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CAPÍTULO II – MEDIDAS PROVISÓRIAS

2.4 Medidas provisórias no governo Dilma (2011-2015)

Dilma fez amplo uso das medidas provisórias em seu governo. No primeiro mandato (2011-2014), Dilma lançou importantes programas por intermédio de MPs, como o programa de parcelamento de tributos federais – Reintegra (MP nº 540/2011), o programa de concessão de aeroportos (MP nº 551/2011), o Plano Brasil sem Miséria (MP nº 570/2012), o Marco Legal dos Portos (MP nº 595/2012), a desoneração da cesta básica (MP nº 609/2013) e o Programa Mais Médicos (MP nº 621/2013). A partir da reeleição em outubro de 2014 e por todo o segundo mandato, grande parte das MPs girou em torno da temática do ajuste fiscal e da crise econômica, como as mudanças na pensão por morte e auxílio-doença (MP nº

664/2014), mudanças no abono salarial e seguro-desemprego (MP nº 665/2014) e o Programa de Proteção do Emprego (MP nº 680/2015).

Dois fatos notórios relacionados às medidas provisórias marcaram o governo Dilma. O primeiro foi a tramitação da PEC nº 11/2011, de autoria do então Presidente do Senado, senador José Sarney (PMDB-AP). Ainda no começo do primeiro mandato, as críticas com relação ao excesso de MPs se avolumaram e ganharam corpo principalmente no Senado, Casa prejudicada com o rito de tramitação, como anteriormente referido.

Diversos senadores reclamavam do prazo exíguo de análise das MPs aprovadas na Câmara18. Diante disso, Sarney apresentou projeto para alterar o rito das medidas provisórias, a PEC nº 11/2011. A proposta estabelecia prazo de 55 dias para a análise da Câmara, findos os quais a matéria seria enviada ao Senado. A ideia era colocar Câmara e Senado em pé de igualdade no processo de análise das medidas provisórias. A proposta foi relatada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), que tentou incluir emenda para mudar a vigência imediata das MPs.

Pela proposta de Aécio, a medida provisória só teria efeitos jurídicos após a aprovação da admissibilidade dos pressupostos de relevância e urgência por uma comissão mista permanente. Essa nova regra mudava totalmente o jogo político.

Foi um grande teste para a articulação política do jovem governo Dilma a alteração da PEC nº 11/2011 nos termos propostos por Aécio Neves. Ciente de que não teria capital político para barrar a proposta, o governo lutou pela aprovação da proposta original de Sarney19. Aécio acabou recuando com a emenda, e seu parecer foi aprovado na comissão em maio de 2011. A proposta teve tramitação bastante acelerada, sendo aprovada em segundo turno em agosto do mesmo ano. Apesar de não ter sido aprovada a emenda que alterava a regra de vigência imediata, e apesar de a PEC nº 11/2011 não ter tido seguimento na Câmara, o tema da alteração do instituto das MPs perpassou todo o governo Dilma.

O segundo fato que marcou o governo Dilma foi justamente a mudança institucional promovida pela decisão do STF de março de 2012, que determinou a obrigatoriedade de parecer por comissão mista antes da análise das medidas provisórias em plenário. Como mencionado, essa mudança do rito alterou a dinâmica política já estabelecida no tocante à apreciação das medidas provisórias no Congresso. Na prática, Dilma passou a usar um instrumento legislativo diferente de Lula, eis que as medidas provisórias passaram a ter

18 Líderes reclamam por terem que votar com prazo vencido. Jornal do Senado. Brasília, 9 mar. 2011.

19 SOUZA, Josias. Projetos mais polêmicos avançam à revelia de Dilma. 23 jun. 2011. Disponível em <http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/arch2011-06-01_2011-06-30.html>. Acesso em 23 mai. 2016.

delineamento formal distinto do vigente no governo anterior. Por isso essa mudança institucional deve ser mais bem entendida, já que possivelmente teve impactos na relação Executivo-Legislativo.

O uso das MPs por Dilma foi alto, embora tenha sido menor que os dois governos Lula em níveis absolutos. A Tabela 1 mostra a edição e o resultado das medidas provisórias nos dois governos Lula e Dilma. A comparação entre Lula e Dilma justifica-se pois foram os únicos presidentes a lidar com as medidas provisórias nos moldes da EC nº 32/2001 em todo o período de seus governos.

Tabela 1

Relação de MPs por governo

Lula I Lula II Dilma I Dilma II*

MPs editadas 239 180 145 43 Aprovadas 216 151 108 30 Perda de Vigência 9 16 36 5 Rejeitada 10 7 0 1 Prejudicadas / Revogadas / Não Concluídas** 4 6 1 7 Taxa de edição/mês 4,98 3,75 3,02 3,58 Taxa de aprovação 0,90 0,84 0,73 0,69

* Considerando apenas as MPs editadas em 2015.

** No governo Dilma II, 6 MPs não tiveram sua tramitação concluída até o afastamento de Dilma em 12 de maio de 2016.

Fonte: Presidência da República e Senado Federal

Dilma editou em média três medidas provisórias por mês em seu primeiro mandato, média inferior aos dois mandatos de Lula20, mas ainda elevada. Nota-se gradativa diminuição das taxas de aprovação das MPs ao logo dos governos. Nota-se, também, mudança na natureza das derrotas governamentais. Poucas medidas provisórias perderam vigência por decurso de prazo no governo Lula em comparação com sua sucessora. No primeiro governo Dilma, apesar de nenhuma MP ter sido rejeitada no voto, 36 MPs perderam a validade por decurso de prazo.

Embora Lula tenha editado um total de 239 MPs em seu primeiro governo – quase cinco a cada mês –, o Congresso aprovou mais de 90% delas. O quadro é bastante diferente com Dilma. Apesar de ter editado número bastante inferior de medidas provisórias em relação ao governo Lula I, Dilma I conseguiu aprovar somente 73% delas. Os dois governos contaram

20 Apesar do número menor de MPs, há de ressaltar a prática comum no governo Dilma de unir assuntos diferentes em uma mesma medida provisória, reduzindo o total de MPs editadas. Trata-se de aspecto relevante que merece ser melhor compreendido.

com coalizões majoritárias, capazes de aprovar qualquer MP. A diferença nos resultados pode guardar relação com o gerenciamento da coalizão.

A Tabela 2 mostra a estratégia legislativa dos governos Lula e Dilma apresentando a média da taxa de confiança em decreto para cada período. Esse indicador, utilizado por Pereira, Power e Rennó (2005), mede, mensalmente, a proporção de medidas provisórias editadas em comparação com toda a iniciativa legislativa presidencial, incluindo projetos de lei ordinária, projetos de lei complementar e também MPs.

Foram desconsiderados os projetos de lei complementar no cômputo da iniciativa legislativa mensal do presidente, uma vez que após a EC nº 32/2001, não é possível editar medida provisória sobre matéria reservada a lei complementar, o que faz com que a escolha pelo instrumento legislativo, nesse caso, deixe de ser parte de uma estratégia política para seguir uma adequação constitucional. Além disso, foram desconsideradas as matérias de natureza orçamentária, excluindo-se, portanto, as medidas provisórias que abrem crédito extraordinário, bem como projetos de lei de crédito adicional ou suplementar.

Tabela 2

Média da taxa de confiança em decretos por governo

Governo Ano MPs* PLs** Confiança

em decretos Lula I 2003 53 34 0,61 2004 63 57 0,53 2005 25 48 0,34 2006 39 36 0,52 Lula II 2007 52 34 0,60 2008 35 65 0,35 2009 22 59 0,27 2010 34 5 0,87 Dilma I 2011 31 30 0,51 2012 36 19 0,65 2013 27 31 0,47 2014 23 3 0,88 Dilma II 2015 37 22 0,63 * Desconsiderando as MPs orçamentárias ** Desconsiderando os PLs orçamentários Fonte: Presidência da República

Observa-se que, mesmo editando menor número de medidas provisórias em termos absolutos, Dilma dependeu mais desse instrumento em sua estratégia legislativa. A média da taxa de confiança em decretos nos dois governos Lula girou em torno de 50%, subindo para 63% no primeiro mandato de Dilma e mantendo o mesmo valor em 2015.

A análise anual das medidas provisórias no governo Dilma pode ser observada na Tabela 3:

Tabela 3

Relação de MPs no governo Dilma

2011 2012 2013 2014 2015

MPs editadas 36 45 35 29 43

Aprovadas 29 38 26 15 30

Perda de Vigência 6 7 9 14 5

Rejeitada 0 0 0 0 1

Revogadas / Não Concluídas* 1 0 0 0 7

Taxa de edição/mês 3,00 3,75 2,92 2,42 3,58

Taxa de aprovação 0,81 0,84 0,74 0,52 0,70

* 6 MPs editadas em 2015 não tiveram sua tramitação concluída até o afastamento de Dilma em 12 de maio de 2016

Fonte: Presidência da República e Senado Federal

A análise dos dados acima mostra processo paulatino de perda de força do instrumento legislativo. Há uma piora mais acentuada da taxa de aprovação em 2013, até se chegar ao catastrófico ano de 2014, quando o Executivo conseguiu aprovar apenas quinze das 29 MPs editadas. É verdade que o acirrado ano eleitoral esvaziou boa parte do trabalho do Congresso em 2014, inviabilizando o andamento de medidas provisórias consensuais, como a que reajustava a tabela do Imposto de Renda (MP nº 644/2014). Ainda assim, não há como esconder o péssimo saldo para o governo.

Antes da instituição das comissões mistas, a taxa de edição de MPs foi de 2,42 por mês, passando para 2,26 após o funcionamento dos colegiados (desconsiderando as MPs orçamentárias). Já a taxa de aprovação, que era de 0,82 antes da decisão do STF, caiu para 0,72 após a decisão.

As tabelas apresentadas permitem vislumbrar deficiência no gerenciamento da coalizão no governo Dilma; afinal, o número alto de medidas provisórias não convertidas em lei e a aparente mudança de estratégia legislativa em meados do mandato não são compatíveis com um governo majoritário. Por isso cabe fazer uma investigação do governo Dilma com enfoque nas medidas provisórias como instrumentos de governabilidade e gerenciamento da coalizão. O estudo de caso a ser aqui trabalhado poderá fornecer informações sobre a nova dinâmica decisória estabelecida após a decisão do STF em 2012, bem como sobre elementos institucionais que possam ter contribuído para a crise política do governo Dilma que resultou no impeachment.