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CAPÍTULO 3 O COTIDIANO NA FATEC DE ITAPETININGA

4.8 AS AVENIDAS QUE LEVAM AO DESAFIO DO PENSAMENTO

4.8.5 A ORGANIZAÇÃO

Diz Morin que a organização se constitui a partir de elementos diferentes que formam, ao mesmo tempo, uma unidade e uma multiplicidade, o que remete ao conceito de unitas multiplex já abordado no Princípio Dialógico (Cf. p. 176). É interessante acrescentar, neste momento, outras ideias de Morin, agora sobre as organizações vivas.

No ‘Método 2: a vida da vida’, Morin reserva a terceira parte do livro para explicar “a auto-organização das atividades vivas” (1999, p. 281-305). Começa ele dizendo que a especialização, a hierarquia e a centralização são fenômenos que, praticamente, todas as auto- organizações vivas mantêm, mas seus problemas põem-se de modo original, específico, irredutível em cada contexto auto-organizacional. Interessa-me, particularmente, as noções que Morin traz à tona no que diz respeito às reformas que promovam a desburocratização generalizada das administrações, em especial aquelas dedicadas ao serviço público. Nesse sentido, seu livro ‘La vía: para el futuro de la humanidad’ (2007b, 123-127) tem o assunto mais sintetizado, o que me facilita as explicações. Diz ele que essas instituições sofrem de um mal organizacional específico, a ‘burocratização’, tomada como “patologia administrativa”

(MORIN, 2011b, p. 123). É interessante observar que alguns membros do Instituto Júlio Prestes [organização não oficializada que promove estudos sobre a complexidade, na cidade de Itapetininga/SP, como já expliquei anteriormente], tomam a ‘burocratização’, de forma pejorativa, pela expressão “burrocratização”89. Segundo Morin

A burocracia traz consigo uma rígida dicotomia dirigente–executor e encerra a responsabilidade pessoal, de cada um, em um pequeno setor, o que inibe a responsabilidade e a solidariedade pessoal em relação ao conjunto do qual faz parte. De fato, a burocracia gera irresponsabilidade, inércia e desinteresse pelos setores externos, e oprime dentro desse setor quando o trabalho é monótono, mecânico e repetitivo (2011b, p. 123).

As condições impostas pela burocracia nas repartições públicas favorecem a irresponsabilidade, a ausência de solidariedade, a preguiça, a inércia, além do que, nas empresas onde o afã do lucro e o egocentrismo se desenvolvem, surge a corrupção dos funcionários. As administrações burocratizadas respondem com atraso às questões mais urgentes e aos desafios imediatos; remetem os clientes–usuários a uma Via Sacra interminável, de ir e vir, sem que se resolva exatamente qual o setor responsável por atender determinado problema. Quando uma informação diferenciada ocorre nos meios de comunicação, ou seja, um fato inesperado, isso perturba os esquemas mentais e os programas em curso; o sistema ‘tropeça’ na rigidez, nos hábitos já enraizados do cotidiano e se tende a ignorar a informação, a reprimi-la, a anestesiá-la, e a mensagem não chega, ou chega com atraso ao seu destino (op. cit., p. 124).

Por sua vez, a burocratização requer especialistas atuando em cada setor, em atividades específicas de um determinado segmento. Assim, a especialização fragmenta os problemas, de modo que os responsáveis por um departamento não se sentem responsáveis por resolver problemas que não estejam ligados diretamente aos de sua especialização. De resto, a burocracia e a especialização, aliadas à competitividade [característica primordial do mundo capitalista] são os pilares do nosso tipo de sociedade em que se promove a irresponsabilidade, a ausência de solidariedade, a preguiça, a inércia, a manipulação, a corrupção de funcionários e, portanto, a corrupção dentro do próprio coração do Estado (MORIN, 2007b, p. 124).

89 Vale lembrar, no entanto, que para Max Weber, a eficiência da burocracia, por ele chamada de dominação

racional-legal, está justamente no sistema de leis e normas as quais uma administração deve obedecer e na qual assenta essa racionalidade. Daí ser de difícil destruição. Burocratização, entretanto, seria um desvio, uma anomalia do sistema, quando se imprime mais importância ao processo do que aos fins a serem atingidos. Algo semelhante à noção de racionalização desenvolvida por Morin.

Para uma desburocratização generalizada, Morin dá as coordenadas dizendo que

É óbvio que não se pode conceber uma administração privada de centro, isenta de hierarquia e desprovida de competências especializadas, porém se trata de criar e desenvolver um modo de organização que combine: centrismo–policentrismo–acentrismo; hierarquia–poliarquia–anarquia; especialização–poliespecialização–competência geral (op. cit., p. 126). Uma instituição assim organizada teria uma combinação de centrismo com policentrismo que dota de capacidade de decisão diversos centros, conforme suas competências, enquanto o acentrismo representaria a relativa margem de liberdade que determinados indivíduos [os especialistas] teriam para decidir casos imprevistos ou situações que fugissem à normalidade do cotidiano.

Também se levaria em conta uma combinação de hierarquia com poliarquia de modo a flexibilizar e a modular as prioridades hierárquicas; nesse sentido a poliarquia seria representada pela pluralidade de hierarquias diferentes, segundo os níveis de decisão, as áreas envolvidas e as circunstâncias do momento ou, do fato em si. Do mesmo modo, a especialização deve acontecer depois de uma etapa de formação dos envolvidos que proporcione uma cultura enriquecedora sobre as atividades, serviços ou produtos que a instituição oferece. Os agentes especializados, então, poderiam desenvolver competências gerais e estariam aptos à flexibilização de atividades, colaborando de forma global, interativamente, nos processos de decisão. Para que isso funcione, efetivamente, seria necessário, segundo Morin, “introduzir os conceitos da organizational learning definidos por Peter Senge90 e que incluem três práticas: dialogar em equipe; promover o desenvolvimento pessoal; e, permitir a eclosão de uma visão compartilhada prestando atenção ao modelo mental de cada um” (2011b, p. 126).

Também é interessante acrescentar aqui as noções de ordem e desordem que ajudam a entender melhor as questões que envolvem a organização viva, em especial a dos seres humanos. Assim, cada uma das noções de ordem e desordem tem duas faces opostas. Segundo Morin, a primeira face da desordem vai desde a delinquência, o crime, a luta desregrada de todos contra todos até a liberdade, que é a sua segunda face. “Entretanto, a liberdade não se identifica com a desordem. A liberdade precisa de uma ordem organizacional, isto é, de regras do jogo social que se impõem a todos; porém, ela também

90 Peter Michael Senger, nascido em 1947, em Stanford, nos Estados Unidos. Engenheiro e filósofo, ficou

precisa de uma tolerância para com a desordem, precisa de zonas onde não entrem a lei do poder e o poder da lei” (2010, p. 227-228).

No caso da ordem, suas duas faces são, segundo Morin, seus inimigos, pois, de um lado, “temos as regulações e proteções que permitem as liberdades, do outro, temos as coações e imposições que impedem as liberdades” (op. cit., p. 228). Assim, não se pode reduzir o problema da liberdade nas questões de ordem e desordem simplesmente. É necessária “uma organização que possa desenvolver uma ordem de qualidade superior (regras, regulações) e uma desordem de qualidade superior (liberdades). O paradoxo da complexidade social é determinar coações que façam emergir as condições de seus excessos...” (ibidem).

Para Morin, “A liberdade se alimenta da conflituosidade, numa organização que permite que a conflituosidade não seja destruidora (...). O sonho demente de ordem social pura é traduzido pelo campo de concentração e é punido com a desordem infinita do assassinato” (ibidem).