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I.3. A teoria da conotação

I.3.2. Nomes conotativos e não conotativos

A segunda distinção entre os nomes que será mencionada é também a mais importante que Mill realiza, pois é nela que se encontra o coração de sua semântica. Trata-se da distinção entre nomes conotativos e não-conotativos. Um nome não-conotativo é aquele que se refere a um sujeito ou a um atributo somente; um termo conotativo designa um sujeito e implica um ou mais atributos36. Devemos,

aqui, entender por sujeito tudo aquilo que possua atributos. Exemplos de nomes não-

36 “A non-connotative term is one which signifies a subject only, or an attribute only. A connotative term

conotativos são: João, São Paulo, Brasil; exemplos de nomes conotativos são:

virtuoso, branco, grande. A diferença fundamental existente entre essas duas classes de nomes reside no fato de que uma delas, a primeira, compreende nomes que são atribuídos aos indivíduos arbitrariamente, com o único objetivo de distinguí-lo dos demais, sem, no entanto, apresentar nenhuma informação acerca de seus referentes; são os chamados nomes próprios. A outra classe compreende nomes que referem-se aos indivíduos dos quais podem ser verdadeiramente predicados não por mera associação arbitrária, mas porque determinam um ou mais atributos que os indivíduos em geral devem possuir para que possam ser por eles nomeados37. Um

indivíduo é chamado João por uma livre escolha de seus pais que assim resolveram chamá-lo para distingui-lo das demais pessoas. Em princípio, porém, poderia receber qualquer outro nome sem prejuízo de sua própria natureza, pois o nome “João” não nos informa nada acerca desta natureza. É bem verdade – e Mill deixa isso claro – que pode ter havido algum motivo positivo para que lhe pusessem esse nome, mas ainda assim não se pode dizer que um tal nome seja conotativo:

Um homem pode se chamar João porque esse era o nome de seu pai; uma vila pode se chamar Dartmouth porque está situada na embocadura do Rio Dart; Não há, porém, nada na significação da palavra João que implique que o pai do indivíduo assim chamado também possua esse nome; nem, tampouco, na palavra Dartmouth que esta vila esteja situada na desembocadura do rio Dart. Se a areia viesse a obstruir a desembocadura do rio (...) nem por isso o nome da vila mudaria necessariamente38.

37 Da relação entre a generalidade dos nomes conotativos e a singularidade dos nomes próprios, cuidei em

outro lugar: Nomes próprios gerais no contexto da semântica de J. S. Mill; in: Revista Trans-Form-Ação; vol. 28(1), 2005, pp.67- 83.

38 “A man may have been named John, because that was the name os his father; a town may have been

named Dartmouth, because it is situated at the mouth of the Dart. But, it is no part of the signification of the word John, that the father of the person so called bore the same name; nor even of the word Darthmouth, to be situated at the mouth of the Dart. Is sand should choke up the mouth of the river, or an earthquake change its course, and remove it to a distance from the town, the name of the town would not necessarily be changed”. (idem)

Isso não acontece com os nomes conotativos. Um indivíduo é chamado virtuoso não porque este nome lhe tenha sido atribuído arbitrariamente, mas porque o nome “virtuoso” implica, compreende, indica ou, como Mill prefere dizer, conota um determinado atributo que todo indivíduo deve possuir para que o nome virtuoso

possa dele ser predicado verdadeiramente, a saber, a virtude. Pode-se afirmar, em última instância, que os nomes conotativos são criteriais (segundo Skorupski:

criterial names39) na medida em que fornecem um critério bem determinado que

deve ser obedecido pelos indivíduos que por eles são nomeados. Possuem, pois, uma carga semântica que vai muito além da mera associação arbitrária de palavras aos seus referentes, defendida pelo nominalismo clássico. Nomes conotativos referem-se a indivíduos, mas o fazem através da afirmação de algo que positivamente esses indivíduos possuem. O que existe em comum entre todos os indivíduos denotados pelo nome “homem” não é somente o nome “homem”, mas a posse de uma série de atributos conotados por esse nome. Toda vez que se pronuncia a palavra “homem”, além de se referir diretamente aos indivíduos dos quais essa palavra é nome, refere- se também, indiretamente, a todos os atributos relacionados à humanidade: vida animal, racionalidade, mortalidade etc.. E sabemos que somente a posse de todos esses atributos em conjunto garante a predicação verdadeira desse nome a qualquer indivíduo.

A teoria da conotação traz consigo uma conseqüência bastante significativa no que diz respeito à semântica milliana: que somente os nomes conotativos propriamente têm significação ou, o que vem a ser o mesmo, que a significação dos nomes é determinada por aquilo que eles conotam e não pelo que

39 “To know the meaning of a general name like ‘white’, or ‘round’ is to know how to tell whether a thing

is white or round. ‘White’ and ‘round’ are given a use in the language by being associated with criteria. Grasping the meaning of such name, at least in the primitive case, is graspoing what facts about an object would warrant predicating the name of it. Let us call such criterial names” (Skoruspiki. J.: John Stuart Mill. Pg. 57)

eles denotam40. O significado da palavra “homem”, por exemplo, não depende e não

se relaciona aos indivíduos que são verdadeiramente chamados de homem, mas à carga semântica que o nome carrega consigo, determinada justamente pelos atributos que conota. O significado de um nome conotativo é a sua conotação. O argumento para a sustentação desta tese baseia-se no fato de que nomes de diferentes conotações podem ter a mesma denotação e, no entanto, não têm o mesmo significado41.

Portanto, o significado não pode ser relacionado, utilizando uma expressão fregeana, à referência do nome, àquilo que o nome propriamente denota. Ao contrário disso, significação é algo que se relaciona à maneira como o referente é denotado. Significar é um processo que depende, agora, de elementos objetivos e eminentemente semânticos, e não mais da mera associação arbitrária. É a carga semântica que o nome efetivamente trás consigo em sua conotação quem efetivamente possibilita e determina a relação dos nomes com as coisas nomeadas. Não se trata mais de postular uma instância psíquica mediado a relação do signo com o mundo real (ou um suposto mundo real, como quer Locke). Não se trata mais de submeter a semântica à psicologia, mas de dotar a semântica de uma autonomia até então incomum na história da filosofia.

Vale apontar também que o elemento de arbitrariedade existente e determinante na semântica lockeana42 perde toda sua força no contexto milliano. Os

nomes são, de fato, escolhidos ao acaso e a relação do nome com a coisa nomeada não é absolutamente natural e necessária, mas arbitrária e contingente.

40 “From the preceding observations it will easily be collected, that whenever the names given to objects

convey any informations, that is, whenever they have propely any meaning, the meaning resides not in what they denote, but in what they connote. The only names of objects which connote nothing are proper names; and these have, strictly speaking, no signification” (idem; I, ii, 5)

41 Salta aos olhos, aqui, o parentesco entre a posição de Mill e a teoria fregeana do sentido e referência.

Infelizmente, não foi possível incluir nesse volume um capítulo tratando desta relação. Espero, porém, no momento oportuno, poder publicar algum material sobre este tema.

Determinados objetos do mundo são referidos pelo termo geral “mesa” mas, em princípio, poderia ser qualquer outro termo – e, de fato, em outros idiomas isso ocorre. Mas isso - a escolha dos nomes - só é realmente muito relevante numa semântica da substituição, como a de Locke, na qual o nome é uma marca sensível que substitui uma idéia não sensível. Já no caso de uma teoria semântica como a de Mill, baseada no conceito de conotação, o que menos importa é qual o termo, o símbolo, utilizado como nome geral e as leis psicológicas da associação que explicam a relação entre um nome e seu referente, mas o que propriamente esse nome conota. Se o termo é “mesa”, “table”, “bicicleta” ou “tatatá”, isso é o menos importante para sua sigificatividade. O que realmente importará e determinará a significação do nome serão os atributos que ele conota. E uma vez identificados esses atributos conotados, podemos dizer, o nome significa ‘por si só’, pois exprime seus próprios critérios objetivos de nomeação, sem referência a processos psíquicos de associação.

Há uma característica da teoria milliana da conotação que será apenas mencionada aqui, mas que, infelizmente, não será explorada como deveria: teoria milliana da conotação promove uma espécie de ‘revolução copernicana’ na maneira como os nomes se relacionam com seus nomeados. Numa semântica da substituição, como parece natural, os nomes são, digamos assim, atribuídos aos seus referentes. Usando uma imagem, são os nomes que ‘vão’ até seus referentes, são atribuídos e adicionados a eles como um rótulo é adicionado a uma garrafa ou uma marca de giz é colocada na fachada da casa, tal como ocorre nas mil e uma noites43. Coisas (ou, no

caso de Hobbes e Locke, idéias) recebem nomes, e isso se deve exclusivamente àquele elemento de arbitrariedade mencionado a pouco. Ora, no caso dos nomes

43 Mill associa (I, ii, 5), na forma de uma analogia, a atribuição de nomes próprios (não conotativos) ao

procedimento do ladrão das mil e uma noites que marcou com um “x” a casa que gostaria de assinalar. No entanto, como tal marca foi realizada arbitrariamente e sem nenhum conteúdo descritivo suposto, ela deixou de cumprir sua função quando todas as outras casas foram marcadas da mesma forma.

conotativos, não é isso o que acontece. Uma vez determinada a carga semântica pela conotação dos nomes, serão os objetos que, de acordo com sua própria determinação ontológica, de acordo com os atributos que positivamente possuem, quem se adequam ou não ao nome. São os objetos que ‘vão até o nome’ e não o contrário. Um nome conotativo determina por si só, ou seja, pela sua significação, que objetos podem ou não ser ‘atribuídos’ a ele. Isso que acabamos de apontar, talvez mereça ser analisado com mais cuidado (certamente em outro lugar) porque, ao que parece, ela possui uma característica, em certo sentido, similar à maneira como funciona, na lógica de predicados fregeana, a relação entre conceitos e objetos. Conceitos, em Frege, são entidades insaturadas que precisam ser preenchidas por algum objeto para que se estabeleça um sentido proposicional: conceitos são preenchidos por objetos. Aqui, os nomes conotativos impõem critérios objetivos capazes de permitir que as coisas do mundo sejam abarcadas pelo nome. O nome conotativo ‘contém’ na forma de possibilidades todos as coisas que são aptas a serem por ele nomeadas, tal como o

conceito fregeano ‘contém’, a partir da generalidade que expressa, os objetos que caem sob ele. Tal problema, no entanto, não será desenvolvido aqui; foi apresentado somente enquanto uma hipótese a ser pesquisada futuramente.

A distinção entre nomes conotativos e não conotativos e, mais especificamente, o conceito de conotação como associado à posse, por parte dos objetos, de determinados atributos conotados, leva-nos a uma outra importante distinção milliana com respeito aos nomes: nomes concretos e abstratos.