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I.2. O conceito milliano de Lógica

I.2.3. Nomes e proposições

Mill aponta uma razão importante para ter iniciado seu System of logic pela análise da linguagem e, mais especificamente, dos nomes: o significado das palavras (ou, no caso, dos nomes) que compõem uma proposição determina o significado das próprias proposiçãos29; e a proposição, esta sim, é o objeto primeiro da lógica, pois

tudo o que pode ser verdadeiro ou falso deve assumir a forma proposicional:

28 Conceitualismo, como veremos no capítulo II é, segundo Mill, uma espécie de nominalismo no qual,

entretanto, os nomes são nomes de idéias e não das coisas mesmas: “A third doctrine arose, wich endeavoured to steer between the two (nominalism and realism). According to this, which is know by the name of conceptualism, generality is not an atribute solely of names, but also of thoughts” (An examination... XXVII)

29 “... there is another reason, of a still more fundamental nature, why the import of words should be the

earliest subject of the logician’s consideration: because without it he cannot examine into the import of Propositions.” (idem, I, i, 2)

Tudo o que pode ser objeto de crença ou não crença deve expressar-se por palavras, e tomar a forma de uma proposição. Toda verdade e toda falsidade jazem numa proposição. O que nós chamamos, por um cômodo abuso de um termo abstrato, de uma verdade, significa simplesmente uma proposição verdadeira, e as falsidades são proposições falsas30.

Como podemos notar, Mill, claramente, está atrelando três conceitos que são absolutamente caros à sua lógica: crença, verdade e proposição. A crença deve supor necessariamente algo que é crido, um objeto intencional ao qual se refira. Quem crê, crê em algo, e esse objeto é o conteúdo objetivo expresso pela proposição. E no que consiste essa referência intencional do ato da crença? Consiste no reconhecimento de um conteúdo objetivo como sendo verdadeiro, consiste na atribuição do valor de verdade verdadeiro a um conteúdo proposicional. Assim, a fundamentação da lógica milliana deve possuir os seguintes estágios: a) uma análise dos nomes, ‘matérias primas’ das proposições; b) uma análise da proposição, portadora da verdade e c) uma análise do raciocínio, mecanismo pelo qual determinadas verdades são inferidas a partir de outras verdades dadas. É esse o caminho seguido por Mill no seu Systemof logic e é com vistas a alcançar esses objetivos que devemos compreender a preocupação prioritária de Stuart Mill para com a linguagem. Ao contrário do que ocorre no modelo lockeano, Mill procura analisar e fundamentar o papel da linguagem a partir de um ponto de vista eminentemente lógico-veritativo. Por isso, a análise da linguagem deve ter por objetivo prioritário a fundamentação sintática e, sobretudo, semântica daquilo que se estabelece como um sentido proposicional, uma vez que é esse sentido o portador da verdade - ou o objeto da crença, como Mill prefere dizer.

30 “Whatever can be na object of belief, or even of desbelief, must, when put into words, assume the form

of a proposition. All truth an all error lie in propositions. What, by a convenient misapplication of a abstract term, we call a Truth, means simply a True Proposition; and errors are false propositions. (idem: I,i,2)

Como já foi mencionado, Mill comunga ainda do instrumental lógico- sintático proveniente da silogística aristotélica. Para ele, portanto, numa proposição, um nome (predicado) é sempre afirmado ou negado de outro nome (sujeito); os termos sujeito e predicado são conectados pela cópula (‘é’, ‘não é’, ou qualquer outra inflexão do verbo ser), que tem também a função de determinar se o predicado é afirmado ou negado do sujeito31. Torna-se evidente, assim, que, para determinar os

tipos de proposições com os quais o pensamento trabalha, é necessário conhecer os tipos de nomes que se compõem em proposições, para, em seguida, poder ser realizado um inventário das próprias proposições. Como veremos, Mill romperá com a tese lockeana de que os nomes referem-se a idéias; portanto, a unidade do sentido proposicional não pode ser estabelecida em termos psicológicos, a partir de processos de associação de idéias. Por isso, o sentido proposicional deverá constituir-se exclusivamente por meio da carga significativa dos nomes que compõe a proposição. A Proposição (entendida enquanto o significado das sentenças) deixará de ser uma ‘entidade psíquica’ como as proposições mentais lockeanas32 para se tornar uma

‘entidade lógica’ cuja fundamentação deve ser exclusivamente semântica. Por isso, para compreendermos como se estabelece o sentido proposicional, uma vez que esse sentido é um complexo obtido a partir da síntese de duas ‘entidades’ que não são mais idéias, é necessário investigar no que consiste a ‘carga significativa’ dos nomes, pois é a partir dela que a proposição irá se estabelecer enquanto unidade de sentido. Certamente, estamos diante de um ponto de vista, em princípio, diametralmente oposto ao de Frege com respeito à relação do sentido proposicional com suas partes. Em Frege, clara e explicitamente, o sentido proposicional é, digamos assim, ‘anterior’

31 “Every proposition consists of three parts: the Subject, the Predicate, and the Copula. The predicate is

the name denoting the person or thing which something is affirmed ou denied of. The copula is the sign denoting that is an affirmation or denial; and thereby enabling the hearer or reader to distinguish a proposition from any others kind of discourse” (idem: I, i, 2)

aos significados das palavras, que só devem ser estabelecidos no contexto da proposição, como a contribuição que realiza na constituição do sentido proposicional33. No entanto, assim acreditamos, tal oposição é, senão falsa, ao menos

apenas parcialmente verdadeira. Há elementos suficientes nos textos de Mill capazes de demonstrar que ele, embora certamente não tenha visto isso com toda a clareza que poderíamos esperar, já antevê a prioridade do sentido proposicional. Mas, seja como for, o que deve ser considerado é que Mill retira do universo psicológico o papel de ser o responsável pela constituição da unidade do sentido proposicional. A proposição se estabelece no âmbito da significatividade dos termos conotativos; é na maneira como os nomes apresentam seus referentes, naquilo que eles conotam, que se encontram os elementos constitutivos do sentido proposicional. No capítulo II, retomaremos este problema a partir da pergunta pelo status da unidade do sentido proposicional em Mill. Mas, por ora, essas considerações nos bastam e nos levam à teoria da conotação.