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CAPÍTULO IV – MUDANÇA INSTITUCIONAL EM DILMA I

4.3 MPs e relação Executivo-Legislativo: encadeamento de eventos

4.3.2 Evento 2: Redução na Conta de Luz

Uma das grandes bandeiras do governo Dilma foi a redução da conta de luz em 20%, anunciada em pronunciamento público no feriado de 7 de setembro de 2012. Naturalmente, o anúncio foi classificado como “eleitoreiro” pela oposição102, já que foi feito a menos de um mês das eleições municipais de 2012. A redução seria viabilizada pela MP nº 579, de 12 de setembro, que estipulava a renovação antecipada de concessões de energia em condições tais que possibilitariam a queda na conta de luz.

O pronunciamento da presidente, no entanto, foi feito antes da conversão em lei da medida provisória. A MP nº 579 perderia eficácia no dia 19 de fevereiro de 2013, mas o prazo para as concessionárias aderirem às novas regras era no dia 4 de dezembro de 2012. Ou seja, as empresas poderiam aceitar a renovação antecipada das concessões, mas as regras poderiam mudar logo depois na tramitação da MP no Congresso. A insegurança criou forte conflito entre governo e oposição, já com vistas ao possível embate presidencial que se daria em 2014: enquanto o senador Aécio Neves classificou a medida de autoritária, impondo o acordo às elétricas103, Dilma acusou a oposição de “insensibilidade” e disse que o governo garantiria a redução de todo jeito104.

Diante da insegurança jurídica, algumas concessionárias, como Cemig, Cesp e Copel105, decidiram não renovar as concessões de determinadas usinas, o que comprometeu a redução de 20% da tarifa. Para garantir o prometido, o governo teve de aumentar o aporte de recursos do Tesouro. A redução da tarifa nos moldes propostos foi possibilitada com a edição

102 Oposição rebate Dilma e diz que redução de tarifa de energia é ‘eleitoreira’. Portal Último Segundo – IG, 11 set. 2012. Disponível em < http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2012-09-11/oposicao-rebate-dilma-e-diz-que- reducao-de-tarifa-de-energia-e-eleitoreira.html> Acesso em 10 set. 2016.

103 Para Aécio, governo foi autoritário com elétricas. Estadão. São Paulo, p. B5, 6 dez. 2012. 104 Dilma ataca tucanos e indica que bancará corte de tarifa. Estadão. São Paulo, p. A1, 6 dez. 2012.

105 Elétricas colocam em risco plano de Dilma para reduzir conta de luz. UOL Notícias, 08 nov. 2012. Disponível em <http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2012/11/08/eletricas-colocam-em-risco-plano-de-dilma- para-reduzir-conta-de-luz.jhtm > Acesso em 10 set. 2016.

da MP nº 605, de 24 de janeiro de 2013, o que levou Dilma a outro pronunciamento em rede nacional para anunciar a redução106.

Tanto a MP nº 579 quanto a MP nº 605 tramitaram de acordo com o novo rito das medidas provisórias, mas essa última sob condições diferentes. Cabe lembrar que em 2013 foi feito acordo de líderes para rodízio das relatorias de medidas provisórias. Em 2012, na tramitação da MP nº 579, esse acordo não existia, e a comissão ficou sob comando de atores totalmente alinhados com o Executivo, com o deputado Jilmar Tatto (PT-SP) na presidência e o senador Renan Calheiros na relatoria. Já a MP nº 605 também ficou com parlamentares da base: a senadora Ana Amélia (PP-RS) na presidência e o deputado Alexandre Santos (PMDB- RJ) na relatoria. Mas, como já comentado na subseção 4.2.1, o rodízio dos partidos nos cargos fez o governo ter menor controle sobre a tramitação das MPs107.

Além disso, percebe-se como o novo rito prejudicou o governo ao dispersar o processo decisório. Foi marcada reunião no dia 24 de abril de 2013 para votar o relatório da MP nº 605 na comissão. Entretanto, não se atingiu o quórum mínimo. O motivo: tratava-se do mesmo dia em que a comissão mista da MP dos Portos votava seu relatório. Todos os líderes estavam concentrados neste colegiado, adiando, portanto, a votação da MP nº 605.

A dispersão das atividades parlamentares fez com que a MP nº 605 só fosse votada na comissão no mês seguinte, no dia 15 de maio de 2013. Esse atraso custou caro. No plenário da Câmara, apesar de críticas oposicionistas de que a MP seria eleitoreira, a matéria foi aprovada. Ocorre que a MP nº 605 chegou ao Senado em 28 de maio, pouco menos de duas semanas após Renan Calheiros ter firmado o compromisso de não pautar nenhuma MP que chegasse com menos de sete dias para o vencimento, depois do constrangimento da MP dos Portos. Como visto anteriormente, Calheiros deixou de receber a MP nº 605, apesar dos apelos da base.

O governo teve de recorrer a uma solução engenhosa para garantir a aprovação de sua pauta legislativa. A Ministra Gleisi Hoffmann veio a público no dia 29 de maio para afirmar que o governo garantiria a redução mediante a edição de um decreto executivo (que não necessitava da aprovação do Congresso). O Decreto nº 8.020, editado em 29 de maio de 2013, regulamentava a MP nº 605 (que tinha mais seis dias de vigência), estendendo por sete meses o repasse de recursos para garantir a redução. Ou seja, até o fim de 2013 a redução da conta de luz estava garantida.

106 Dilma anuncia corte maior na conta de luz e ataca ‘alarmistas’. Estadão. São Paulo, p. A1, 24 jan. 2013. 107 Jilmar Tatto e Renan Calheiros tiveram índices de governismo de 98% e 97%, respectivamente. Já o índice em relação a Alexandre Santos e Ana Amelia foi de 81% e 79% (Fonte: Basômetro).

Impossibilitada de editar outra medida provisória com o mesmo teor, a saída do governo foi incorporar o texto da MP nº 605 no corpo da MP nº 609, que tratava da desoneração da cesta básica. A engenhosidade legislativa recebeu críticas e contribuiu para minar cada vez mais a atuação do governo dentro do Congresso.

O Tesouro teve de despender R$ 8,5 bilhões apenas em 2013 para arcar com a redução108. Em 2014, o valor gasto foi de R$ 10,5 bilhões109. A confusão no setor elétrico teve outro ingrediente. A estiagem vivida no Brasil e a crise hídrica, que atingiram seu pico em 2014, fizeram com que as usinas termoelétricas fossem acionadas para garantir o abastecimento de energia. Como a operação dessas usinas é mais cara, as empresas do setor trabalharam com prejuízo, já que não podiam repassar a conta aos consumidores110.

Reeleita em 2014, Dilma promoveu mudança radical na política econômica. A nova equipe de governo constatou que a política de subsídios era insustentável diante do quadro de crise fiscal, e o governo deixou de subsidiar o setor elétrico em 2015. Como resultado, a conta de luz aumentou até 50%111. Os impactos, evidentemente, foram refletidos na inflação do ano, e também no grande descontentamento popular, contribuindo para a crise política do ano de 2015. A Figura 6 esquematiza a sequência de eventos relacionados à conta de luz.

Para visualizar o impacto do novo rito de tramitação das MPs é preciso fazer um esforço de se imaginar um contrafactual112. Talvez com relação à MP nº 579, o novo rito não tenha trazido maiores dificuldades de aprovação, além de ter feito da comissão uma arena visível de debates acalorados entre governo e oposição. Quanto à MP nº 605, o efeito do novo rito foi mais aparente. A tramitação concentrada na comissão, o comando do colegiado nas mãos de atores menos alinhados com o Executivo, e a dispersão da atividade parlamentar foram elementos provenientes do novo rito que comprometeram a aprovação da MP nº 605. Além, é claro, do resultado da MP dos Portos.

108 Tesouro arcará com R$ 8,5 bi para garantir corte na conta de luz. Estadão. São Paulo, p. A1, 25 jan. 2013. 109 Governo reduz subsídios à energia e conta de luz terá novos aumentos. Estadão. São Paulo, p. B1, 13 jan. 2015. 110 Geradores vão discutir com Aneel solução para perdas. Estadão. São Paulo, p. B6, 10 mai. 2014.

111 Conta de luz da indústria deve subir até 53% em março. Estadão. São Paulo, p. A1, 18 fev. 2015.

Figura 6 – Sequência de eventos relacionados à redução na conta de luz Elaboração própria

Não obstante o foco principal da análise seja a mudança no instituto das MPs, não se pode perder de vista a influência do uso das medidas provisórias, de forma geral, na relação Executivo-Legislativo. Sendo um instrumento ambíguo, a MP pode engendrar efeitos positivos ou negativos, a depender da habilidade do governo no seu manejo.

Pois eis um caso emblemático do mau uso das medidas provisórias. Com relação à MP 579, foram cometidos dois erros claros. Primeiramente, Dilma anunciou em rede nacional de televisão a redução de 20% da conta de luz, quando tudo o que havia eram meras projeções técnicas. Apesar de ter vigência imediata, a medida provisória está sujeita a emendamento no Congresso, de maneira que o governo não pode assumir que ela será convertida em lei da forma como foi editada. Conforme se constatou que a redução seria menor, o governo passou a perseguir obsessivamente a meta de 20% para garantir o cumprimento da promessa da presidente. O impacto fiscal e político do pronunciamento precipitado, assim, prejudicou o governo.

Em segundo lugar, a MP nº 579 estipulou o prazo de 4 de dezembro de 2012 para que as empresas escolhessem se aceitariam a renovação antecipada das concessões de energia nos novos termos estipulados pelo governo. Ocorre que a MP teria validade até o dia 19 de fevereiro de 2013. Até lá, a matéria poderia ser modificada pelo Congresso, o que deixou as

Eventos anteriores

 Mudança de rito de tramitação das MPs (mar/2012)

 Campanha para eleições municipais (set./2012)  Projeto presidencial de Aécio Neves para 2014

MP 579

 Dilma anuncia redução de 20% da conta de luz e edita a MP 579 (set./2012)

 Embate entre governo e oposição  Prazo para renovação das concessões inferior ao prazo da MP: algumas

concessionárias não aderem às novas regras

MP 605

 Comissão controlada por atores menos alinhados com o Executivo

 Atraso na votação na comissão

 Senador Renan Calheiros deixa de receber a MP 605 aprovada pela Câmara há menos de 7 dias do prazo

Eventos posteriores

 Tesouro faz aporte de R$ 8,5 bilhões para garantir a redução na conta de luz

 Seca e maior utilização das termoelétricas

 Prejuízos milionários do setor elétrico

 Ajuste fiscal corta subsídios do setor

 Aumento brusco da conta de luz em 2015

 Aumento da inflação  Aumento da impopularidade de Dilma

Eventos anteriores

 Acordo de líderes para rodízio das relatorias de MPs (fev./2013)  Dispersão da atividade parlamentar com as comissões  Votação da MP dos Portos (mai./2013) Evento Relacionado

 MP é aprovada, mas redução da conta não se dá como anunciado pelo governo

Eventos Relacionados

 Texto da MP 605 é incorporado na MP 609  Desgaste na base pela engenhosidade da solução

empresas inseguras para aderir ao novo modelo. O que estava em jogo eram contratos milionários a vigorar por dezenas de anos. Novamente, o governo fez mau uso das medidas provisórias ao tratar o tema dessa forma.