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Concerto didático: uma customização da tradição orquestral

Gina Denise Barreto Soares94

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Brasil Mônica de Almeida Duarte

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Brasil Annibal José Scavarda

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Brasil

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Resumo: A reflexão sobre o concerto didático realizado pela Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito

Santo (OSES) nas escolas regulares de educação básica da rede pública de ensino, é sobre uma performance orquestral diferente da tradicional, aquela que costuma ocupar as salas de concerto. Em função das demandas observadas, o designer desses concertos visam diminuir as distâncias entre a plateia e a música de concerto, oportunizando maior interação entre ambos promovendo a formação de plateia. O repertório, as explicações do maestro, a atitude dos músicos e o local em que são realizados esses concertos implicam numa performance customizada.

Palavras-chave: Concerto didático; performance orquestral; customização.

Abstract: Reflection on the didactic concert performed by the Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito

Santo (OSES) in mainstream schools of basic education in public schools, is on a different orchestral performance of traditional, one that usually occupy the concert halls. Depending on the demands observed, the designer of these concerts aimed at reducing the gap between the audience and concert music, providing opportunities for greater interaction between both promoting the formation of audience. The repertoire, the explanations of the maestro, the attitude of the musicians and the place where these concerts are held imply a customized performance.

Keywords: didactic concert; orchestral performance; customization.

Há inúmeras referências a palavra orquestra desde a Grécia Antiga e que, ao longo do tempo, apresentam vários significados. As fontes escritas referentes a essa palavra mostram que foi entre 1629 e 1733 que o conceito orquestra, entendida como instituição, se consolidou na cultura europeia (GALVÃO, 2006). A partir desse período, é possível observar mudanças referentes a performance orquestral sob vários aspectos. A melhoria na construção dos instrumentos favoreceu ao desenvolvimento técnico dos músicos e ampliou as possibilidades as quais os compositores passaram a ter na criação de suas obras. Não apenas a notação musical se adequou às transformações ampliando seus recursos, como estudos sobre orquestração e instrumentação permitiram que o

compositor explorasse as possibilidades instrumentais no âmbito da prática de conjunto quanto na execução solo de modo mais eficiente. As características dos períodos estéticos estabeleceram necessidades que incidiram na qualidade e quantidade dos instrumentos visando oferecer os meios para interpretar as obras dos compositores. Assim,

exemplificando, as características de uma orquestra barroca não são as mesmas de uma orquestra do período clássico ou de uma orquestra do período romântico, como

consequência, também a performance vai sofrendo adaptações de acordo com as exigências de cada período.

94 Email: ginadbsoares@gmail.com

Até o advento da Revolução Francesa, as orquestras se encontravam associadas às igrejas e às cortes que mantinham músicos e compositores numa relação de patrão e empregado. A atuação das orquestras ofereciam distinção aos seus mantenedores que costumavam inclusive ditar as regras estéticas e o padrão musical em seus domínios. Foi em meados do séc. XVIII e início do séc. XIX, período que o artista busca viver sua arte de forma

autônoma, que “foi formulada, sobretudo, pelos românticos alemães (principalmente por Herder), (...) um ideal de cultura clássica, de elite, ou ‘superior’ (...)” (Carvalho, 2000, 28). Goethe e Schiller estiveram “empenhados em levar adiante esse projeto herderiano de construir uma humanitas, isto é, promover a elevação moral e intelectual do homem através da arte (Carvalho, 2000, 28). Assim,

aquele extrato simbólico mais definidor das elites dominantes e que é ainda a dimensão de cultura tida como a de mais alto prestígio. Essa cultura é hoje claramente minoritária, mas continua sendo o marco de referência da elite, tanto que as edições dos clássicos da literatura se sucedem o tempo todo. Quão cultivados são, porém, no sentido de fonte de leitura e reflexão constante, de geração de um paideuma no sentido poundiano, é uma questão polêmica, pois parecem haver se transformado, sobretudo em símbolos de status. Idêntica argumentação poderia ser feita acerca da vigência da chamada música clássica ou erudita, da pintura etc. (Carvalho, 2000, 27).

Dessa forma, a tradição orquestral e a música de concerto se manteve associada a elite e o acesso restrito e ausente do cotidiano da maioria das pessoas. Atualmente, de acordo com a experiência dos autores, as escolas públicas nas quais o concerto didático em questão é apresentado, tem demostrado ausência de familiaridade com apresentações desse tipo mas, sendo a escola um local em que a diversidade de culturas deve estar presente, o acesso à esse ideal de cultura clássica e, como consequência, da música de concerto, deve estar presente como tantos outros gêneros musicais. Assim, o concerto didático busca apresentar a orquestra e a música de concerto de modo facilitado a essas plateias que se encontram nas escolas públicas. Para atingir essa meta, a performance orquestral do concerto didático tem um grau de exigência mais adequado a plateias não familiarizadas como este tipo de evento, buscando as experiências da plateia para introduzir novos conhecimentos.

Mesmo pensando nos termos da semiótica peirceana, em que produtos orquestrais como sinfonias e concertos são formas artísticas que podem ser comunicadas em primeiridade, isto é, como apreensão sensível, sem necessidade de mediação simbólica, ainda assim, esta apreensão envolve uma participação ativa do apreciador numa profundidade a que o público comum, no mínimo não está habituado (Galvão, 2006,6).

Em função da diferença existente entre a música orquestral e aquelas que estão presentes na mídia, o concerto didático tem a possibilidade de promover o envolvimento de plateias que possuem pouca familiaridade com esta cultura musical, a música de concerto, em espaços tais como escolas de ensino regular públicas.

A performance orquestral

O momento de performance de uma orquestra segue alguns procedimentos particulares, assim como outras formas de expressão também possuem seus próprios procedimentos. Pessoas e grupos sociais familiarizados com tais expressões, compartilham e entendem esses procedimentos particulares envolvidos nos momentos de fruição.

A apresentação de uma orquestra segue uma espécie de rito comparável ao religioso. No ritual do concerto, há uma reverência intransponível semelhante a uma prática religiosa profana. Dois grupos distintos se encontram face-a-face: os músicos e o público. Os músicos se comportam como responsáveis pelo ofício sagrado, uniformizados com ternos ou fraques (vestes de pinguim), o que os constitui como grupo dentro da sala de concerto, tendo todas as suas veleidades anuladas em prol da música, que é o sagrado. O público se assemelha aos devotos. A sala de concerto se constitui como um lugar sagrado, um templo e o hall de entrada ainda é um espaço profano em que os grupos se confundem antes da entrada em cena, que faz o ‘papel’ mágico da transubstanciação, pois a vida religiosa e profana não coexistem num mesmo espaço. (Lehmann, 2005).

No “torpor silencioso” do apagar das luzes, um silêncio “quase religioso” onde qualquer ruído que ameace o “estado catártico” é censurado por pesados olhares de reprovação. Só é permitido tossir entre os movimentos; é proibido ler jornais, comer pipoca (que, aliás, nem se encontra à venda nas salas de concerto); de falar; de chegar atrasado e, à chegada do maestro, os músicos são convidados a se levantar e compartilhar um pouco de seu sucesso, assim como nos aplausos finais, numa verdadeira “orquestração rítmica do público”. O spalla, que representa o ancestral do maestro, o Konzertmeister, distingue-se como uma metonímia da orquestra (Castro, 2009).

O concerto estabelece uma hierarquia em que o maestro, por meio de seu gestual dá as ordens aos músicos para que a música se faça. Assim, a concepção musical dos

integrantes da orquestra é desprezada e a música que a orquestra produz é uniformizada através da música do maestro, transmitida através do seus gestos produzindo uma performance coletiva, pois é fruto de um grupo de músicos unido por um ideal comum: a concepção musical do maestro. Em incontáveis concertos, a comunicação do maestro se faz apenas por gestos tanto em relação aos músicos quanto em relação à plateia.

O ritual do concerto também atinge o repertório que, em sua maioria, é composto de peças dos grandes mestres da música que viveram nos sécs. XVIII e XIX e com uma ênfase no aspecto virtuosístico dos solistas ou da orquestra. As peças contemporâneas ocupam um lugar relativamente pequeno na maioria dos programações das orquestra.

Simplificadamente, o ritual da orquestra pode ser abordado sobre três aspectos: a sala de concerto, o maestro e o repertório. Cabe ressaltar que uma performance tradicional, aquela que segue os aspectos descritos, fica restrita a um grupo de “iniciados”, isto é, aqueles que compreendem os códigos envolvidos no concerto.

A customização do concerto tradicional

Considerando o concerto como um serviço, podemos tomá-lo como experiências que o cliente vivencia (Gianesi e Corrêa, 1994). Haksever et al. (2000) define os serviços como atividades produzidas em função do tempo, do espaço, de acordo com uma forma determinada, são atos, ações e performances. O concerto didático tem, como objetivo

principal, atender as plateias escolares, visto como cliente. Sendo assim, cabe considerar que este cliente que é uma plateia pouco familiarizada com a música de concerto.

Partindo de um modelo “standartizado”, o concerto tradicional, o concerto didático segue uma customização, procedimento que tem um foco definido: oferecer ao cliente pelo menos um tipo de solução que atenda a pelo menos um tipo de necessidade, a uma demanda. Metters et al. (2006) pontuam a interação social e a necessidade de novos consumidores ou clientes receberem orientações nos rituais das novas experiências com estratégias guiadas para que eles sejam acolhidos e esclarecidos.

A customização se utiliza de recursos para obter uma interação diferenciada com

personalização do serviço. Silveira et al. (2001) diz que a customização surgiu no final dos anos 80 e lida com a capacidade de fornecer produtos ou serviços dirigidos a cada cliente oferecendo alta agilidade do processo, flexibilização e integração. Para Fogliatto et al. (2012), a customização em massa tem emergido como uma importante estratégia que se concentra nas mudanças da demanda e no estudo da tecnologia.

O concerto didático é um serviço flexível, dinâmico, ágil, variado e que, para sua realização, está atento a demanda do cliente para a sua própria satisfação puxando-o assim em direção ao serviço oferecido. Originando-se no concerto tradicional, serviço padronizado, rígido, previsível e que impõe seu formato ao cliente, tem a possibilidade de satisfação em função de atender a plateias “iniciadas”, familiarizadas com a música de concerto.

O designer do concerto didático atual vem da experiência de praticamente 10 anos atendendo a escolas públicas. O diretor artístico, o maestro, planeja um formato de

concerto que seja adequado a plateia proporcionando o envolvimento, o conhecimento da orquestra e de suas especificidades e buscando despertar, nessa plateia, o desejo de participar de outros momentos semelhantes. A customização continua ocorrendo no momento do concerto de acordo com a reação da plateia, critério indicador de

envolvimento e satisfação. Ocorrem modificações dentro da programação planejada para refinar o concerto à plateia. Então a performance da orquestra se adequa da melhor forma possível para promover uma aproximação com a plateia.

O concerto didático

A diminuição das distâncias da música de concerto das plateias encontradas nas escolas por meio do concerto didático ocorre em função de alguns aspectos. Quanto ao local, para a realização do concerto didático, a OSES se dirige às escolas e utiliza os pátios ou as quadras esportivas das escolas encontrando-se numa posição espacial mais próxima da plateia. A vestimenta dos músicos, camisa de malha e calças compridas, se aproxima do cotidiano diferente dos ternos e fraques dos concertos tradicionais. O ambiente costuma ser ruidoso e agitado e o silêncio é uma conquista que vem do entendimento da plateia por sua necessidade, fato explicado e exemplificado pelo maestro.

No concerto didático, a conversa do maestro permeia toda a apresentação e mostra as razões dos hábitos e necessidades sedimentados ao longo dos anos. Informa sobre os detalhes do concerto tais como instrumentos, músicas, compositores e promove a interação e a participação da plateia que se dá por meio de perguntas, comentários e gestos como palmas, estalos de dedos ou outros meios.

Sobre o repertório do concerto didático, há uma mescla de obras entre aquelas que são mais ou menos familiares à plateia. Canções folclóricas e músicas populares que fazem

parte das “enciclopédias” (Klinkenberg, 1996) da plateia e que são reconhecidas no momento do concerto, provocam reações de familiaridade que colaboram para o envolvimento com peças não familiares. A customização do concerto didático é gerada como consequência da observação das demandas da plateia mas, apesar de ser um serviço que busca atender a tais demandas, não se limita a esse aspecto. O concerto didático tem o compromisso de trazer novos conhecimentos ampliando os horizontes musicais dessas plateias, isto quer dizer que apesar da preocupação em ser acessível às plateias, há sempre a preocupação de trazer acréscimos a visão de mundo de cada integrante da plateia.

Conclusão

Iniciativas de formação de plateia tem garantido a perpetuação de tradições como a que se refere a música de concerto. Faz parte do dia a dia de diversas orquestras o envolvimento com questões comunitárias, dentre elas o ensino musical e a formação de plateia

(HENTSCHKE; DEL BEN, 2003). Ações com tais objetivos criam articulações que agregam valor social e artístico a trajetória das orquestras.

Os concertos didáticos promovidos pela OSES para plateias escolares tem criado significados para a música de concerto no seio de comunidades como facilidades reduzidas de acesso a esse tipo de cultura. Fato observado em função da presença de alunos, professores e familiares nas programações da OSES que são realizadas no teatro e que seguem dentro de um perfil mais tradicional, com peças do repertório consagrado da literatura orquestral, músicos e maestro vestindo trajes de gala e a música sendo tocada sem as explicações do concerto didático.

Desse modo, temos observado que o significado compartilhado por meio do concerto didático com plateias pouco familiarizadas a essa prática, tem incentivado à busca de outros momentos de apreciação da música de concerto. É possível concluir que o acesso facilitado em um certo momento pode se configurar como uma porta de entrada para uma expressão cultural não familiar. Assim, a criação de significados obtida através de ações semelhantes aos concertos didáticos desconstrói a concepção da música de concerto como algo dirigido apenas a uma elite cultural, mas oferece oportunidade para quem quer que seja. O significado da música de concerto musical e tradição orquestral não é em si, mas é para aquele que assim o percebe e o toma como significativo (DUARTE, 2004), o que diz respeito a uma construção de significado.

Uma performance customizada não implica num jogo de valor ou no questionamento de uma performance tradicional. É um forma de ‘puxar’ o público pouco afeito a determinadas vivências e fazê-lo construir significados ou, de acordo com Bourdieu (2010), criar uma “necessidade cultural” que levará tal público a se interessar e a frequentar os teatros, salas de concertos ou outros locais em que uma orquestra fará uma apresentação. A escola, ao oferecer atividades culturais que ampliam o conhecimento do aluno está contribuindo para uma futura autonomia cultural dos mesmos, exercendo o seu papel comprometida com a formação de uma visão de mundo mais abrangente e menos destituída de preconceitos com universos ainda desconhecidos.

Referências

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