• Nenhum resultado encontrado

Natureza jurídica do contrato de licença de marca

Capítulo V A natureza jurídica do contrato de merchandising de marca: contrato atípico misto de tipo

2. O contrato de merchandising de marca como contrato atípico misto de tipo modificado do

2.1. Natureza jurídica do contrato de licença de marca

Em consequência da incompletude do regime jurídico previsto para o contrato de licença de marca, a que já por várias vezes fizemos referência, a determinação da natureza jurídica deste contrato revela-se controversa. Entre as principais teses em confronto destacam-se, por um lado, a que defende que o contrato de licença de marca corresponde ao contrato de locação e, por outro, aquela que entende que o mesmo deve ser considerado como sendo um contrato atípico.284

283 Limitamos o âmbito da presente dissertação aos contratos de merchandising de marca celebrados a título

oneroso, excluindo do objeto da mesma os celebrados a título gratuito, por considerarmos que são muito pouco frequentes na prática. Perante estes últimos, a determinação da sua natureza jurídica como contratos atípicos mistos de tipo modificado do contrato de locação enfrentaria obstáculos difíceis de ultrapassar. Contudo, não deixemos de relembrar as citações de PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos…, cit., pág.134, 367, 369 e

370, respetivamente, a propósito dos tipos de referência e da sua adaptação aos contratos atípicos mistos: “Nestes casos, as partes contratam por referência a um tipo como modelo regulativo de base, que modificam através da estipulação de cláusulas de adaptação, sendo a modificação tal que o contrato deixa de pertencer ao tipo de referência, por exceder os seus limites de elasticidade.”; “A disciplina dos tipos de referência…é modificada e adaptada ao sentido e ao modo de ser do contrato concreto em questão.”; “Aplicar os preceitos do tipo de referência de acordo com o seu sentido imanente próprio, sem o adaptar ao sentido imanente da regulação contratada, resultaria em tipificar esse contrato, em reconduzi-lo forçosamente àquele tipo. O contrato deixaria de ser atípico e tornar-se-ia típico.”; e “O sentido interno da regulação contratada é diferente do sentido próprio do tipo de referência. É essa a diferença que justifica que ele se considere atípico, é essa a diferença que torna negativo o juízo de correspondência àquele tipo.”.

284 De acordo com o exposto por LUÍS COUTO GONÇALVES, Função Distintiva…, cit., pág.202, onde por sua vez, refere,

na nota 391, que a tese de acordo com a qual o contrato de licença é um contrato atípico é defendida na Alemanha por KARL-HEINZ FEZER, Markenrecht, Verlag C.H. Beck, Munchen, 1997, pág.984 e 998. Em sentido idêntico, MARIA

127

MARIA TERESA ORTUÑO BAEZA285 salienta que “…apesar de se reconhecer quase de forma

unânime o caráter sui generis deste contrato, a sua natureza atípica conduziu os esforços da doutrina para a individualização dos carateres essenciais desta figura com o fim de indicar com que contratos ou com qual das categorias jurídicas tradicionais o contrato de licença apresentava mais analogias.”

Sem entrar numa abordagem às restantes posições (para além das já referidas posições principais) defendidas no âmbito da determinação da natureza jurídica do contrato de licença de marca, salientamos apenas o carácter controverso da discussão em torno do pressente tópico. Entre nós, de acordo com a opinião da doutrina maioritária, o contrato de licença de marca encontra a sua natureza jurídica, no âmbito do contrato de locação. Entre outros autores, assim o defendeLUÍS COUTO GONÇALVES286, quando refere que “A natureza jurídica da licença de

marca, (…) aproxima-se a um contrato de locação. Nessa medida, defendemos que o conceito civilista de locação (art. 1022º do Código Civil) possa abranger coisas incorpóreas, como é o caso da marca.”, ao que acrescenta que se afigura “...defensável uma interpretação objectivista e actualista da norma civilista.”

Embora não tenhamos realizado uma análise destinada à determinação da natureza jurídica do contrato de licença de marca, parece-nos defensável a tese segundo a qual o contrato de licença de marca, também ele, encontra a sua natureza jurídica no contrato de locação.

Não obstante, não entendemos que a determinação da natureza jurídica do contrato de merchandising de marca como um contrato atípico misto de tipo modificado do contrato de

MIGUEL CARVALHO, Merchandising de Marcas…, cit., pág.326. J. MASSAGUER FUENTES, «Licencia de marca», in Enciclopedia Jurídica Básica, tomo III, Madrid, 1995 pág.4106, refere a este propósito que “…a escassez de regulação, que não determina o seu conteúdo básico obrigacional remetendo-o para a autonomia da vontade e que, por conseguinte, só através da tipicidade social, tem feito com que a nossa doutrina não afirme o carácter típico do mesmo ou que, no máximo, o haja qualificado de «parcialmente típico»., citado por MARIA TERESA ORTUÑO BAEZA, La licencia…, cit.¸ pág.106. A mesma autora, La licencia…, cit.¸ pág.107, menciona que “O certo é que, embora possa afirmar-se que este contrato goza já de uma tipificação legal, em qualquer caso, estas normas as quais temos feito referência, relativas de forma direta ou indireta à licença de marca não chegam a oferecer uma definição deste contrato nem a configurar o seu conteúdo.”.

285 MARIA TERESA ORTUÑO BAEZA, em, La licencia…, cit., pág.105. As demais posições defendidas no âmbito da

determinação da natureza jurídica do contrato de licença de marca encontram-se enunciadas mais adiante, nas pág.110 e ss., onde se destacam as teorias translativas, a teoria que entende a licença como usufruto, a que a entende como figura aproximada ao contrato de sociedade, aquela que a aproxima de um contrato de locação, e ainda a vertente distributiva do contrato de licença. Não desenvolveremos o conteúdo das mesmas, uma vez que esta abordagem se encontra fora do âmbito da presente dissertação.

286 LUÍS COUTO GONÇALVES, Função Distintiva…, cit., pág.205; expõe esta mesma ideia em Contrato de merchandising, cit., pág.545. Neste sentido também MARIA MIGUEL CARVALHO, Merchandising de Marcas…, cit., pág.330.

128

locação possa ser abalada, apesar de, eventualmente, ser coincidente com a natureza jurídica revelada pelo contrato de licença de marca.

Por um lado, a natureza jurídica do contrato de licença de marca é discutida pela doutrina, e ainda não existe uma opinião pacífica e unanimemente aceite. Contudo, como já aqui afirmamos, não nos parece que deveremos negar a opinião maioritária defendida entre a doutrina portuguesa.

Ainda assim, entendemos que ambos os contratos – o contrato de merchandising de marca e o contrato de licença de marca – até podem ter a mesma natureza jurídica, mas defendemos que a linha de raciocínio que orienta a determinação da natureza jurídica do contrato de merchandising de marca deve ter por base a “figura do plano”, avançada por PEDRO PAIS DE VASCONCELOS287 quando o autor, embora à luz de uma temática diferente, explicita a

subdivisão existente entre tipos e subtipos. De acordo com este entendimento o autor refere que se devem relacionar “…os tipos e ou subtipos no mesmo plano.” Uma vez que “A relação dos tipos com os subtipos não tem a ver com um processo indutivo-dedutivo, de abstracção e especificação, mas antes com a elasticidade, abertura e graduabilidade própria do tipo, e com um processo analógico que se desenvolve num só plano. Acrescentando que os subtipos “…não são formas especiais, inferiores…mas sim partes, zonas, áreas daquele tipo, cujos contornos são desenhados tendo em referência um critério mais restrito.” Resumindo-se esta ideia a “…um tipo central, representativo, paradigmático…no plano do qual, e não debaixo do qual, se configuram subtipos.288

Entendemos que este raciocínio também poderá ser utilizado como justificação para o facto de que, apesar de ambos os contratos terem a mesma natureza jurídica – o contrato de locação –, não é por isso que o contrato de merchandising de marca terá de ver a sua natureza jurídica determinada como contrato de licença de marca, sendo este aliás, repete-se, um regime, de acordo com a nossa opinião, muito incompleto. Contrariamente, deverá ser entendida a sua natureza jurídica como contrato atípico misto de tipo modificado do contrato de locação.

287 PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, cit., pág.65.

129

2.2. Questões prévias à defesa do contrato de locação como natureza jurídica do