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CONCLUSÃO: QUEBRANDO E REPRODUZINDO PADRÕES

A comunicação sindical, como reflexo de seu sujeito social, revela nas construções frasais, nos termos utilizados e, mesmo nas entrelinhas, as posturas e os embates por que passa o movimento. Defender a luta de classes ou mesmo a extinção das classes sociais, em pleno século XXI, com arrefecimento do bloco soviético, avanço do capitalismo (ou neoliberalismo), redefinições nas relações de trabalho e de direitos trabalhistas e esfacelamento da esfera pública, dentre outros aspectos; implica na adoção de uma postura por parte do movimento sindical contrária a valores e visões de mundo já disseminados e cristalizados na sociedade.

O sindicalismo também enfrenta contradições internas a começar pela forma como foi concebido, com uma legislação e uma estrutura que o amarram ao Estado e o burocratizam. No entanto, a postura crítica de correntes sindicais como a classista leva muitas entidades a buscarem e, até certo ponto, conseguirem uma atuação independente. A própria natureza do sindicato parece contraditória ao ser apontada como um mecanismo de manutenção do sistema pelo fato de, ao negociar com patrões, contribuir com a diminuição de tensões sociais e com a manutenção do sistema.

Ainda assim, os sindicatos classistas têm como bandeira a luta de classes, que expõe a aresta inconciliável de interesses entre patrões e trabalhadores. Essa forma de lidar com a realidade, observando os interesses antagônicos de sujeitos sociais, marca a comunicação sindical desde a sua estrutura argumentativa, que segue uma construção tendo o discurso do sujeito ao qual se opõe como referência, construindo uma espécie de diálogo com esse sujeito, mesmo que a produção midiática não lhe seja voltada diretamente, como é o caso dos impressos sindicais cujo público alvo são os sindicalizados ou trabalhadores da própria

categoria. No episódio da reforma da previdência é clara a construção do discurso sindical com o intuito de se contrapor aos argumentos do discurso governista e derrubá-los.

A forma como representa os sujeitos sociais também traz essa marca da luta de classes, de um embate em que se tem de um lado os exploradores, sem escrúpulos, nem ética nem moral e do outro os explorados, mas que dispõem ou cultivam a ética, a moral, a solidariedade. Ocorre que, ao representar os sujeitos sociais dessa forma, a comunicação sindical se distancia da multiplicidade de papéis desempenhados pelos sujeitos, da diversidade e maleabilidade de posturas. Se por um lado, a ênfase na representação dos sujeitos sociais de acordo com um padrão pré-definido e rígido, facilita a transmissão de idéia dos papéis sociais; por outro, tende a empobrecer a descrição da realidade e a engessar os sujeitos em seus papéis.

Se por outro lado, o sindicalismo de negócios vem dando mostras de se adaptar muito bem ao sistema capitalista atual, negociando com patrões, obtendo ganhos principalmente salariais para suas categorias, contribuindo para a inserção do trabalhador na lógica de produção e de mercado, firmando seu espaço na sociedade; por outro, o sindicalismo classista, voltado para pautas que vão além de ganhos salariais ou melhorias de condições de trabalhos e se estendem à disputa de classes e interesses sociais, continua sendo referência no Brasil. Espaço demarcado pela relevância teórica dada a essa linha política pelos grandes cânones da pesquisa científica e do movimento sindical e político; e prática por arregimentar o maior número de entidades sindicais no país e por atuar nas esferas social e política.

As entidades classistas tentam atuar em várias frentes, em várias dimensões neste cenário múltiplo e complexo que, de forma direta ou indireta, influencia o mundo do trabalho e traz, portanto, conseqüências

para trabalhadores e trabalhadoras. Debruçam-se ou tentam se debruçar sobre as diversas problemáticas da vida do cidadão comum, da financeira à social e cultural, com o intuito de se colocar neste papel social de equilibrar a balança, de funcionar como a voz, os ouvidos dessa imensa maioria que, grande parte das vezes, não é ouvida e tem dificuldades para escutar. Ter dificuldade em receber, digerir, gerar e emitir informações, contudo, não é privilégio dos trabalhadores. Essas questões encontram-se presentes em praticamente toda a sociedade, em maior ou menor grau, e nos mais diversos segmentos sociais.

Fruto de uma necessidade natural das pessoas que formam o movimento de interagirem entre si e com a sociedade e, portanto reflexo do universo mental desses sujeitos, a comunicação sindical também se constrói em contraposição ao modelo hegemônico, à comunicação monopolista desenvolvida e sustentada pelo sistema capitalista. No entanto, mesmo com o intuito de exercer postura de contestação, a comunicação sindical finda absorvendo e refletindo aspectos vários da cultura hegemônica. Autores como Narareth Ferreira (1995) e Scharlau Vieira (1996) apontam o fato da comunicação sindical assumir, não raro, a mesma postura autoritária e vertical da produzida pela grande mídia.

A ideologia “pura” das esquerdas e do movimento sindical, que implicaria num fazer comunicacional necessariamente mais democrático e participativo, numa produção midiática portadora fiel das vozes da categoria, num espaço contínuo de reflexões e críticas, parece impossível de ser seguida à risca. A prática tem mostrado contradições inúmeras, inerentes não apenas à comunicação sindical, mas a diversas outras formas de expressão. Contradições essas que encarnam uma realidade social repleta de valores e influências que ora se chocam, ora se complementam, ora convivem precariamente, ora harmoniosamente.

A existência de uma comunicação sindical ou de faces dessa comunicação que pendem para via de mão única, que expressam ponto de vista restrito, que tratam o receptor como depositário, que reduzem a amplitude do conteúdo ou mesmo que manipulam informação - implica numa reprodução de modelos de dominação.

Ao reproduzir esses valores e ideologia que interesse da classe trabalhadora estaria o jornal sindical refletindo? Isso seria fruto do interesse de um segmento que compactua com a ideologia dominante ou simplesmente estaria a comunicação irradiando impensadamente valores entranhados do meio social no qual está inserida? Esta pesquisa não visou dar conta desses questionamentos em sua profundidade (o que exigiria aprofundado estudo político, sociológico e comunicacional do movimento sindical), contudo, apontou a influencia do meio social a ponto de incutir- lhe valores, a princípio, antagônicos aos seus.

A forma de representação muito utilizada pelos impressos sindicais, colocando sindicalistas e lideranças como heróis, como representantes não só do bem, do certo, da verdade, mas inclusive como defensores da sociedade e de membros da categoria considerados frágeis pelo sindicalismo, como os aposentados, é outro indício do enraizamento da cultura hegemônica no discurso sindical. Ao retratar os trabalhadores inativos nessa postura defensiva, desprotegida e frágil, a comunicação sindical reproduz um padrão de comportamento amparado na ideologia dominante de fragilização e vitimização de setores sociais e, conseqüentemente na sua dependência em relação a outros segmentos, que, no caso, podem ser os trabalhadores ativos do próprio sindicato, ou mesmo o Estado.

Essa forma de representação alimenta a noção de que esses sujeitos sociais não conseguem ou têm grande dificuldade de atuar em busca de seus interesses, dependendo de outros setores ou da estrutura social

existente (com seus mecanismos de amparo e assistência). A comunicação sindical contribui, assim, para cristalização de um papel, para acomodação de uma postura passiva. O escasso exercício de quebras de padrão e estereótipos no discurso sindical, que se utiliza amplamente de papéis e roteiros pré-determinados, contribui para o reforço e não para a quebra e transformação dessa realidade.

A reprodução de relações dicotômicas entre os sujeitos sociais, que remetem à relação Bem X Mal, revela uma visão da realidade que tende a deixar de lado contradições, sutilezas, maleabilidade de papéis sociais, diferentes facetas de um mesmo sujeito, de um mesmo fato. Se por um lado essa forma dicotômica de lidar com a realidade contribui para a construção de um discurso contundente, com ênfase em arregimentar simpatizantes, mobilizar categoria e convencer a opinião pública; por outro, a abordagem incisiva e, não raro, de sentido de efeito monofônico tende a construir um discurso que amplia e acrescenta pouco.

Em contrapartida, ao expressar o episódio do sistema previdenciário como algo pertencente a um universo macro de disputa de poder, de quebra de hegemonia, a comunicação sindical acrescenta um enfoque diferente do trabalhado pelo governo e bem mais amplo. Enquanto o discurso governista se restringe a aspectos mais específicos e tecnicistas da reforma, o sindicalismo associa a Previdência Social e alterações em seu sistema a questões de cunho político e ideológico e não puramente econômicos ou sistêmicos. Contribui, assim, para ampliação do debate da reforma da previdência em direção à luta de classes e à relação de opressão e exploração social.

Essa tendência da comunicação sindical, herança da dialética marxista, em conectar o universo micro ao macro, também leva seu discurso a digressões e referências a diferentes dimensões temporais e espaciais. No caso da reforma da previdência, os impressos abordam questões e fatos de décadas anteriores com o intuito de melhor analisar o momento

presente e prever o futuro. Já a dimensão espacial é ampliada tanto com referências a fatos e processos em outros países e continentes, quanto com menções a interesses de organismos internacionais num assunto que, a princípio, seria da alçada interna do país.

Os impressos procuram analisar o embate do momento presente, que diz respeito a modificações no sistema previdenciário, em dimensões localizadas dentro de um sistema maior que a tudo ou quase tudo engloba – o hegemônico. Mudar aspectos de uma dessas dimensões implica em quebra ou fissuras, mesmo que pequenas, do sistema hegemônico. Essas fissuras dão espaço para fortalecimento de outra ideologia e implantação na sociedade de outro tipo de estrutura. É esta a disputa por trás da questão previdenciária.

Ao tratar o episódio da reforma sobre diferentes dimensões, a imprensa sindical disputa mais do que um modelo de gestão pública; defende um modelo de sociedade, uma forma de organização social, econômica e política; luta pela implementação de um projeto ideológico diferente do defendido pelo “capital”. A comunicação que produz reflete esse viés. Ao mesmo tempo em que revela aspectos de seu sujeito – contraditórios, singulares, frutos de uma tradição social, marca o território político e ideológico porque passa o movimento sindical contribuindo para ampliação ou restrição de suas fronteiras, para o delineamento da própria sociedade.

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