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I.4. Teoria da proposição de Mill

I.4.3. Predicação e nomeação

Citando Hobbes, Mill estabelece que toda proposição verdadeira possui uma característica comum, a saber, que nela, aquilo de cujo termo sujeito é um nome, o termo predicado também o é55. Quando se diz, assim, “todo homem é mortal”, o que

se quer afirmar é que as coisas que são nomeadas pelo termo “homem” são todas, sem exceção, nomeadas pelo termo “mortal”. Se isso de fato ocorre, a proposição é verdadeira. De acordo com seu ponto de vista, não há dúvida de que essa definição de proposição verdadeira é absolutamente aplicável a qualquer tipo de proposição (desde que seja verdadeira, certamente). Entretanto, o problema apontado com relação ao nominalismo está em que, mesmo sendo esta uma característica de todas as proposições, a definição acima não esgota tudo o que, de fato, as proposições em geral significam. Todas as proposições estabelecem uma relação entre nomes e coisas nomeadas, e sobre isso não há dúvidas. Porém, somente algumas poucas proposições têm seu significado esgotado por essa fórmula nominalista, a saber, aquelas em que tanto o termo sujeito quanto o predicado são nomes próprios56 - sem significação, de

55 “In every proposition (say he [Hobbes]) what is signified is, the belief of the speaker that the predicate

is a name of the same thing of which the subject is a name; and if really is so, the propositon is true. Thus the proposition, All men are living being (he would say) is true, because living being is a name of everything of which man is a name. All men are six feet hight, is not true, because six feet hight is not a name of everything (though it is of some things) of which man is a name”(idem: I. V, 2)

56 “The only propositions of which Hobbes’ principle is a suficient account, are that limited and

acordo com os pressupostos millianos57. Quando se diz, por exemplo, que Edson

Arantes do Nascimento é Pelé, está sendo estabelecida uma relação de identidade entre os objetos (ou melhor, o objeto) nomeados pelos termos sujeito e predicado; e esta proposição não afirma nada além disso, uma vez que, por serem ambos os termos nomes próprios, a relação de significatividade mantida entre os nomes e a coisa é arbitrária e artificial, não havendo nenhum outro tipo de ‘processo semântico’ envolvido nas nomeações que protagonizam tal proposição.

No entanto, no caso em que um ou os dois termos são nomes conotativos, a fórmula nominalista não é suficiente. Isso, porque a significação dessas proposições se dá, podemos dizer, em duas etapas: uma no nível da proposição (e aí o esquema nominalista vale sem exceção) e outra no nível dos nomes. A conseqüência disso é a constatação de que existe, por assim dizer, um sentido implícito nas proposições que não é aquele que transparece de forma direta e imediata no enunciado proposicional. Ou seja, o verdadeiro sentido de uma proposição composta por nomes conotativos deve ser obtido por meio de uma certa retradução daquilo que o enunciado expõe de maneira direta. Como já foi mencionado anteriormente, no universo milliano proposições estabelecem relações entre nomes; porém, os nomes referem-se às coisas, e isso em virtude de sua conotação. Por exemplo: a proposição “Sócrates é filósofo” afirma que o objeto denotado pelo nome “Sócrates” é também denotado pelo nome “filósofo”; como esse é realmente o caso, a proposição é verdadeira. Porém, a maneira como o nome “filósofo” refere-se ao seu objeto na proposição é muito diferente da maneira pela qual o nome “Sócrates” o faz. O nome “filósofo” refere-se a Sócrates porque Sócrates possui as propriedades por ele conotadas. Desta forma, o verdadeiro sentido da proposição “Sócrates é filósofo” não se esgota pela fórmula nominalista. A proposição afirma, certamente, que “Sócrates” e “filósofo” são

nomes do mesmo objeto; mas não afirma só isso. Dizer que o objeto denotado por “Sócrates” é denotado também por “filósofo” equivale a dizer algo como o seguinte: o objeto denotado por “Sócrates” possui todos os atributos conotados pelo nome “filósofo”. Ou seja, uma propriedade é atribuída positivamente a Sócrates, e não apenas um nome. O nominalismo manifesto no nível da proposição transforma-se, em certo sentido, numa espécie de realismo no nível dos nomes. Proposições atribuem nomes, mas os nomes atribuem propriedades reais às coisas. Por isso as proposições, em última instância, falam das coisas, e este é o sentido oculto que deve ser identificado nas proposições.

Certamente, as considerações realizadas acima estão longe de serem definitivas ou de terem esgotado os problemas referentes à relação entre o conteúdo semântico da proposição com o conteúdo semântico dos nomes que a compõem. Mas vale salientar mais uma vez que a velha e insuficiente sintaxe proposicional aristotélica, conjugada a uma semântica progressista representada pela teoria da conotação, fornece conseqüências inusitadas. A teoria da conotação, dada à novidade que estabeleceu, mostra-se avançada em demasia com relação a algumas posturas arcaicas defendidas por Mill. Embora o próprio Mill não tenha se dado conta disso, é importante notarmos que seus movimentos ao menos foram responsáveis por tornarem explícitas algumas deficiências da tradição que vieram a ser superadas futuramente. Conforme acredito, a necessidade de ser identificado um ‘sentido oculto, nas proposições – tanto no que se refere à sua estrutura sintática, no caso das proposições complexas, quanto com relação à sua abrangência semântica, como vimos na presente seção – demonstra que Mill está notando, ao seu modo, a necessidade de movimentos teóricos inovadores com relação á lógica de seu tempo. E, certamente, uma das passagens mais importantes, não só da lógica e da semântica

millianas, mas de toda sua filosofia, é a distinção entre proposições reais e

proposições meramente verbais, que veremos a seguir.