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CAPÍTULO III – METODOLOGIA

3.2 Teorias e hipóteses

Ao investigar aspectos da realidade social, é importante que o pesquisador seja guiado por algum modelo conceitual, implícito ou não, que ajuda a ordenar os dados e direcionar a análise (ALLISON; ZELIKOW, 1999). Evidentemente, o completo desconhecimento sobre

um objeto de estudo pode fazer com que a pesquisa adquira um caráter indutivo, explorando terreno ainda não abarcado por nenhuma teoria. No entanto, mesmo nesses casos é relevante especificar alguma abordagem teórica que servirá de pressuposto para o entendimento das relações causais do fenômeno estudado.

A presente pesquisa trabalhou dois fenômenos da realidade política, o presidencialismo de coalizão, mais abrangente, e as medidas provisórias, mais específico. Em ambos os temas, não se pode falar propriamente da existência de teorias explicativas, como um conjunto sistemático de proposições relacionadas que explicam o fenômeno analisado (BABBIE, 1995). O que existem são diversas abordagens teóricas que explicam aspectos dos respectivos objetos de estudo, sem necessariamente exauri-los ou gerar hipóteses.

Com relação ao presidencialismo de coalizão, o Capítulo I mostrou a existência de pelo menos quatro abordagens distintas sobre o fenômeno no Brasil (RENNÓ, 2006). Adotou- se a abordagem contingencial, dos processos individualmente dirigidos, como pressuposto da presente investigação, considerando a habilidade política do presidente uma variável fundamental para o funcionamento do presidencialismo de coalizão.

O sucesso da coalizão irá depender de como o presidente utiliza os instrumentos à sua disposição, como a formação do ministério (AMORIM NETO, 2000), a distribuição de recursos (RAILE et al., 2006) e os poderes legislativos (AMORIM NETO, 2006; PEREIRA

et al., 2005). Essa corrente não é sistematizada com um corpo teórico robusto, mas é fruto de

trabalhos de cunho empírico que enfatizam a atuação do governo dentro da estrutura institucional. Por isso mesmo, não gera um conjunto de hipóteses específicas e testáveis. Ainda assim, adotá-la como pressuposto direcionou a investigação para fatores contingentes na análise dos eventos e dos dados. Ao se tomar como base a corrente contingencial, o diagnóstico teórico para a crise política no governo Dilma aponta um problema principalmente de governo, de má utilização dos recursos de gerenciamento da coalizão.

A abordagem teórica adotada para explicar o presidencialismo de coalizão levou a pesquisa necessariamente a adotar uma visão similar como base explicativa para as medidas provisórias. Se a natureza da relação entre Executivo e Legislativo depende de como o presidente administra a coalizão, então a medida provisória será instrumento ambíguo dentro da caixa de ferramentas presidencial. As MPs são ferramentas legislativas que podem ser utilizadas para coordenar e garantir apoio de uma coalizão partidária ou para impor a preferência política do presidente e ser um fator de conflito dentro da base governista. Nessa linha, tanto a visão da ação unilateral quanto a teoria da delegação podem conviver (PEREIRA et al., 2005).

Por esse motivo, mais importante é definir os mecanismos pelos quais o governo consegue coordenar a coalizão mediante as medidas provisórias, ou então os mecanismos pelos quais a medida provisória se torna fator de desestruturação da base.

Essa abordagem de ambiguidade em relação às MPs não possui lastro teórico consolidado, mas pode ser deduzida a partir de outros estudos. Quando a teoria não possui hipóteses claras, a pesquisa pode servir a propósitos heurísticos, ajudando a enxergar variáveis ou mecanismos causais, e também permitir o desenvolvimento teórico (GEORGE; BENNET, 2005). Esse parece ser o caso em tela, onde abordagens teóricas explicam parcelas do fenômeno analisado, mas não são suficientes para gerar hipóteses passíveis de teste empírico. O estudo, assim, não foi theory-oriented, buscando o teste de hipóteses teóricas, mas case-oriented, valendo-se da riqueza de detalhes de um caso para apreender novos aspectos teóricos. A ênfase da pesquisa recaiu na busca por mecanismos causais que explicam como o instrumento das medidas provisórias pode impactar na relação Executivo-Legislativo. Mecanismos causais são geralmente definidos como conexões entre causas e efeitos. Para McAdam, Tarrow e Tilly (2004), mecanismos são classes delimitadas de eventos que alteram as relações entre elementos de maneira idêntica ou similar em uma variedade de situações. De acordo com a abordagem de mecanismos e processos, a causalidade não se dá meramente pela relação entre variáveis. Do contrário, é a interação entre os mecanismos e os contextos nos quais eles estão inseridos que produzirão os resultados observados (FALLETI; LYNCH, 2010).

Um exemplo de mecanismo é o brokerage, ou “intermediação”, que consiste na junção de dois ou mais agentes sociais por ação de uma terceira parte. Tal mecanismo pode engendrar diversos tipos de resultados a depender do contexto em que opera e dos atores que conecta, mas o mecanismo em si é frequentemente encontrado em fenômenos que envolvem ações coordenadas. Além de trabalhar na identificação e na explicação de mecanismos, essa perspectiva também se debruça sobre “processos”, que constituem a sequência temporal de mecanismos até determinado resultado (TILLY, 2001).

Tilly (2001) ressalta que a perspectiva teórica baseada em mecanismos e processos causais tem objetivos mais modestos do que a abordagem de leis abrangentes, por exemplo, visto que busca explicações para aspectos selecionados de determinado fenômeno. Ainda assim, o autor salienta que o acúmulo de conhecimento sobre os mecanismos e seu modo de operação é fundamental para o desenvolvimento das teorias baseadas em leis abrangentes. Em linha com as teorias de médio alcance, Tilly (2001) recomenda que os pesquisadores concentrem a análise em aspectos selecionados de episódios.

Unindo a perspectiva de mecanismos causais com as abordagens teóricas utilizadas pelo estudo, a expectativa da pesquisa era encontrar mecanismos que conectassem as MPs com a relação Executivo-Legislativo, mostrando a ambivalência desse instrumento seja para a governabilidade ou para o conflito da coalizão.

Por exemplo, de que forma a medida provisória funciona como instrumento de coordenação horizontal, de que forma o governo mantém controle desse instrumento em sua tramitação no Congresso, como a inclusão das comissões mistas a partir de 2012 afetou essa dinâmica, qual foi o comportamento dos parlamentares diante das MPs do ajuste fiscal em 2015, como esses mecanismos afetaram o governo Dilma politicamente – eis indagações dentro da perspectiva de mecanismos que moveram a análise em busca do aprofundar o conhecimento em relação às MPs.

Dessa maneira, a hipótese geral da pesquisa pode ser apresentada da seguinte forma: As medidas provisórias se apresentaram como instrumentos limitados para gerenciar a coalizão no governo Dilma, potencializando conflitos na base seja pelo uso indevido por parte do governo, seja pelo desarranjo da dinâmica decisória após mudanças no instituto, contribuindo, assim, para o desgaste da coalizão e a crise política.