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CAPÍTULO IV – MUDANÇA INSTITUCIONAL EM DILMA I

4.3 MPs e relação Executivo-Legislativo: encadeamento de eventos

4.3.4 Evento 4: Ascensão de Eduardo Cunha

No Capítulo I foram vistas algumas interpretações sobre a crise política no Brasil. Uma delas enxerga que as estruturas institucionais funcionam bem, e que a crise é explicada por fatores externos, sendo que um deles é justamente a atuação de Eduardo Cunha como um “cavaleiro das trevas” (PEREIRA, 2015), um ator com preferências contrárias ao Executivo que assume, a partir de 2015, o comando da Câmara e passa a minar a governabilidade.

A par dessa interpretação, é inegável que a figura de Eduardo Cunha foi indispensável para a eclosão da crise política observada no primeiro mandato de Dilma, bem como para o desenrolar do processo de impeachment ocorrido no segundo mandato. Nota-se que sua trajetória é bastante ligada às medidas provisórias.

Cunha participou ativamente do acordo de lideranças para estabelecer um rodízio nas relatorias de medidas provisórias no início de 2013. Ele mesmo esteve presente em diversas reuniões e participou na direção de algumas comissões. Foi presidente das comissões das MPs nºs 599 e 648; vice-presidente da comissão da MP nº 651; relator da MP nº 627; e relator revisor das MPs nºs 579, 634 e 656.

Eventos Anteriores

 Dep. Mendonça Filho apresenta PL em 2011

 Mudança de rito de tramitação das MPs (2012)  Aumento dos pontos de veto nas comissões mistas  Manifestações de junho de 2013

MP 617

 Dilma edita MP 617 para desonerar transporte municipal

 Medida passa a ser prioritária diante das manifestações

 Deputado Mendonça Filho obstrui a comissão da MP 617

MP 623

 Relatoria distribuída ao Senador Cícero Lucena (PSDB)

 Boicote do governo à MP 623; texto incorporado na MP 610

Eventos Posteriores

 Oposição participa mais ativamente

 Medida provisória perde força como instrumento de

governabilidade  Processo decisório conturbado desgasta base

Eventos Anteriores

 Mudança de rito de tramitação das MPs (2012)  Acordo de líderes para rodízio das relatorias de MPs (fev./2013)

Evento Relacionado

 PL do deputado é aprovado em detrimento da MP

Evento Relacionado

 Câmara proíbe incorporação de matéria estranha às MPs

Eduardo Cunha fez questão de acompanhar de perto as comissões de MP; delegava aos vice-líderes a tarefa de ir às reuniões e agir segundo suas orientações, e ligava constantemente para monitorar as reuniões119.

Cunha é conhecido por dominar o regimento interno e saber utilizar os instrumentos legislativos a seu favor. A mudança no rito das MPs permitiu o incremento do arsenal legislativo do deputado de modo a aumentar seu poder de barganha. Como mencionado, viu- se sua atuação decisiva na comissão da MP nº 595, com requerimentos de retirada de pauta e de destaque.

Também se pode falar da atuação de Cunha na comissão da MP nº 652, que criava o Programa de Desenvolvimento da Aviação Regional. Na reunião da comissão em 5 de novembro de 2014, o senador José Pimentel deixa clara a atuação de Eduardo Cunha para derrubar a medida provisória (o que de fato ocorreu):

Quero registrar também que por parte dos partidos da Oposição tem havido uma colaboração muito forte para que nós possamos fazer as adequações necessárias que estão nesse relatório. (...) Todas as medidas provisórias que são editadas, eu as coordeno por definição da minha atividade de Líder do Governo no Congresso Nacional. E tenho tido o cuidado de construir entendimentos. (...) No caso concreto, nós temos uma divergência com a Liderança do PMDB da Câmara Federal. Nós tínhamos nos preparado para votar hoje. O Líder do PMDB da Câmara veio aqui dizer: “Se não aceitarem, se deixarem para o dia 11, nós vamos articular, o PMDB e os partidos da Câmara a que eu tenho ascensão, para derrubar essa medida provisória” (...) Eu tive o cuidado de hoje recorrer a vários Líderes dos vários partidos para nos ajudarem a superar essa questão do PMDB da Câmara Federal. Todos mediaram, mas, infelizmente, a intransigência foi maior que nossa capacidade de argumentação120

A atuação efetiva de Cunha nas comissões mistas, seja com cargos de direção, seja manobrando instrumentos legislativos (obstrução cruzada, requerimentos de destaque etc.) para fazer valer sua vontade, conferiu à sua liderança maior poder de negociação, aumentando seu capital político dentro do Congresso. A MP dos Portos, a resolução dos vetos e a PEC do Orçamento Impositivo foram resultados importantes de sua liderança, todos com consequências diretas na relação Executivo-Legislativo.

Obviamente, sua trajetória ascendente dentro do parlamento não se deve unicamente aos recursos legislativos disponíveis com o novo rito das medidas provisórias. Mas não se pode negar o reforço que isso deu à sua atuação, uma vez que um ator experiente no uso de instrumentos legislativos teve à sua mão novas armas para barganhar com o Executivo.

119 Conforme entrevista realizada com assessor da Liderança do PMDB. 120 Diário do Senado Federal de 18/11/2014, p. 39 e 40.

Novo rito de MPs Maio poder de barganha Novo rito de MPs

A deterioração política observada no primeiro mandato passa por Cunha, e esse navega bem pelo novo rito de tramitação das medidas provisórias. Observa-se duplo processo de retroalimentação. Em primeiro lugar, a base insatisfeita elege um porta-voz de seu descontentamento, o qual passa a atuar de forma a enfraquecer cada vez mais o governo e prejudicar a relação do governo com o Congresso. Em segundo lugar, o líder do PMDB atua com armas do regimento para aumentar seu poder político, e encontra no novo rito das MPs novos instrumentos para reforçar sua luta.

Figura 8 – Atuação de Eduardo Cunha no desgaste da coalizão governista Elaboração própria

O fortalecimento de Cunha extrapolou o âmbito do PMDB no início de 2014. A formação do “Blocão” como frente parlamentar suprapartidária, informal, e de atuação independente do governo, serviu para enfraquecer mais ainda o governo Dilma. Com o início do processo eleitoral, o esfacelamento da base se mostrou ainda mais forte. O PMDB apoiou a aliança com o PT para 2014 por pequena margem, e foi para as eleições dividido.

Apesar da reeleição de Dilma, Eduardo Cunha já havia pavimentado o apoio de grande parte dos deputados para elegê-lo no ano seguinte para a presidência da Câmara. O desfecho, como se sabe, redundaria no impeachment de Dilma. Mas se pode observar desde o começo de sua liderança no partido, em 2013, como ele se valeu de recursos legislativos, muitos envolvendo as medidas provisórias, para aprovar matérias importantes para o Legislativo, dar mais autonomia ao parlamento e diminuir a dominância do Executivo.

Escolha (reforço) de Eduardo Cunha como porta-voz do descontentamteno Atuação no Congresso com diversos recursos legislativos Imposição de derrotas ao governo Aumento da cobrança de fidelidade à base Relação ruim na coalizão governista