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O capítulo que aqui se encerra possui, dentro da arquitetura do presente trabalho, o objetivo de conter alguns conceitos com os quais trabalharemos nos dois capítulos seguintes. Trata-se, pois, de um capítulo introdutório destinado a infelizmente, uma confusão. Se a forma de palavras ‘O homem é mortal’ é na verdade alguma vez usada para dar informação acerca do sentido das palavras ‘homem’ e ‘racional’ então a proposição que esta forma de palavras exprime não é nem analítica nem frívola, mas sintética e informativa ou, na linguagem de Mill, é uma proposição real, porque as palavras, ‘homem’ e ‘racional’ em certo sentido são coisas e o fato de as usarmos tal como as usamos é contingente” (Kneale, W & Kneale, M.: “O desenvolvimento da lógica”, trad. M. S. Lourenço. Pg. 380)

apresentar algumas premissas para muitos dos argumentos que se seguirão. Por isso, podemos estabelecer que, ao contrário dos dois capítulos que se seguirão, este primeiro capítulo muito mais expositivo do que propriamente propositivo. Alguns pontos que serão discutidos nas paginas que se seguirão foram mencionados, mas tão somente de modo a esclarecer e apontar para onde estarão dirigidas nossas considerações nos capítulos seguintes..

Do que foi apresentado aqui, alguns tópicos devem ser salientados, por tratrem-se, ao menos nossos propósitos específicos, das teses millianas mais significativas para as discussões lógico-semânticas que buscaremos explorar a seguir. São elas:

a) tese de a lógica possui duas faces, uma científica na qual os processos psíquicos envolvidos no ato do raciocínio são analisados e outra artística que se constitui num instrumento normativo capaz de orientar os raciocínios corretamente e justificar por meio de razões (embora, ‘razões’, aqui, deva ser entendido num sentido bastante peculiar, graças à natureza, segundo Mill, empírica das regras formais do raciocínio) a adequação das conclusões extraídas a partir de determinadas premissas dadas;

b) a tese de a significatividade dos nomes se estabelece através da carga semântica que eles expressam por meio de sua conotação, o que substitui, com relação ao modelo nominalista-psicológico (conceitualista, como veremos a seguir), elementos psíquicos por conteúdos objetivos no processo de significação;

c) a tese de que as únicas proposições verdadeiramente a priori são as proposições meramente verbais, aquelas que se destinam simplesmente a estabelecer o significado dos nomes conotativos, e que, portanto, nada nos informam sobre o mundo real, mas tratam do universo da linguagem.

No bloco seguinte será exposta a crítica milliana ao conceitualismo, ou seja, à tese de que os significados dos termos da linguagem são entidades mentais. De acordo com nossa hipótese, tal crítica possui uma importância sistemática fundamental, tanto para a organicidade interna do sistema milliano, quanto para os desenvolvimentos futuros da reflexão filosófica acerca da linguagem e sua objetividade.

Capítulo - II

Refutação do conceitualismo

Será aqui apresentada a crítica milliana à tese, corrente na filosofia britânica moderna e cristalizada no Essay concerning human understanding de John Locke, de que os nomes referem-se a entidades mentais e não às coisas mesmas. De acordo com nossa hipótese, a refutação dessa tese representou um importante movimento em favor dos esforços antipsicologistas do final do século XIX. Serão levantadas algumas hipóteses com respeito à natureza do objeto da crença, a partir dos supostos lógicos, semânticos e epistemológicos de Stuart Mill.

II.1. Preliminares

Numa das principais passagens do System of logic, e que para os nossos propósitos possui uma importância fundamental, Stuart Mill refuta aquilo que ele denomina conceitualismo; mais precisamente, ele derruba a tese (que segundo nossa hipótese, é um dos alicerces do psicologismo lógico) de que o significado das palavras são idéias, entidades puramente psicológicas. Rompe, assim, com a tradição psicologizante representada, sobretudo, pela teoria das idéias de John Locke. Se aceitarmos, como já fora sugerido no capítulo anterior, que uma das principais características da filosofia moderna foi seu caráter prioritariamente idealista e subjetivista, e que o advento daquilo que se acostumou chamar de filosofia contemporânea foi determinado pela necessidade de se superar um tal modelo filosófico em favor de uma postura que busca fundamentar a objetividade do conhecimento a partir de categorias lógico-semânticas, então, certamente, teremos que situar a crítica milliana ao conceitualismo como um dos marcos importantes dessa virada histórica. Como foi sugerido no capítulo anterior, seguindo a leitura de Dummet63, foi necessário, em certo sentido, que a filosofia, para superar um modelo

filosófico já agonizante representado pelas diversas formas de idealismo que marcaram o pensamento moderno, efetuasse algo como um passo atrás, na medida em que retorna um ponto de vista que, em muitos aspectos, remonta à tradição escolástica: colocar a lógica e a semântica como prioritárias com relação à epistemologia. Numa importante passagem do An Examination of Sir William Hamilton’s philosophy Mill parece apontar claramente para essa necessidade: ao analisar as diversas teorias acerca do significado das palavras, mais especificamente

com relação ao problema dos universais, Mill aponta o surgimento de uma escola alternativa ao realismo e ao nominalismo, a saber, o conceitualismo64. O

conceitualismo é uma espécie de nominalismo, posição clássica entre os medievais, contaminado pelo espírito subjetivista moderno. E a crítica implacável a esse modelo, que exporemos a seguir, sugere claramente a repulsa, por parte Mill, a esse espírito subjetivista tipicamente moderno, e particularmente presente na filosofia de Locke65. Antes, porém, de analisarmos o teor da crítica milliana ao modelo

semântico conceitualista, convém uma breve apresentação desse modelo em sua roupagem clássica, a saber, no contexto da teoria das idéias de Locke.