliográfica e a aplicação de vários instrumentos de pesquisa constituíram a estratégia metodológica perseguida neste estudo.

A metodologia de apresentação dos resultados foi a seguinte: feitas as entrevistas, procedemos à sua transcrição (note-se que dois entrevistados responderam por escrito às questões, uma por opção própria e outro por dificuldade de registo sonoro).

Seguidamente, foi feito, por categoria de entrevistas, o resumo dos dados recolhidos. Terminada esta tarefa e a partir das questões colocadas a todos os níveis, optamos por produzir uma matriz de 10 questões que resume, no cômputo geral, as perguntas constantes das diversas entrevistas e respetivas variáveis. Finalmente, foram feitas a análise, a interpretação sucessiva e considerações gerais sobre os dados obtidos.