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I.4. Teoria da proposição de Mill

I.4.2. Proposições complexas

Após haver oferecido uma espécie de classificação das proposições com respeito à qualidade (afirmativa ou negativa) e estabelecido o papel da cópula nesse

50 “Now the first glance at a proposition shows that it is formed by putting together two names” (idem. I,

i, 2)

51 “It is not unusual, by way of explaning what is meant by a general name, to say that it is the name of a

class. But this, though a convenient mode of expression for some purposes, is objectionable as a definiton, since it explains the clearer of two things by the more obscure. I would be more logical to reverse the proposition, and turn it into definition of the word class: ‘A class is the indefinite multitude of individuals denotede by a general name” (idem: I, ii, 3)

processo, bem como sua função temporal (é, foi, será...), Mill distingue as proposições em hipotéticas e categóricas. Mas, em seguida, trata de esvaziar esta distinção ao declarar não haver, de fato, proposições complexas e que as chamadas proposições hipotéticas, em última análise, podem ser reduzidas à forma categórica. Na realidade, Mill não considera que as partículas “e”, “ou”, “se...então”, como conectivos lógicos, condição para a consideração das chamadas proposições moleculares, e, para cada uma dessas três partículas ele fornece uma explicação em termos distintos.

Em primeiro lugar, “e”, no caso da conjunção, nada mais é do que um artifício estilístico utilizado para abreviar duas ou várias proposições numa expressão mais sucinta52: assim, quando se diz “João e Maria são estudantes” são afirmadas, em

realidade, duas coisas: João é estudante e Maria é estudante. Até aqui, parece não haver muitas diferenças entre o que preconiza a lógica proposicional. Mas deve ser apontado que, de acordo com o ponto de vista milliano, não se pode perguntar pela verdade ou falsidade de “João e Maria são estudantes” como um todo, pois ele não reconhece a função lógica da partícula “e”. É necessário, pois, que se considerem as proposições em separado e se atribuam os valores de verdade em separado. No caso de João ser estudante e Maria não o ser, deve-se considerar uma proposição verdadeira e a outra falsa, mas não a falsidade da proposição como um todo.

52 “At first sight this division (simple and complexes propositions) has the air of an absurdity; a solemn

distction of things into one and more than one; as is we to divide horses into single horses and teams of horses. And it is true that what is called a complex (or compound) proposition is often not a proposition at all, but several propositions, held together by a conjunction. Such, for example, is this: Caesar is dead, and Brutus is alive: or even this, Caesar is dead, but Brutus is alive. There are here two distinct assertions; and we might as well call a street a complex house, as these two proposition a complex proposition. It is true that the syncategorematic words and and but have a meaning; but that meaning is so far from making the two propositons one, that it adds a third proposition to them. All particles are abbreviations, and generally abreviation of propositions” (idem: I, iv, 3)

Com relação à disjunção e ao condicional, o tratamento dado no System of logic é um tanto diferente. Seguindo a tradição silogística, Mill considera ambos os casos como proposições hipotéticas. O primeiro passo nesse sentido consiste em assimilar as proposições disjuntivas à forma condicional. O raciocínio é o seguinte: na proposição “A ou B” o sentido oculto que deve ser clarificado é a condicionalidade da asserção; “A ou B” significaria, assim, “Se A então não B e se B então não A”.53

Temos, então, duas condicionais (des)vinculadas pela partícula “e”, já explicada acima. Como é possível perceber, Mill considera, diferentemente do que ocorre no cálculo proposicional, somente a disjunção exclusiva. Se considerasse a disjunção inclusiva, certamente, não seria possível tal redução, ao menos da forma como realiza.

Falta ainda um passo a ser dado. Reduziu-se a disjunção à forma condicional. No entanto, uma proposição condicional ainda contém, ao menos em princípio, duas proposições como partes constitutivas; usando a terminologia técnica moderna, o antecedente e o conseqüente. A resposta de Mill parte da suposição de que proposições hipotéticas constituem, de acordo com o ponto de vista adotado, uma espécie bastante diferente de proposições categóricas. Isso, porque as proposições hipotéticas não falam nada acerca do mundo, mas somente acerca das próprias proposições. O raciocínio adotado é mais ou menos o seguinte: Quando se afirma “Se A então B”, não se afirma absolutamente a verdade ou falsidade nem de A nem de B. O que se estabelece é uma relação de dependência lógica entre A e B; ou seja, se A for verdadeira então B também o será. Assim, a tradução necessária para se identificar a verdadeira forma lógica de uma proposição condicional deve ser a

53“...the disjunctive form is resolvable into the conditional; every disjunctive propositions being

equivalent to two or more conditional ones. ‘Either A is B or C is D’, means, ‘if is not B, C is D; and if C is not D, A is B’. All hypothetical propositions, therefore, though disjunctive in form, are conditional in meaning; and the words hypothetical and conditional may be, as indeed they generally are, used synonymously” (idem)

seguinte: “Se A então B” significa “B é uma conseqüência de A”54. Neste caso, o

sujeito da proposição como um todo é, por sua vez, uma proposição, o conseqüente do condicional, e o predicado é a propriedade que possui essa proposição de ser inferida a partir do antecedente. Nesse sentido, de acordo com Mill, a complexidade das proposições é um fenômeno apenas aparente; aparência essa que deve ser eliminada pela análise lógica da linguagem.

Mas adiante, em I.4.4, trataremos de uma classe de proposições extremamente importante dentro da arquitetura do sistema milliano: as proposições meramente verbais. Tais proposições, conforme veremos, são aquelas que não nos informam nada acerca do mundo efetivamente, mas tem por objeto a própria linguagem: é a linguagem referindo-se a si mesma. Embora ainda falaremos sobre essas proposições verbais, vale apontar, no presente momento, que as proposições ‘condicionais’, aos olhos de Mill, possuem exatamente este estatuto. Ora, a proposição “se João é paulista então João é brasileiro” não diz, de acordo com a leitura milliana, nem que João é brasileiro nem que João é paulista; aliás, nada diz com relação a João. Afirma que a proposição “João é brasileiro” é uma conseqüência da proposição “João é paulista”. Portanto, fala simplesmente de uma relação de dependência lógica existente entre duas proposições. Fala das proposições e não do mundo real: é, pois, uma proposição meramente verbal que tem por objeto a própria linguagem. O Objeto do discurso numa proposição condicional é o universo lingüístico intermediário entre a subjetividade psicológica e a objetividade física do qual falaremos a seguir.

54 “The subject and predicate, therefore, of an hypothetical proposition are names of propositions. The

subject is some one proposition. The predicate is general realtive name aplicable to propositions; oh this form – ‘an inference from so and so.’ A fresh instance is here afforded of the remark, that particles are abbreviations; since ‘If A is B, C is D,’ is found to be an abbreviation of the following: ‘The proposition C is D, is a legitimate inference from the proposition A is B’” (idem)

Mill oferece também uma classificação das proposições com respeito à quantidade, dividindo-as em universais, particulares e singulares. Segue mantendo, contudo, o mesmo sistema quantificacional aristotélico.