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Parte I O ensino superior como política pública e o desenvolvimento socioeconómico

3. Perspetivas teóricas de desenvolvimento socioeconómico

Como já foi referido, remonta ao período pós-guerra o debate sobre o desenvolvimento socioeconómico, importante campo de ação das ciências sociais.

Não sendo, à primeira vista, um debate apenas académico, o desenvolvimento acaba por ter dimensão sociopolítica, pois, resultando de um processo de crescimento económico, o mesmo tem também a ver com a forma como esse crescimento influencia a qualidade de vida das pessoas, razão pela qual ele se encontra na agenda política dos Estados, tanto a nível nacional e regional como internacional. As políticas públicas dos governos devem ter sempre no centro de atenção as pessoas. Daí a sua dimensão sociopolítica.

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Existe, mormente ao nível académico, o debate em torno da diferença entre crescimento e desenvolvimento. Não sendo ambos necessariamente a mesma coisa, nem sempre o crescimento conduz ao desenvolvimento, na medida em que a soma de transformações quantitativas que ocorrem numa dada sociedade não implica inevitavelmente inovações qualitativas. A este respeito, Sousa (2009, p. 92) refere:

A produção pode aumentar sem que variem a tecnologia adotada e o tipo de organização social existente, mantendo-se, portanto, o mesmo processo produtivo em cada ciclo de produção. Neste caso, estamos perante um processo de crescimento económico, já que não se registam saltos qualificativos ao nível dos métodos de produção (com correspondentes efeitos na qualidade dos bens e serviços obtidos e no grau de satisfação das necessidades dos consumidores) e em termos de organização social, entrando-se em linha de conta com a consideração de fatores de natureza institucional.

Diz ainda o autor (2009, p. 92) que “O conceito de crescimento distingue-se do de desenvolvimento económico, na medida em que este implica saltos quantitativos e modificações qualitativas no processo económico, as quais derivam, por sua vez, de inovações introduzidas neste processo por agentes interiores”.

Considerando o desenvolvimento como um processo multifacetado, Rodney (1982, p. 3) diz que: “At the level of the individual, it implies increased skill and capaccity, greater

freedom, creativity, self-discipline, responsability, and material weel-beeing”, dependendo do

estado do desenvolvimento da sociedade como um todo. Acrescenta que “At the level of social

groups, therefore, development implies an increasing capacity to regulate both internal and external relationships”, partindo do princípio de que o desenvolvimento dos diferentes grupos

humanos se fez em permanente contacto e relação entre si. Admite ainda que “Much of human

history has been a fight for survival against natural hazards and against real and imagined human enemies”.

Para Rodney (1982) desenvolvimento económico resulta da forma crescente e inovadora como, coletivamente, os membros de uma dada sociedade desenvolvem a capacidade de se relacionar com o meio ambiente, descobrindo as leis da natureza (ciência). Resulta ainda da forma como, a partir desse entendimento, desenvolvem instrumentos mais adequados para lidar com a natureza (tecnologia), bem como da forma de organização do trabalho.

Embora todos os povos tenham demonstrado capacidade independente de lidar com a natureza, capitalizando os seus recursos, nem todos exploraram da mesma forma aqueles

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recursos, recorrendo de igual maneira e dimensão à ciência e à tecnologia, daí resultando níveis deferentes de desenvolvimento, de produção material e de distribuição de riqueza. Assim, Rodney (1982, p. 5) argumenta:

Development was universal because the conditions leading to economic expansion were universal. Everywhere, man was faced with the task of survival by meeting fundamental material needs; and better tools were a consequence of the interplay between human beings and nature as part of struggle for survival.

Rodney (1982, p. 6) reconhece ainda que em inúmeras situações as mudanças quantitativas conduziram a mudanças qualitativas, isto é, ao desenvolvimento. Acrescenta que “Through careful study, it is possible to comprehend some of the very complicated links between

the changes in the economic base and changes in the rest of the superstructure of the society – including the sphere of ideology and social beliefs”. Quer isto dizer que à medida que os seres

humanos lutaram pela sua sobrevivência material, superando as dificuldades da natureza, eles criaram formas de relações sociais e de governo, padrões de comportamento moral, ético e cívico e sistemas de crenças, isto é, a superstrutura, para lidar com questões de desenvolvimento das respetivas sociedades. Portanto, as diferenças nos níveis de desenvolvimento das sociedades humanas14 têm também muito que ver com o nível e com a natureza da superstrutura por elas criadas.

Ainda sobre a distinção entre o crescimento e desenvolvimento Oliveira (2002, p.39) observa que “O desenvolvimento, em qualquer conceção, deve resultar do crescimento económico acompanhado da melhoria na qualidade de vida”, por outras palavras, de um processo de distribuição de recursos que satisfaça as mais diversas camadas sociais. Essa distribuição permitiria que todos possam usufruir da riqueza nacional, garantindo assim a sua

14 A este respeito, Rodney (1982) refere que subdesenvolvimento não significa ausência de

desenvolvimento, na medida em que, de uma forma ou de outra, todos os povos do mundo atingiram o desenvolvimento e que o termo é apenas comparativo, isto é, só faz sentido como meio de comparação dos níveis de desenvolvimento de uns e de outros, pois alguns grupos humanos avançaram, em termos de desenvolvimento socioeconómico, mais dos que os outros. Rodney não descura o facto de alguns terem sido explorados pelos outros como é o caso da África, explorada economicamente pela Europa. Este autor defende que a causa do subdesenvolvimento africano tem a ver com a natureza da exploração europeia, isto é, advoga a tese de que a Europa foi a causa do subdesenvolvimento do continente africano.

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segurança económica e social, reduzindo, por esta via, a pobreza e as desigualdades sociais graves.

Ainda a este respeito Oliveira (2002, p. 40) argumenta:

O desenvolvimento deve ser encarado como um processo complexo de mudanças e transformações de ordem económica, política e, principalmente, humana e social. Desenvolvimento nada mais é que o crescimento – incrementos positivos no produto e na renda – transformado para satisfazer as mais diversificadas necessidades do ser humano, tais como: saúde, educação, habitação, transporte, alimentação, lazer, dentre outras.

Vera Cruz15, por exemplo, diz:

O desenvolvimento ele é resultado do sistemático uso de conhecimentos técnicos e científicos para se atingir os objetivos do bem-estar multidimensional do ser humano (educação, saúde, emprego e rendimento, lazer, cultura, desporto, etc.). Ele deve ser sustentável de forma que as políticas e práticas de hoje não comprometam o futuro das gerações vindouras.

Quer isso dizer que, cada vez mais, a dimensão humana ocupa lugar cimeiro nas discussões sobre o desenvolvimento, procurando-se articular as políticas de crescimento económico com a satisfação das necessidades das pessoas, coletivamente, ou seja, com a melhoria da sua qualidade de vida. Assim, atingir o desenvolvimento é sinónimo de resolução das mais prementes necessidades dos seres humanos, combatendo a pobreza, as desigualdades sociais e as assimetrias regionais e locais através de um sistema mais equitativo de distribuição da renda nacional.

O crescimento que produz desenvolvimento deve, pois, implicar mudanças estruturais na economia e na qualidade de vida dos cidadãos. Por isso, a aposta no crescimento económico não é senão um instrumento de ação pública e política, visando a promoção social e a resolução dos problemas das populações.

Essas mudanças estruturais devem ser mais significativas nos países em via de desenvolvimento, pois é ali onde essa necessidade mais se faz sentir, pelo facto de as suas

15 Tomaz da Vera Cruz em entrevista concedida no âmbito da recolha de dados (Entrevistas com outros

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economias, no geral, se encontrar desestruturadas e inadequadas ao processo de crescimento. Note-se que o problema básico de muitos desses países é a falta de crescimento rápido das suas economias que permita atender aos mais variados problemas sociais, sem descurar a inadequação entre as taxas de crescimento económico e o da população.

Oliveira (2002, p. 41) salienta:

É desta maneira que o desenvolvimento passa a ser entendido como uma resultante do processo de crescimento, cuja maturidade se dá ao atingir o crescimento autosustentado, ou seja, talvez alcançar a capacidade de crescer sem fim, de maneira contínua. Em nome do desenvolvimento buscam-se valores crescentes: mais mercadorias, mais anos de vida, mais publicações científicas, mais pessoas com títulos de doutor, dentre vários outros. . . Neste sentido, são consideradas desenvolvidas as sociedades capazes de produzir continuamente.

Mas o crescimento não pode ser encarado como uma meta a atingir a qualquer custo, ignorando questões que se prendem com a racionalização dos recursos naturais e com o meio ambiente, ou seja, descartando a visão de desenvolvimento a longo prazo, isto é, o desenvolvimento sustentado.

O crescimento tem também a ver com processos que envolvem, em termos geopolíticos e geoestratégicos, a capitalização das vantagens geográficas e naturais em benefício da economia. Registe-se ainda a capacidade de organização e domínio do meio ambiente e dos recursos naturais e humanos a favor da economia e do desenvolvimento. Por outro lado, com a forma como a educação, a ciência e a tecnologia são aplicadas à dimensão económica de desenvolvimento, visando o aumento da produção e da produtividade. Acresce também a aplicação, tanto pelo sector público como o privado, do capital financeiro e humano no processo de criação de valor acrescentado na economia. Finalmente, o desenvolvimento tem a ver com o aumento do PIB, com a sofisticação do sistema financeiro, com o desenvolvimento do mercado de trabalho, com as infraestruturas, entre outros aspetos, vitais para alavancar a economia.

No que toca ao meio ambiente necessário se torna frisar que a sua preservação não é fim em si, mas condição essencial para proporcionar às gerações vindouras condições e recursos naturais semelhantes a que a Humanidade dispõe hoje. A este respeito Copans (2006, p. 8) observa que “Développement tout court, on est ainsi passé au développement durable et

38 maritimes naturelles, les modes de consommation et de croissance, la pollution”. Portanto, o

desenvolvimento sustentável das sociedades deve ter sempre em conta a preservação do meio ambiente, pois a sua deterioração pode colocar em risco a vida e a sua qualidade em todo o planeta, ou seja, o desenvolvimento sustentável da economia deve sempre pressupor a satisfação das necessidades do presente, sem comprometer o futuro.

Entende-se, deste modo, que o desenvolvimento está ligado à capacidade de capitalização e gestão eficiente dos recursos naturais disponíveis e a forma como eles são utilizados na criação de valor acrescentado, quer seja no processo de distribuição de riquezas e na criação de poupanças (internas e externas), quer seja na produção de alternativas, quando se trata de recursos não renováveis.

Em resumo, não sendo necessariamente a mesma coisa, como já foi dito, o desenvolvimento implica o crescimento. Não é possível atingir-se o desenvolvimento sem o crescimento, embora, sublinhe-se uma vez mais, que o crescimento que não tenha em conta o a sua dimensão humana e social não conduz ao pleno desenvolvimento, que se consubstancia numa relação estreita entre o crescimento económico e a satisfação das necessidades mais prementes das pessoas. O desenvolvimento implica ainda a formação permanente da mão-de- obra, sua inserção no mercado de emprego, o que, a partida, significa um investimento estratégico na formação do capital humano. O desenvolvimento implica uma dinâmica ao longo prazo, na medida em que ele não deve gerar apenas condições de investimento, mas ainda de poupança individual e nacional.