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Conforme observado no capítulo anterior, existe um dilema entre a democracia representativa e a participativa. Neste capítulo apresentou-se uma forma de resolver tal dilema, através da democracia semidireta que solucionaria a dificuldade de tornar efetiva a participação cidadã nas sociedades modernas, bem como complementaria o sistema representativo puro, permitindo aperfeiçoá-lo e corrigir ou, ao menos, diminuir seus limites.

A democracia semidireta é, portanto, um misto de participação e representação, pois ela permite que os cidadãos se envolvam na tomada de decisão política, sem abandonar as instituições representativas.

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BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 0007.5 de 21 de junho de 2011. Disponível em: <http://www.alesc.sc.gov.br/proclegis/individual.php?id=PEC/0007.5/2011>. Acesso em: 17 dez. 2013.

Nesse sentido, é preciso ressaltar que este estudo não tem a pretensão de defender o fim da representação política, pois este instituto é necessário para as sociedades contemporâneas. Assim, o problema não é a representação política, mas sim a representação de interesses particulares e, a participação cidadã pode ser utilizada como um meio de reprimir, ou ao menos, diminuir, os problemas gerados pela representação pura. Por isso, este trabalho entende que, ao lado da democracia representativa, deveriam existir meios efetivos de participação para decisões políticas de extrema importância.

Com o objetivo de complementar o sistema representativo, a democracia semidireta se expressa através de mecanismos de participação cidadã. Os mais conhecidos são o plebiscito, referendo, iniciativa popular, veto popular e revogatória de mandato.

Embora todos sejam importantes para o desenvolvimento democrático, a CRFB/88 contemplou apenas o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. O veto popular chegou a ser incluído na Constituinte, mas foi retirado.

Durante a elaboração do texto Constitucional, houve a possibilidade de apresentação de emendas populares, contudo, muitos parlamentares se demonstraram contrários a tal iniciativa. Da mesma forma, havia muitos parlamentares que se opunham a garantia de mecanismos que ampliassem a possibilidade de participação dos cidadãos, o que demonstra que existe no Brasil, uma cultura onde as instituições representativas são tidas como a única forma democrática possível.

A regulamentação dos mecanismos de democracia semidireta também permite perceber a prevalência desta cultura, na medida em que a CRFB/88 garantiu formas de incentivar a participação, mas previu que tais instrumentos deveriam ser regulamentados por lei especifica.

A Lei nº 9.709, surgiu em 1998, ou seja, dez anos após a CRFB/88, o que dificultou a utilização destes instrumentos durante este tempo. Isso indica que não havia vontade política na regulamentação do plebiscito, referendo e iniciativa popular.

Mesmo com o surgimento da Lei não houve avanços na regulamentação, na medida em que a legislação demonstrou ser, basicamente, uma cópia dos preceitos

constitucionais, o que torna ainda mais evidente, a falta de intenção dos políticos em garantir efetiva participação popular.

A CRFB/88 já havia determinado que o plebiscito e o referendo dependem de convocação e autorização, respectivamente, da Assembléia Legislativa, mediante DL.

Além disso, previu que a iniciativa popular poderia ser exercida, desde que houvesse adesão de um por cento dos eleitores nacionais e a divisão desse percentual em Estados. Em relação à iniciativa estadual, o número de assinaturas ficou a critério da legislação estadual. No que se refere aos Municípios, exigiu-se adesão de cinco por cento do eleitorado.

Nesse sentido, o próprio texto Constitucional que em seu artigo primeiro afirma adotar a democracia representativa e a direta, dando ênfase a segunda, estabelece critérios que dificultam a utilização dos mecanismos, impedindo a sua realização por iniciativa dos cidadãos e exigindo um alto índice de eleitores para a proposição de iniciativa popular.

Ainda que a CRFB/88 tenha estabelecido alguns critérios rígidos, a legislação infraconstitucional poderia ter regulamentado os instrumentos participativos de forma a facilitar a sua utilização prática, prevendo, por exemplo, a possibilidade de proposição de plebiscito e referendo pelos cidadãos e a utilização dos mecanismos para matérias objeto de EC.

Contudo, tais assuntos não foram tratados e não houve grande avanço na regulamentação desses instrumentos. O plebiscito e o referendo terem sido utilizados apenas uma vez até hoje, comprova a rigidez com que eles foram previstos e a dificuldade de efetivá-los.

A pesquisa realizada em relação aos PLs propostos de 1988 até 2013, referente ao plebiscito, referendo e iniciativa popular, reforça tal fato, na medida em que se verificou que os PLs que tentam avançar na regulamentação destes instrumentos, encontram dificuldades na sua aprovação e enfrentam a má vontade de muitos parlamentares, que entendem que isso representaria o enfraquecimento ou, até mesmo, o fim da representação política.

Nesse sentido, percebe-se no Brasil, a influência do modelo democrático hegemônico liberal, disseminado principalmente por Schumpeter, no sentido de que,

os cidadãos devem exercer sua soberania popular apenas para eleger seus representantes. Assim, embora exista a previsão da democracia semidireta na CRFB/88, ela não consegue se concretizar, devido à lógica na qual está inserida. Isso por que, qualquer “excesso” de participação é entendido como um risco para a própria democracia.

Isso não significa que os mecanismos de participação cidadã não sejam capazes de serem utilizados efetivamente para influenciar nas decisões políticas de um país. Pelo contrário, foram citados neste capítulo, exemplos de que eles podem ser aplicados e podem impedir que os representantes adotem medidas contrárias a população.

Os exemplos aqui citados, onde a participação popular efetivamente ocorreu, demonstram ainda, que não existe limites para a utilização desses mecanismos, que podem ser aplicados em diferentes localidades, culturas e economias. Percebeu-se ainda, que eles podem influenciar na decisão de blocos econômicos e políticos, dotados de muito poder e forçá-los a, ao menos, adotar medidas alternativas.

Isso significa que, os instrumentos de participação podem ser utilizados na prática, desde que haja vontade política e, ao menos, flexibilização da lógica representativa pura. Assim, a efetividade dos mecanismos depende da lógica dentro da qual eles estão inseridos. Nesse sentido, no próximo capítulo será observado, que ainda que no Rio Grande do Sul, em um contexto muito específico, tenha sido criado um mecanismo que, em tese, contraria a democracia hegemônica, ele não é utilizado, o que reforça a ideia de medo dos representantes em relação à participação política dos cidadãos.

4 O PLEBISCITO E AS PRIVATIZAÇÕES DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO