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No espectro da representação política e em ambiente democrático, o que pudemos diagnosticar com a pesquisa realizada foi que, de fato, os partidos políticos assumiram papel de relevo ao longo da história, consolidando o instrumento mediador necessário à fluidez do exercício do poder político.

Assumiram viço próprio e único à bandeira de uma governabilidade democrática plena, justificando a razão da assertiva de que não há democracia sem partidos políticos, sem a legitimação de um sistema partidário que lhe dê suporte. Aliás, até o governo de base autocrática reclamou, do partido político, força para a sua prospecção, ainda que sob o viés de uma base unipartidária, pré-estabelecida e altamente fortalecida.

A ligadura que conquistaram com o sistema eleitoral vigente perpassa a ideia de que, por mais que existam outras formas de expressão política, quer individuais, quer por grupos de pressão, numa democracia o processo de eleições implica na existência de partidos políticos, sendo deles também dependentes, justamente porque bem desempenham o papel de intermediários no jogo político, promovendo a busca por um equilíbrio entre os diversos interesses e forças que se coexistem aos olhos dos atores políticos envolvidos: eleitores, candidatos, eleitos e governantes.

A nosso ver, enxergar o retorno das candidaturas avulsas neste cenário como mecanismo capaz de se alcançar mesmo engendramento de forças e de eficácia de resultados é bastante diminuta, ao menos frente à experiência brasileira.

Como bem destacado por PANEBIANCO, visto ao longo da pesquisa, antes mesmo da formação dos necessários partidos políticos, os vetores que o precedem – por ele denominados de “recursos do poder” – exigem harmonia contínua entre a competência do especialista de bem manejar as relações político- organizativas internas e externas (político-parlamentar qualificado) e o ambiente de um modo geral, notadamente institucional e parlamentar em si, controlando suas importantes zonas de incerteza, com, inclusive, capacidade plena à definição de estratégias eleitorais suficientes a suportar todas as relações ambientais diretas. Dependem, portanto, de uma estrutura composta por uma cadeia de filiados e simpatizantes para que o almejado poder de decisão fosse obtido.

No Brasil, verificamos que a candidatura avulsa foi admitida a partir do Código Eleitoral de 1932 e pouquíssima ressonância, no polo da representação política, tiveram os seus candidatos. Para o Governo Central, por exemplo, todos os Presidentes da República ou eram filiados diretamente a partidos políticos, ou dependeram da impulsão de uma base partidária para que alcançassem o poder.

Daí a razão, certamente, para que os partidos políticos figurassem tema unânime de estudo pelos juristas à época, notadamente quando de sua dissolução pelo Decreto-Lei nº 37, de 2 de dezembro de 1937. Uma dissolução, vale ponderar, sentida pelo próprio Presidente Getúlio Vargas ao sinalizar a necessidade de criação de uma organização nacional capaz de dar suporte e sustentação ao seu regime autoritário de governo, como se partido único, verdadeiramente, fosse.

As agremiações partidárias, diferentemente das candidaturas avulsas, conseguiram se restabelecer em 1945, com o Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio, o novo Código Eleitoral batizado como “Lei Agamenon”.

Observada por outro ângulo, no que tange à formação e organização do sistema partidário, a democracia brasileira consolida um ambiente bastante rico para análise.

NUNES LEAL já havia adiantado tal importância e, de fato, em matéria eleitoral-partidária, o Brasil viu de tudo um pouco. Os partidos políticos, quando autorizados a existirem pelo regime jurídico da ocasião, tiveram de conviver lado a lado com as diversidades dos inúmeros sistemas eleitorais implantados, como o voto distrital, o majoritário de um e dois turnos, o proporcional com lista aberta e fechada, causando-lhes inúmeras instabilidades quando das suas formações, quer sejam bipartidaristas ou multipartidaristas, de característica regionalizada ou nacional.

Assim, com razão, JEHÁ, na assertiva de que o sistema partidário se desenvolveu de modo absolutamente irregular e descontinuado, consoante quadro dos inconstantes sobressaltos da vida das instituições políticas nacionais431. De fato.

O fator negativo que parece ter preponderado nessa formação tem relação com a cultura da oligarquização imposta pelas elites tanto na busca quanto na permanência do poder político. O arranjo eleitoral e, logo, partidário, se voltava a estabelecer reino seguro a seu favor.

431 JEHÁ, Pedro Rubez. O processo de degeneração dos Partidos Políticos no Brasil. 2009. Tese

(Doutorado em Direito do Estado) – Universidade de São Paulo: Faculdade de Direito, São Paulo, 2009. p. 34.

Relendo a história, notamos que a extrema oligarquização do poder preponderou de forma indireta por quase toda a República. O sistema eleitoral censitário e restrito lhe dava guarida no Império, assim como a imposição de cláusulas de desempenho – as reconhecidas cláusulas de barreira sobre a atuação partidária no cenário político – ajudava a limitar o poder, cerceando a livre criação e organização das agremiações partidárias na República. Adicionava-se a isso a forçosa implantação do bipartidarismo no governo militar de 1964 a 1985 ou a própria aniquilação das instituições políticas e, consequentemente, dos partidos políticos, seus atores principais.

Enfim, poucos foram os momentos de ocorrência de um pluralismo político no sistema eleitoral-partidário brasileiro, como o experimentado na atualidade, por advento e consagração da atual Constituição Federal.

Pensamos, por isso, que as diversas restrições impostas ao livre exercício das opções políticas pelo destinatário do poder – o povo – podem permanecer culturalmente impregnadas nos modelos já experimentados se reimplantados, obstando a eficácia plena da livre expressão democrática conquistada com o atual ordenamento jurídico-constitucional.

Tomando-se, por exemplo, o sistema distrital, embora não tivesse configurado tema objeto central desta pesquisa, os efeitos causados sobre a organização partidária, melhor dizendo, sobre o processo eleitoral como um todo, se evidenciaram significativamente maléficos.

Silenciosamente, promovia-se a seletividade das forças políticas a favor das oligarquias locais que se formavam por dependência dos benefícios que o poder central lhes garantia auferir, reafirmando a veracidade da máxima defendida por ARISTÓTELES de que o mau governo só é mau porque feito por poucos e influenciando muitos. A confiança na pessoa do “chefe” ou do “candidato popular”, movido por um impulso personalístico ou patriarcal, de confiança do eleitorado nos coronéis era muito superior do que os programas dos partidos políticos432. O partido

se apresentava como mero figurante e não como o lócus apropriado para se filiar e concorrer, livremente, como candidato nos pleitos eleitorais.

432

“O povo do interior ainda confia mais na ação dos chefes próximos do que na promessa dos oradores distantes”, conforme ARINOS DE MELO FRANCO. Afonso. História e Teoria dos

Assim, com otimismo, verifica-se o tratamento cauteloso que vem sendo adotado à atuação dos partidos políticos em sede de reforma política, inclusive quando da alteração do sistema eleitoral. As ponderações de valores que se tem firmado, certamente, não cooperam apenas pela garantia das conquistas de uma representação política plena, livre de interferências no amplo direito de escolha do eleitor pelo seu candidato, mas, sobretudo, homenageia o princípio do pluralismo político agasalhado por nossa Constituição Federal atual.

Afinal, é o partido político no cenário político-eleitoral mundial, quiçá brasileiro, que se coloca como o instrumento essencial para que a representação política seja efetivada, respaldando mais e mais o vigor e o brilho das democracias.

Criticados ou não, através dos partidos é que o jogo de poder, em clima de beligerância, se sustenta. Recebem do ambiente social a árdua tarefa de “autodeterminá-lo”, contribuindo tanto com a formação da opinião pública quanto com a realização de uma vontade geral que se consolida a partir das múltiplas vontades particulares vivificadas no dia a dia. E assim, permitem que a fraqueza do ser humano de realizar, sozinho, a tarefa do bem comum seja suprida433.

Em razão de todo o exposto, portanto, mais do que justo, merecidas são a existência, organização e funcionalidade de toda e qualquer agremiação partidária, pelo regime jurídico que se edifica a lhe garantir plena e constante oxigenação, sempre.

433 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os Partidos Políticos nas Constituições Democráticas: o

Estatuto Constitucional dos Partidos Políticos no Brasil, na Itália, na Alemanha e na França. Imprensa da Universidade de Minas Gerais: Revista Brasileira de Estudos Políticos; Estudos Sociais e Políticos, vol. 26, 1966. p. 55-56.