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CAPÍTULO 3 O COTIDIANO NA FATEC DE ITAPETININGA

4.6 PRINCÍPIO DIALÓGICO

O exemplo da fórmula de Heráclito tomado por Morin no princípio anterior, “viver de morte, morrer de vida” (2000, p. 211), também justifica este princípio, pois são duas noções mutuamente excludentes, mas que se tornam inseparáveis numa mesma realidade.

É aí que está localizado o princípio order from noise, formulado por Heinz von Foerster, em 1959, que se opunha ao princípio clássico order from order (a ordem natural obedecendo às leis naturais) e ao princípio estatístico order from disorder (no qual uma ordem estatística no nível das populações nasce de fenômenos desordenados-aleatórios no nível dos indivíduos). O princípio order from noise significa que os fenômenos ordenados (eu diria organizados) podem nascer de uma agitação ou de uma turbulência desordenada (...). Entendemos que é nesse sentido que emerge o problema de uma relação misteriosa entre a ordem, a desordem e a organização (2010, p. 179).

O Princípio Dialógico une o que poderia ser considerado ‘fatores excludentes’, quer dizer, trata esses fatores como potencialmente complementares, mesmo quando antagônicos. A diferença para o pensamento dialético está no fato de que a questão não é, necessariamente, levantar uma ‘tese’, argumentar com uma ‘antítese’ e fechar o pensamento numa ‘síntese’ [elementos do esquema básico do pensamento dialético, tal como propõe Hegel]. Mesmo que essa síntese comporte uma nova tese que desemboque num círculo próprio do pensamento dialético, o pensamento dialógico vai procurar integrar a antítese na própria tese, ou seja, a síntese não se completa totalmente, uma vez que o desenho que se descreve é o de uma espiral, um sistema aberto, sempre pronto a receber novos fatores que façam parte da tese ou da antítese. Portanto, “a dialógica se substitui irrevogavelmente à dialética; elaboro e defino a dialógica como associação de instâncias, ao mesmo tempo, complementares e antagônicas e considero as inúmeras dialógicas particulares no mundo físico, no mundo vivo e no mundo humano” (1997, p. 62).

Dessa forma, o pensamento complexo deslumbra “uma dialógica ordem-desordem- organização desde o nascimento do universo, ou seja, a partir de uma agitação calorífica (desordem), onde, em certas condições (encontros casuais), os princípios de ordem vão permitir a constituição dos núcleos dos átomos, das galáxias e das estrelas” (MORIN, 2000, p. 211). Embora Morin se utilize de exemplos vindos da física, as noções de ordem, desordem e organização são transdisciplinares, aplicando-se no nível biológico, social, antropológico “entretanto, os tipos de ordem, os tipos de desordem, os tipos de organização são diferentes, do físico para o biológico, do biológico para o antropossocial e, no campo antropossocial, eu diria de sociedade para sociedade... Existe unidade (transdisciplinar) e diversidade...” (MORIN, 2010, p. 218).

Morin coloca, então, no núcleo do pensamento complexo “a ideia de unitas miltiplex, a unidade da multiplicidade e da diversidade humanas: a unidade humana engendra a diversidade humana e a diversidade humana mantém a unidade humana” (2011b, p. 12). Os seres humanos se diferenciam, em todo o planeta, pela sua morfologia, com grande diversidade somática conforme sua herança genética e étnica. No entanto, ele é um ser único que se classifica na categoria de ‘raça humana’, sem levar em conta essas especificidades da sua hereditariedade genética.

Sabe-se que algumas regras simples de combinação entre quatro elementos resultam uma infinita relação de códigos genéticos definindo caracteres biológicos dos seres vivos, diferenciando-os uns dos outros; algumas letras de um alfabeto qualquer determinam infinitos vocábulos, frases, expressões, cujas interpretações podem ser as mais diversas possíveis.

Porém, como diz Morin “conhecer a vida não é apenas conhecer o alfabeto do código genético, é conhecer as qualidades organizacionais e emergentes dos seres vivos. A literatura não é apenas a gramática e a sintaxe, é Montaigne e Dosdoievski” (2002, p. 182).

Dessa forma, Morin elabora um macroconceito de unitas multiplex, que estabelece a pluralidade no uno, como ‘unidade complexa’, e a unidade no diverso. Essa unidade complexa é, pois organizada “sob forma de um macroconceito trinitário em volta do qual se dispõe toda uma constelação satélite. Este macroconceito: sistema–inter-relação–organização é (...) indissociável” (ibidem).

É ainda mais difícil pensar o um e o diverso juntos: aquele que privilegia o Uno (como princípio fundamental) desvaloriza o diverso (como aparência fenomenal); aquele que privilegia o diverso (como realidade diversa) desvaloriza o uno (como princípio abstrato). A ciência clássica se fundou no Uno reducionista e imperialista, que rejeita o diverso como epifenômeno ou escória. Ora, sem um princípio de intelegibilidade que perceba o uno na diversidade e a diversidade no uno, somos incapazes de conceber a originalidade do sistema. O sistema é uma compleição (conjunto de partes diversas inter-relacionadas); a ideia de compleição nos conduz à de complexidade quando se associa o um e o diverso. O sistema é uma unidade que vem da diversidade, que liga a diversidade, que traz em si diversidade, que organiza a diversidade, que produz diversidade (2002, p. 182-183). Continua esse autor dizendo que o problema da dialógica que se apresenta é o fato de que “a unidade do sistema não é a unidade do Uno é Uno. Um é ao mesmo tempo uno e não- uno” (2002, p. 183). O próprio uno comporta não apenas diversidade, mas também relatividade, alteridade, incertezas, ambiguidades, dualidades, cisões, antagonismos: “apesar de o ser vivo constituir sistema, não se pode reduzir o vivo ao sistêmico. Reduzir ao sistema é expulsar a existência e o ser. (...) Que pobreza terrível só perceber no ser vivo um sistema. Mas que tolice não ver nele também um sistema” (op. cit., p. 189).

Diz Morin que

... ao princípio dialógico precisamos juntar o princípio hologramático no qual, de uma certa maneira, o todo está na parte que está no todo, como num holograma. De certo modo, a totalidade da nossa informação genética está em cada uma de nossas células, e a sociedade, enquanto ‘todo’, está presente na nossa mente via cultura que nos formou e informou. Ainda de outro modo, podemos dizer que ‘o mundo está na nossa mente, a qual está no nosso mundo’, Nosso cérebro-mente ‘produz’ o mundo que produziu o cérebro-mente. Nós produzimos a sociedade que nos produz. (2010, p. 190).

A partir do momento em que se aceita o cérebro-mente como responsável por produzir o mundo ou, melhor dizendo, produzir conhecimentos sobre o mundo, entende-se também a necessidade da reintrodução do ‘sujeito’, que comporta o cérebro-mente, em todo conhecimento, justamente o próximo princípio do Pensamento Complexo.