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CAPÍTULO 3 O COTIDIANO NA FATEC DE ITAPETININGA

3.7 CONCLUINDO O CAPÍTULO

O que pude perceber, depois de vivenciar esses quatro anos de estudos na Fatec de Itapetininga, é que ela mantém seus cursos de modo praticamente convencional. Isso significa seguir as determinações do Centro Paula Souza, no que diz respeito à administração acadêmica, e realizar reuniões de professores, na sua grande maioria, de cunho administrativo, e não pedagógico. Aulas expositivas mesmo com a utilização de recursos instrucionais mais avançados, alunos enfileirados nas carteiras em sala de aula e avaliações quantitativas em que pesem os décimos na média final, significando aprovação ou reprovação do aluno.

Os professores, solitários em suas ações pedagógicas, vão ministrando suas disciplinas de forma independente, cada qual com seu conhecimento e sua consciência do dever cumprido. Afinal, são pagos por aula e, tudo indica, não têm um forte comprometimento com a instituição, senão com o aluno. De fato, os professores, de um modo geral, demonstram o interesse em atender ao aluno, mais do que a instituição. Sentem orgulho em saber que puderam, de alguma forma, contribuir [ou que estão contribuindo] para o seu sucesso profissional. Os alunos, por sua vez, demonstram mudanças significativas no seu comportamento, desde quando ingressaram no ensino superior até o término do curso, com relação à postura profissional e a um ‘amadurecimento’ na sua maneira de entender a vida e de enfrentar desafios que, de outra forma, me parece, não conseguiriam fazer.

As minhas análises, a partir deste próximo capítulo, são uma tentativa de colaborar com a Fatec de Itapetininga, no sentido de verificar as possibilidades e os entraves para que o seu currículo, de modo geral, esteja fundamentado no Pensamento Complexo de Edgar Morin.

CAPÍTULO 4

O PENSAMENTO COMPLEXO

Quando iniciei os estudos da Complexidade, em 2004, junto ao Instituto Júlio Prestes, em Itapetininga/SP, tive em mente uma analogia ‘curiosa’. Professando, já há bastante tempo, a Doutrina Espírita, visualizamos a obra de Edgar Morin nos mesmos moldes da obra de Allan Kardec79. Na minha visão, Edgar Morin está para as Ciências assim como Allan Kardec está para o Espiritismo. Quer dizer, é como se a obra de Edgar Morin não fosse de Edgar Morin, assim como a obra de Allan Kardec não é de Allan Kardec. Houve, nos dois casos, a compilação de ideias de vários autores, de modo que o grande mérito desses dois personagens franceses está no fato de que eles conseguiram reunir os pensamentos isolados, fragmentados, difusos enfim, para transformá-los numa nova visão de mundo, no caso do primeiro e numa doutrina religiosa, no caso do segundo.

A palavra ‘doutrina’ tem um significado próprio e um conceito que se estabelece quase como uma definição do seu significado: “conjunto de princípios que regem uma escola literária ou filosófica, de um sistema político, econômico etc., ou de dogmas de uma religião” (LAROUSSE CULTURAL, 1999). Mas o que seria “uma nova visão de mundo”? Uma teoria? Um paradigma?

Cabe, então, outra observação. Alguns membros do Instituto Júlio Prestes não aceitam o Pensamento Complexo como ‘Teoria’, o que também concordo. O pensamento complexo é, pois, mais abrangente. O próprio Edgar Morin vai elaborar várias teorias na visão do Pensamento Complexo como, por exemplo, ele cita em ‘Meus demônios’ (1997), com meus grifos:

Começando, então, a conceber a possibilidade de uma teoria da

organização a partir da integração, da reflexão e da superação das três

teorias [cibernética, teoria dos sistemas e teoria da informação], fui levado à convicção de que o sentido verdadeiro que era preciso extrair da revolução biológica era organizacional (p. 38).

79 Allan Kardec, pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail, nascido a 3 de outubro de 1804, em Lyon,

França. Foi o codificador da Doutrina Espírita. Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/autor/allan_kardec/biografia/>.

O sujeito era o resíduo da explicação científica clássica. Elaboro uma teoria

bio-lógica do sujeito (o que acho ser minha contribuição mais pessoal em

La Méthode) (p. 200).

Um ‘paradigma’ me pareceria mais próximo dessa ‘nova visão de mundo’, porém Morin vai propor ‘reformas’, e não uma ‘revolução’, e é ele quem afirma que

Uma mudança de paradigma revoluciona. Uma revolução que afeta um grande paradigma modifica os nuclei organizadores da sociedade, da civilização, da cultura e da noosfera (...). A revolução copernicana é exemplar como revolução paradigmática. Naturalmente, o sistema geocêntrico do mundo, estabelecido milenarmente, não constituía um paradigma: era uma doutrina. Mas essa doutrina escondia um paradigma de centralidade-hierarquia que privilegiava o homem e o seu habitat colocando- o no centro do mundo; este foi o paradigma atingido. A revolução copernicana não afetou nenhum dos componentes planetários do sistema anterior; realizou somente uma permutação hierárquica entre a Terra e o Sol, imobilizou o Sol e pôs a Terra em movimento, o que bastou para mudar simultaneamente o mundo e o lugar do homem no mundo (1998, p. 290- 291).

Para Morin (1998, p. 266-ss) um paradigma não explica, antes permite e orienta o discurso explicativo. Os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo o paradigma neles inscritos culturalmente, o qual consolidam justamente por esses modos de pensar, sentir e agir. O paradigma dominante no Ocidente, cujas raízes remontam aos séculos XVI e XVII, e que emergiu a partir do desenvolvimento científico da modernidade e de uma razão positivista, é simplificador, porque lida com funcionalidades e manipulações redutoras da desordem, portanto com uma lógica identitária da ordem, operando por redução [do complexo ao simples, do todo ao elementar], rejeição [da álea, da desordem, do singular, do individual], disjunção [entre os objetos e seu entorno, entre sujeito e objeto], eliminação [do não mensurável, não quantificável], generalização [da parte no todo e do todo na parte] etc. Conduz, então, a um processo de homogeneização da sociedade e induz uma racionalidade tecno-burocrática.

Entretanto, vários estudiosos, entre eles o próprio Morin, têm apontado para o fato de que, devido ao esvaziamento do poder explicativo desse paradigma ‘clássico’, outros começam a emergir, dentre os quais o que podemos apontar ‘o paradigma da complexidade’, cuja base de explicação pode ser encontrada nos estudos de Morin sobre o Pensamento Complexo, parte dos quais estou tratando neste trabalho.

A noção de ‘paradigma’ foi bastante desenvolvida por Thomas Kuhn (1982, p. 218), atribuindo-lhe importância fundamental na explicação de que o modo de conceber, formular e

organizar as teorias científicas era comandado e controlado por um fundo coletivo de evidências, uma estrutura absoluta de pressupostos que alicerça uma comunidade científica. Sociologicamente, pode indicar a constelação de crenças, de valores reconhecidos e das técnicas partilhadas pelos membros dessa comunidade.

Porém, Morin vai dizer que, Kuhn

... deu ao termo ‘paradigma’ um sentido ao mesmo tempo forte e vago. Forte, pois o paradigma tem valor radical de orientação metodológica, de esquemas fundamentais de pensamento, de pressupostos ou de crenças desempenhando um papel central, detendo assim um poder dominador sobre as teorias. Vago, pois oscila entre sentidos diversos, cobrindo in extremis, de modo difuso, a adesão coletiva dos cientistas a uma visão de mundo. De resto, sob o efeito das críticas a respeito da imprecisão do termo ‘paradigma’ (ver Shapiro, 1980, p. 293), Kuhn, depois de ter tentado localizá-lo ou baseá- lo socioculturalmente, parece ter-se decidido a abandoná-lo (1998, p. 266). Continua Morin, desta feita evocando a noção advinda de Michel Foucault que trata da episteme como sendo aquilo que define as condições de possibilidade de um saber. Mas ao conceber a relação cultura/episteme Foucault o faz de maneiras impróprias, pois simplificadora, dizendo que numa cultura, num determinado momento, há apenas uma episteme e, arbitrária, na sua concepção, localização e na fixação da data dos cortes epstemológicos. Nesse sentido, Morin (1998, p. 267) observa que Maruyama (1974) definiu quatro grandes tipos epstemológicos, cada um determinando os seus tipos de percepção, de causalidade, de lógica criando a sua paisagem mental ou, na sua expressão, mindscape. Assim, segundo Morin,

... um grande paradigma (episteme, mindscape) controla não apenas as teorias e os raciocínios, mas também o campo cognitivo, intelectual e cultural em que nascem teorias e raciocínios. Controla, além disso, a epistemologia, que controla a teoria e a prática decorrente da teoria. Conservo a noção de paradigma, não só apesar de sua obscuridade, mas também por causa dela, pois visa a qualquer coisa de muito radical, profundamente imersa no inconsciente individual e coletivo, cuja emergência muito recente e parcial no pensamento consciente ainda está envolto em brumas. Conservo-a, também, não só apesar de sua ambiguidade, mas também por causa dela, pois esta nos remete a múltiplas raízes emaranhadas (linguísticas, lógicas, ideológicas e, mais profundamente ainda, cérebro-psíquicas e socioculturais). Como Foucault fez com a episteme, utilizarei o termo paradigma não só para o saber científico, mas para todo conhecimento, todo pensamento, todo sistema noológico (1998, p. 267). Entendemos, então que um paradigma direciona, rege a práxis cognitiva e que “o pensamento complexo deve vigiar o paradigma. Diferentemente de um pensamento

simplificador que identifica a lógica ao pensamento, o pensamento complexo a governa evitando a fragmentação e a desarticulação dos conhecimentos adquiridos” (MORIN et. al., 2009, p. 38) (meus grifos).

Parece-me, portanto, mais coerente que se tome as ideias de Morin como “O Pensamento Complexo” que engloba, que cria e que direciona teorias – o que permitiria o desenvolvimento de paradigmas outros enfim –, que não ‘revoluciona’, mas que ‘reforma’ a velha ‘ciências’ com ‘uma nova visão de mundo’.

O próprio Morin diz que o “primeiro grande texto sobre a complexidade foi de Warren Weaver80 que dizia que o século 19, século da complexidade desorganizada (naturalmente, ele pensava no segundo princípio da termodinâmica), ia dar lugar ao século 20, que seria o da complexidade organizada” (2010, p. 175-176).

Segundo Morin (et. al., 2009) a palavra ‘complexidade’ tem um sentido ambíguo do ponto de vista etimológico; é de origem latina e provém de complectere, cuja raiz plectere significa trançar, enlaçar, no sentido de confecção de cestas cujos fios são entrelaçados em círculo, unindo-se o final de um com o começo do outro.

A presença do prefixo ‘com’ acrescenta o sentido da dualidade de dois elementos opostos que se enlaçam intimamente, mas sem anular sua dualidade. Por isso, a palavra complectere é utilizada tanto para designar o combate entre dois guerreiros, como o abraço apertado entre dois amantes. Em francês, a palavra ‘complexo’ aparece no século XVI: vem do latim complexus, que significa ‘que abraça’, particípio do verbo complector, que significa eu abraço, eu ligo (op. cit., p. 43).

Morin dá o nome La Méthode [O Método] para sua obra e no ‘Método 3: o conhecimento do conhecimento’ ele explica que não se pode confundir a noção de método, tal como utiliza, com a de metodologias, “guias a priori que programam as pesquisas, enquanto que o método derivado do nosso percurso será uma ajuda à estratégia (a qual compreenderá utilmente, certos segmentos programados, isto é, ‘metodologias’, mas comportará necessariamente descoberta e inovação)” (2005, p. 35-36).

Continua esse autor dizendo que “a palavra Méthode esclarece progressivamente seu sentido: trata-se da reforma necessária dos princípios de nosso conhecimento, reforma que diz respeito tanto às ciências naturais, às ciências humanas, à política quanto a nossa vida mental

80 Warren Weaver, nascido a 17 de julho de 1894, em Reedsburg, nos Estados Unidos. Foi ele quem sugeriu os

três níveis de problemas na comunicação (técnico, semântico e da eficácia), realizando estudos aplicados aos princípios fundamentais da Teoria da Comunicação. Disponível em: <http://www-history.mcs.st-

cotidiana” (1997, p. 40). Analisando uma maneira de interligar os conhecimentos biológicos aos antropológicos Morin viu a “necessidade de distinguir e formular os princípios de um pensamento que une. Melhor dizendo, de um pensamento complexo no sentido em que complexus significa ‘o que foi tecido junto’” (op. cit., p. 44).

Entendo, portanto, tratar-se de uma ‘estratégia’ que permite uma ‘reforma paradigmática’ das ciências preservando o conhecimento acumulado pela humanidade, mas a partir de um novo olhar. Morin enuncia sete princípios básicos (2000, p. 209-212), complementares e interdependentes que formam, em minha opinião, o que esse autor chama de as ‘idéias-chave’, ou seja, a estrutura do Pensamento Complexo. No meu entendimento, além desses princípios estão as ‘avenidas’, ou seja, diferentes ‘caminhos’ possíveis “que conduzem ao desafio da complexidade” (MORIN, 2010, p. 177) e que dão margem às ‘emergências’ que são, também em minha opinião, novos conceitos, mais abrangentes e mais ‘abertos’ dos fenômenos já conhecidos e que se encarregam das transformações necessárias às reformas por ele preconizadas.

Pretendo, a partir de agora, enumerar e explicitar os sete princípios que são a fundamentação teórica em que me apóio para as análises dos dados coletados em minha pesquisa, e explanar sobre as ‘avenidas’ para o Pensamento Complexo.

4.1 PRINCÍPIO SISTÊMICO OU ORGANIZACIONAL

Liga o conhecimento das partes ao conhecimento do todo. Este princípio tem fundamento na frase de Blaise Pascal81, citada por Morin em praticamente toda a sua obra (1997, p. 199; 2000, p. 209; 2007b, p. 37; 2010, p. 30 e p. 181-182; 2011a, p. 148 etc.):

Não há conhecimento pertinente sobre objetos fechados, separados uns dos outros. A inseparabilidade encontra sua expressão na frase de Pascal que se torna uma de minhas máximas-chave: ‘Todas as coisas sendo causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas e todas se entrelaçando umas às outras, por um laço natural e inseparável que liga as

81 Blaise Pascal, nascido a 19 de Junho de 1623, em Clermont-Ferrand, na França. Foi filósofo, físico e

matemático. Foi autor de uma das frases mais pronunciadas pela humanidade nos séculos posteriores, O coração tem razões que a própria razão desconhece. Como físico e matemático construiu a primeira calculadora

mecânica e realizou inúmeros trabalhos relevantes nessas duas áreas do conhecimento. A síntese de sua doutrina filosófica se estabeleceu no campo do raciocínio lógico e da emoção. Disponível em:

mais distantes e as mais diferentes, acho impossível conhecer as partes sem conhecer o todo; também acho impossível conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes.’ Há, assim, a necessidade de contextualizar todo o conhecimento particular e, se possível, de introduzi-lo no conjunto ou sistema global de que ele é um momento ou uma parte (1997, p. 199).

Diz Morin que um sistema é, ao mesmo tempo, mais e menos do que aquilo que se poderia chamar de soma de suas partes. É mais porque

... faz surgir qualidades que não existiriam nessa organização; essas qualidades são ‘emergentes’, ou seja, podem ser constatadas empiricamente, sem ser redutíveis logicamente; essas qualidades emergentes retroagem ao nível das partes e podem estimulá-las a exprimir suas potencialidades. Assim, podemos ver bem como a existência de uma cultura, de uma linguagem, de uma educação, propriedades que só podem existir no nível do todo social, recaem sobre as partes para permitir o desenvolvimento da mente e da inteligência dos indivíduos (2010, p. 180).

E, de outra forma, é menos porque “essa organização provoca coações que inibem as potencialidades existentes em cada parte, isso acontecendo em todas as organizações, inclusive na social, na qual as coações jurídicas, políticas, militares e outras fazem com que muitas de nossas potencialidades sejam inibidas ou reprimidas” (ibidem).

Este princípio é concorrente e complementar ao Princípio Hologramático, pois cada parte que compõe o todo também representa o seu conjunto global.