3.2 REGULAMENTAÇÃO DOS MECANISMOS NO BRASIL
3.2.1 Regulamentação Constitucional
Além de priorizar a participação em inúmeros artigos, a CRFB/88 previu os mecanismos de democracia semidireta:
Art. 14 A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.217
A CRFB/88 tornou esses mecanismos garantias constitucionais, mas vinculou a sua regulamentação à LC, apenas prevendo a competência para a autorização e convocação de referendo e plebiscito, os requisitos para o exercício da iniciativa popular e o plebiscito geopolítico.
Segundo o artigo 49, inciso XV a competência para autorizar referendo e convocar o plebiscito é exclusiva do Congresso Nacional.218 Conforme Auad, há três interpretações possíveis:
Poderíamos interpretar que a autorização seria um sinônimo de “permissão” e, dessa forma, caberia exclusivamente ao Congresso Nacional o disseminou e inspirou a teoria democrática hegemônica. Importa ressaltar que, um dos argumentos de Schumpeter ao defender a democracia representativa é a falta de capacidade da média do eleitorado para participar de decisões políticas. Para o autor, o cidadão comum não tem conhecimento suficiente para se envolver efetivamente nas decisões políticas. É esse, um dos principais argumentos contrários a democracia participativa, que está impregnado nos meios acadêmicos e remete diretamente a Schumpeter: a incapacidade dos cidadãos. Vide Cap. 2, p. 54- 55, sobre a importância de Schumpeter para a teoria hegemônica de democracia.
216
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/responsabilidade-
social/acessibilidade/constituicaoaudio.html/constituicao-federal>. Acesso em: 13 mar. 2013. 217
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/responsabilidade-
social/acessibilidade/constituicaoaudio.html/constituicao-federal>. Acesso em: 13 mar. 2013. 218
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/responsabilidade-
chamamento inicial para a realização de referendo. Partindo dessa diferenciação, o termo “convocar” facultaria o povo a possibilidade de solicitar a realização de plebiscito para a discussão de um assunto de interesse relevante, com um certo número de assinaturas a ser delimitado pelo legislador infraconstitucional.
Poderíamos, ainda, interpretar o contrário, ou seja, considerar a “convocação” como ato prévio para conclamar a realização da consulta. Nesse caso, caberia ao Congresso Nacional a prerrogativa exclusiva de permitir a realização de plebiscito, mas estaria aberta ao povo a possibilidade de dar início a um pedido para a realização de referendo. Se o termo “autorizar” não for diferenciado do termo “convocar”, conforme a linha seguida pelo legislador infraconstitucional, então o povo ficará totalmente alijado da possibilidade de solicitar a realização seja do plebiscito, seja do referendo, pois esse direito restará exclusivamente nas
mãos do Congresso Nacional.219
Para Sgarbi220, convocar significa iniciar o processo da consulta popular, ao passo em que, autorizar indica aprovar algo proposto por outrem. Nesse sentido, seria possível aos eleitores propor o referendo, mas não o plebiscito. Contudo, ainda assim, o Congresso Nacional poderia não autorizar o referendo solicitado.
O artigo 18, por sua vez, contempla o plebiscito geopolítico, para criação, incorporação, subdivisão e desmembramento de Estados ou Municípios e estabelece os requisitos a serem observados. 221
Para os Estados, as exigências são: a consulta às populações diretamente interessadas, por meio de plebiscito; LC federal específica que aprove a medida e; conforme o artigo 48, inciso IV, da CRFB/88, deverão ser ouvidas as Assembleias Legislativas dos Estados envolvidos. Contudo, tal consulta não possui efeito vinculante. 222
No que se refere aos Municípios, exige-se: lei complementar federal, que deverá estabelecer o período para a realização da ação; Lei Ordinária (LO) Federal, que aponte os requisitos genéricos a serem exigidos e apresente Estudos de Viabilidade Municipal; consulta, por plebiscito, das populações dos Municípios
219
AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa
popular. Disponível em:
<http://www.unibero.edu.br/download/revistaeletronica/Set05_Artigos/DIR_PROF%20DENISE_OK.pd f>. Acesso em: 5 jun. 2013.
220
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 25-26. 221
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/responsabilidade-
social/acessibilidade/constituicaoaudio.html/constituicao-federal>. Acesso em: 13 mar. 2013. 222
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. atual. até a EC n. 55/07. São Paulo: Atlas, 2007, p. 604.
diretamente interessados e; LO estadual, que deverá criar o Município em questão.223
Em relação à iniciativa popular, o artigo 61, parágrafo 2º da CRFB/88, estabeleceu o seu exercício, mediante apresentação de um projeto ao Congresso com adesão de, no mínimo, um por cento dos eleitores nacionais, distribuídos em cinco Estados com, ao menos, três décimos por cento dos eleitores em cada Estado.224
A iniciativa popular de âmbito estadual depende de lei, conforme o parágrafo 4º, do artigo 27, da CRFB/88, não havendo previsão de um número mínimo de assinaturas, ou seja, há a possibilidade de que a legislação estadual regule a iniciativa popular de forma menos rígida.
Quanto ao Município, a CRFB/88, no artigo 29, inciso XIII, exige assinatura de, no mínimo, cinco por cento do eleitorado e que as matérias sejam de interesse específico do Município, da cidade ou do bairro.225
É possível perceber que a CRFB/88 apenas apontou os mecanismos de participação e algumas diretrizes gerais. A regulamentação desses mecanismos dependia de legislação complementar.
Tal lei foi promulgada apenas em 1998, ou seja, por dez anos, estes instrumentos, que deveriam ser uma forma de corrigir os problemas da representação política, ficaram sem regulamentação específica, o que dificultou a sua utilização. O plebiscito de 1993 (realizado para escolher a forma e o sistema de governo a ser adotado no Brasil) como único exemplo de consulta popular de 1988 até 1998 comprova isso.226
223
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. atual. até a EC n. 55/07. São Paulo: Atlas, 2007, p. 605-606.
224
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/responsabilidade-
social/acessibilidade/constituicaoaudio.html/constituicao-federal>. Acesso em: 13 mar. 2013. 225
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 69 de 29 de março de 2012. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/responsabilidade-
social/acessibilidade/constituicaoaudio.html/constituicao-federal>. Acesso em: 13 mar. 2013. 226
AUAD, Denise. Mecanismos de participação popular no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa
popular. Disponível em:
<http://www.unibero.edu.br/download/revistaeletronica/Set05_Artigos/DIR_PROF%20DENISE_OK.pd f>. Acesso em: 5 jun. 2013.
Para Benevides227 existem várias formas de dificultar a participação popular: A exclusividade da convocação de consultas nas mãos dos poderes constituídos; o rígido controle de constitucionalidade; a supremacia do Legislativo, através do poder incontrastável de maioria parlamentar; a inflexibilidade na definição de prazos e de elevado números de assinaturas para o encaminhamento de propostas de referendo ou de iniciativa popular.
É possível perceber que na CRFB/88 existem algumas dessas medidas, que impedem a concretização dos mecanismos, embora eles estejam garantidos formalmente. A convocação das consultas exclusivamente a encargo do Congresso Nacional e o elevado número de assinaturas para o exercício da iniciativa popular confirmam tal fato. Tais medidas demonstram “o temor das autoridades frente às ‘paixões populares’ (ou a ‘tirania da maioria’) assim como a latente hostilidade dos partidos e dos parlamentares em relação à democracia semidireta”228.