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Capítulo III – A comparação entre o contrato de merchandising de marca e o contrato de licença de

9. Concluindo pela diferença

Ora, se esta ideia sempre prevaleceu, e se o contrato de merchandising de marca sempre foi utilizado para configurar a circunstância contratual, em que o titular da marca confere uma autorização, para que um terceiro possa utilizar a sua marca, para distinguir os seus próprios produtos e/ou serviços, que por sua vez, se revelam distintos dos do titular da marca, e se o contrato de licença de marca surgiu para servir um interesse contratual muito diferente deste, e que se traduz na pretensão do terceiro querer utilizar a marca, para distinguir os seus próprios produtos e/ou serviços, que, por sua vez, se revelam exatamente iguais aos do titular da marca, por que haveremos agora de tentar enquadrar um circunstancialismo tão distinto exatamente neste mesmo quadro contratual, que sempre serviu para acolher e caracterizar uma situação diversa?

Em nosso entender, não é compreensível tentar enquadrar, e forçosamente utilizar, o contrato de licença de marca para este concreto circunstancialismo contratual, em que a

245 A.J.MARTIN MUÑOZ, El Merchandising…, cit., pág.163, baseado, entre outros, no entendimento de ALDO FRIGNANI, I problem…, cit., pág.37 e ss..

246 Neste mesmo sentido, MARIA TEREZA ORTUÑO BAEZA, La licencia…, cit., pág.204, releva a característica dos

produtos e/ou serviços do merchandisee serem diferentes daqueles que são produzidos e/ou prestados pelo

merchandiser. Como já supra se encontra referido, também salientam esta especificidade MARIA MIGUEL CARVALHO, Merchandising de Marcas…, cit., pág.318; e LUÍS COUTO GONÇALVES, Função Distintiva…, cit., pág.232.

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pretensão do terceiro é obter uma autorização do titular da marca para a poder utilizar, para distinguir os seus produtos e/ou serviços, com características completamente distintas dos do titular da marca, quando aquele mesmo contrato serve,sim, para ser utilizado apenas quando estão em causa produtos e/ou serviços iguais aos do titular da marca.

Ignorar este pequeno grande pormenor, como sendo um dos aspetos mais determinantes a considerar, no que respeita à distinção entre os contratos de merchandising de marca e os contratos de licença de marca, parece-nos algo deveras estranho e contraditório, entre a doutrina que considera este aspeto irrelevante, uma vez que outros contratos comerciais existem, em que a diferença de produtos é tida como um aspeto essencial, para a diferenciação dos contratos, como ocorre a título de exemplo, com o contrato de distribuição comercial, uma vez que, é do entendimento maioritário da doutrina, que o contrato de distribuição comercial se afasta do contrato de merchandising de marca, uma vez que o terceiro, ao celebrar um contrato de merchandising de marca, não visa distinguir os produtos/serviços do titular (merchandiser), mas sim, os seus próprios produtos/serviços, que aliás são diferentes daqueles que são produzidos/prestados pelo merchandiser. Esta é uma das características que utilizam, para sustentar a diferença entre um contrato de distribuição comercial e um contrato de merchandising de marca. Não se entende por que não há de relevar a mesma característica, no âmbito da sustentação da diferença entre um contrato de merchandising de marca e um contrato de licença de marca. Não se compreende o porquê. Perguntamo-nos: será com a intenção de lhe ser aplicável o regime jurídico do contrato de licença de marca? Ao que respondemos: se essa for a razão, pela qual não relevam esse pequeno grande pormenor, também tal não se compreende, uma vez que o mesmo regime jurídico pode ser aplicável analogicamente, havendo até, inclusivamente, outros regimes jurídicos ainda mais completos, que se poderão aplicar, sempre através do recurso à analogia, como é o caso do regime jurídico do contrato de locação, revelando-se este um regime jurídico muito mais extenso e, consequentemente, dotado de mais e melhores soluções, para dar resposta aos problemas que, eventualmente, se venham a levantar em decorrência dessa mesma prática contratual.

Perante todo o supra exposto, a diferença entre os dois contratos é simples, mas afigura- se como essencial, e é nessa mesma essencialidade, que se encontra o ponto de partida, para traçar a natureza jurídica destes contratos. Não acompanhamos a corrente doutrinária, segundo a qual o contrato de merchandising de marca encontra a sua natureza jurídica num contrato de licença de marca. Estes contratos são distintos, e as suas diferenças tornam-se essenciais e

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demasiado extensas para que se defenda a aproximação de ambos, no que respeita à sua natureza jurídica.

O merchandising de marcas surgiu com a intenção de enquadrar circunstancialismos e de prosseguir interesses muito diversos, daqueles que são abarcados no âmbito da celebração de um contrato de licença de marca.

A. J. MARTIN MUÑOZ, referindo-se à circunstância de, no âmbito do contrato de merchandising de marca, estarem em causa produtos e/ou serviços diferentes, e de, no âmbito do contrato de licença de marca, estarem em causa produtos e/ou serviços iguais, explica que “Esta diferença explica a diferente função económica perseguida pelas partes na celebração de ambos os contratos.”.247 Explicita que entre os interesses do licenciante que estão na base da

celebração de um contrato de licença de marca se encontram a possibilidade de poder alargar as dimensões do seu negócio, bem como de ampliar o conhecimento da sua marca no mercado. Acrescenta ainda que o contrato de licença de marca pode “… responder também a outras motivações distintas, tais como o interesse do licenciante de aceder a novos mercados utilizando a estrutura do licenciatário ou a necessidade de satisfazer pontualmente um aumento da procura dos seus produtos no tráfego.”248 Diferentes das enumeradas são as finalidades

perseguidas pela celebração de um contrato de merchandising de marca. Entre estas o mesmo autor destaca a finalidade de poder “… aproveitar o renome adquirido pelo sinal licenciado num sector muito afastado da sua atividade típica obtendo o benefício económico da sua exploração nesse âmbito.” Sobre o merchandising, continua a referir que “…exige-se a afirmação da sua especialidade e autonomia devido ao facto do contrato de merchandising cumprir no tráfego uma função diferente.”249

Face ao exposto, “ …a conclusão de um contrato de licença de marca persegue, sob a aparência de uma exploração comum do sinal, a consecução de outros fins que outorgam à cessão um certo carácter instrumental, enquanto, a conclusão de um contrato de merchandising persegue, como única finalidade essencial, a exploração repartida do direito licenciado para otimizar os rendimentos económicos da sua atividade atrativa.”250

Estas diferenças caracterizam a sua essência que, sendo absolutamente oposta à essência do contrato de licença de marca, não permite que se entenda, salvo melhor opinião,

247 A.J.MARTIN MUÑOZ, El Merchandising…, cit., pág.163. 248 A.J.MARTIN MUÑOZ, El Merchandising…, cit., pág.164. 249 A.J.MARTIN MUÑOZ, El Merchandising…, cit., pág.164. 250 A.J.MARTIN MUÑOZ, El Merchandising…, cit., pág.164.

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que a natureza do contrato de merchandising de marca seja a de um contrato de licença de marca.

O contrato de merchandising de marca surgiu e serve para contratualizar um fenómeno diferente daquele que é contratualizado no âmbito de um contrato de licença de marca. Assim, correspondendo e servindo os interesses de uma realidade contratual diferente, deve ser-lhe atribuída uma classificação, e principalmente, uma natureza, diferente.

O contrato de merchandising de marca não encontra a sua verdadeira natureza jurídica num contrato de licença de marca. Poder-se-á até, eventualmente, chegar à conclusão de que ambos encontram a sua natureza jurídica num outro contrato, e que, com esse, ambos encontram características basilares idênticas, mas não dizer que é no contrato de licença de marca, que o contrato de merchandising de marca encontra a sua natureza jurídica.

Concluímos este ponto, defendendo que não devemos tentar forçosamente enquadrar um circunstancialismo diferente (neste caso, um contrato de merchandising de marca), numa realidade que se defende ser idêntica (no caso, um contrato de licença de marca), mas que, afinal, se distingue nas características mais essenciais. Deveremos, sim, tentar procurar a verdadeira natureza jurídica desta nova realidade, baseando essa interpretação e decisão nessa mesma essencialidade, que os distingue, nos seus aspetos mais profundos e intrínsecos, e que julgamos interferir, de forma decisiva, na determinação da sua natureza jurídica.

Não se deverá nunca tentar mudar a essência de um instituto, fazendo assentar a sua natureza jurídica numa realidade contratual diversa, uma vez que, apesar de simples, as diferenças que os separam são suficientes para não fazer coincidir a natureza jurídica de um, nas características essenciais do outro.

Entendemos que, salvo melhor opinião, o contrato de licença de marca não se afigura como a única alternativa possível, ao preenchimento do tipo de referência do contrato de merchandising de marca, importando, por isso, continuar a análise que nos propusemos efetuar.