CAPÍTULO IV – MUDANÇA INSTITUCIONAL EM DILMA I
4.4 Conclusão
O capítulo debruçou-se sobre três eixos de análise. Primeiro, fez uma breve cronologia dos principais acontecimentos políticos do primeiro governo Dilma, identificando os maiores problemas dentro da coalizão governista na Câmara.
Segundo, identificou os mecanismos pelos quais a medida provisória se afigurava para o governo como importante instrumento de governabilidade no rito antigo, e como esses mecanismos foram desarranjados a partir da decisão do STF em 2012. Mecanismos como o controle da distribuição das relatorias, a seleção do perfil do relator e o controle de texto, os quais permitiam ao governo o controle do processo decisório das MPs, deram lugar ao rodízio dos relatores e a um processo legislativo disperso e marcado por pontos de veto.
O rastreamento de processo com o objetivo de buscar mecanismos causais constituiu importante avanço na literatura sobre medidas provisórias no Brasil, posto que a maior parte dos estudos lidavam com dados agregados, sob a perspectiva ou da teoria da delegação, ou da teoria da ação unilateral. Ao identificar mecanismos causais e suas formas de operação, e também como eles foram desarranjados após um choque externo no governo Dilma (a decisão do STF), a pesquisa abre uma linha de investigação futura, possibilitando estudos sobre esses mecanismos em outros governos.
Por fim, o terceiro eixo de análise do capítulo investigou a relação dos dois elementos anteriores, mostrando como a mudança no rito da MPs contribuiu para tirar força do Executivo e acentuar a deficiência da relação do governo com o Congresso.
A hipótese conta com uma evidência forte – o aumento exponencial do número de vetos apostos às medidas provisórias aprovadas pelo Congresso. Esse indicador sinaliza que o governo teve diminuído seu controle sobre o processo de conversão em lei das medidas provisórias, e que as MPs passaram a ser fonte de conflito para a coalizão, visto que os vetos presidenciais contribuem para desgastar a relação do governo com a base.
O rastreamento de processo, mediante o encadeamento temporal de eventos, reforçou a hipótese. A análise detalhada de quatro eventos selecionados conforme as entrevistas e a observação participante indicaram a relação entre a mudança institucional e o desgaste da coalizão. Utilizar o rastreamento como ferramenta analítica tem a vantagem de considerar fortemente o contexto na pesquisa, permitindo levar em conta diversas variáveis, como as manifestações de junho de 2013, a piora do cenário econômico e o ciclo eleitoral.
Ademais, a riqueza de detalhes e o encadeamento temporal dos eventos permitem que os efeitos da variável institucional analisada (a mudança no rito de MPs), sejam melhor identificados e, na medida do possível, separados de outras variáveis.
Nesse sentido, diversas evidências foram se incorporando para sugerir a confirmação da hipótese, como a mudança clara na estratégia legislativa do governo após a MP dos Portos, a confusão no setor elétrico após as MPs nºs 579 e 605, a participação efetiva da oposição na MP nº 617, e o maior poder de barganha do Congresso, especialmente de alguns atores como Eduardo Cunha. Entrevistas com atores-chave do processo igualmente sugerem que o impacto da alteração institucional foi grande na coordenação da base.
A mudança institucional operada por decisão do STF em 2012 desarranjou a dinâmica decisória estabelecida para apreciar o principal instrumento legislativo do governo, o que contribuiu para a deterioração política do governo. O novo rito passou a potencializar conflitos, dando armas a atores importantes. A Figura 9 apresenta o resumo dos eventos analisados e a sequência percorrida até se chegar ao desgaste na coalizão.
As dificuldades do governo com o novo rito de tramitação das medidas provisórias não se encerraram no primeiro mandato, mas continuaram em 2015. Além dos mecanismos que aumentaram o custo de aprovação das MPs com a inclusão das comissões, como o rodízio de relatorias, a dispersão do processo decisório e o aumento do número de vetos, em 2015 o governo levou adiante a pauta impopular do ajuste fiscal. O Capítulo 5 continua a investigação do governo Dilma sob a ótica das medidas provisórias, enfatizando agora o segundo mandato e os efeitos da impossibilidade de reedição das MPs, mudança feita pela EC nº 32/2001, a qual limitou o poder das medidas provisórias em momentos de crise fiscal e pode levar a efeitos colaterais, conforme se verá adiante.
Alteração no rito de MPs Relatorias divididas entre PT e PMDB Acordo para rodízio de relatorias Perda de discricionariedade do governo Maior liberdade dos relatores
Aumento dos pontos de veto
Processo decisório mais difícil nas
comissões
Câmara perde a primazia no processo
MP perde força como instrumento de coordenação horizontal Dificuldade para o governo coordenar e mobilizar a base Maior custo de aprovação MP dos Portos
Código de Mineração por
PL Mudança da estratégia legislativa
Veto a emendas de Eduardo Cunha Obstrução cruzada e Obstrução à LDO Resolução dos Vetos
Liberação de emendas aos parlamentares / Constrangimento força para a PEC
PEC Orçamento
Impositivo
Maior autonomia do
Legislativo Aumento do número de vetos
Prazo mínimo de 7 dias no Senado Perda de vigência da MP 605: Insegurança no setor elétrico Aumento do número de vetos Descontentamento da base
Figura 9 – Cronologia do desgaste do governo Dilma após mudança no rito de MPs Elaboração própria
EVENTOS POLÍTICOS
EVENTOS LEGISLATIVOS
Mar/2012 Out/2012 Fev/2013 Mai/2013
Fev/2013 Jun/2013 Fev/2013 Jul/2013 Fev/2013 Fev/2014 Fev/2013 Out/2014 Fev/2013 Rejeição de Bernardo Figueiredo Manifesto da bancada do PMDB Troca da coordenação política no Congresso
Eleições municipais Manifestações da Petrobrás Criadas CPIs
populares Renan Calheiros na presidência do SF e Henrique Alves na presidência da CD CD: Manifesto da bancada do PMDB Formação do Blocão
Eduardo Cunha eleito líder do PMDB : Dilma reeleita: mudanças na política econômica Avanço da Lava-Jato Desgaste na coalizão Perda de popularidade de Dilma Fortalecimento de Eduardo Cunha