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2.1 DEMOCRACIA HEGEMÔNICA

2.1.3 Representação Política

Atualmente, o termo democracia representativa é utilizado com muita naturalidade, como se os dois conceitos fossem interconectados. Contudo, a democracia e a representação nem sempre foram compatíveis, pelo contrário, o governo representativo em sua origem “era uma instituição não democrática, mais tarde enxertada na teoria e na prática democrática”53.

Tentando verificar a natureza da representação e a sua relação com a democracia, Hanna Pitkin54 realizou um histórico etimológico do termo. Conforme explica a autora, a palavra se desenvolveu em períodos e intensidades diferentes, de acordo com as línguas em que era empregada. Mas, em geral, a representação em sua origem, não significava ocupar o lugar de outrem, sendo utilizada para se referir a objetos inanimados.

Por muito tempo, a evolução do termo não teve relação com um conteúdo político. Nesse sentido, o primeiro exame da ideia de representação na teoria política foi realizado por Hobbes em “o Leviathan”, onde a palavra está associada à noção de autorização, ou seja, “um representante é alguém que recebe autoridade para agir por outro, quem fica então vinculado pela ação do representante como se tivesse sido a sua própria”55.

Pitkin demonstra que o desenvolvimento da representação pouco se relaciona com a prática democrática. Apenas com a evolução política do termo (que ocorreu tardiamente) é que democracia e representação passaram a ser associadas.

52

MILLS, Charles Wright. A elite do poder. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1962, p. 377.

53

DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Brasília: Universidade de Brasília, 2001,p. 118.

54

PITKIN, Hanna Fenichel. Representação: palavras, instituições e ideias. Lua Nova, São Paulo, n. 67, p. 15-47, 2006, p. 16-21.

55

PITKIN, Hanna Fenichel. Representação: palavras, instituições e ideias. Lua Nova, São Paulo, n. 67, p. 15-47, 2006, p. 28.

Nessa mesma ótica, Bernard Manin trata a democracia e a representação como conceitos distintos. Para ele “o governo representativo não foi concebido como um tipo particular de democracia, mas como um sistema político original baseado em princípios distintos daqueles que organizam a democracia”56.

Para comprovar a autonomia da representação, Manin57 aponta quatro princípios básicos de um governo representativo que não são, necessariamente, princípios democráticos. O primeiro refere-se a governantes eleitos por governados, o que expressa a ideia de eleições periódicas, elemento central da representação. Considerando a noção ideal de democracia, é possível perceber neste ponto, uma grande diferença em relação à representação política, na medida em que a democracia grega expressa a ideia de autogoverno do povo.

A independência parcial dos representantes em relação às preferências dos representados é o segundo princípio do governo representativo. Isso significa que, ao se eleger, os governantes não estão vinculados às vontades dos seus eleitores. Para Marcia Ribeiro Dias58, este princípio permite a relação entre governantes e governados e expressa a ideia de que a “tradução” das vontades dos representados pelos representantes não é literal.

Segundo Manin59, este princípio está relacionado à rejeição de duas práticas: mandatos imperativos e revogabilidade permanente dos eleitos. Nesse aspecto, encontra-se uma grande diferença entre a representação e a democracia entendida como um sistema de autogoverno. Isso porque, os representantes não precisam observar estritamente a vontade dos eleitores. Assim, o mandato imperativo estaria mais diretamente relacionado com a democracia, na medida em que o mandato livre permite que os líderes políticos atuem com certo grau de autonomia.

O terceiro princípio da representação é a opinião pública, onde os eleitores têm direito de formular e expressar livremente suas opiniões políticas. Para Dias60

56

MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, 1995.

57

MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, 1995.

58

DIAS, Marcia Ribeiro. Da capilaridade do sistema representativo: em busca da legitimidade nas democracias contemporâneas. Civitas, Porto Alegre, v. 4, n.2, p. 235-256, jul./dez. de 2004, p. 240. 59

MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, 1995.

60

DIAS, Marcia Ribeiro. Da capilaridade do sistema representativo: em busca da legitimidade nas democracias contemporâneas. Civitas, Porto Alegre, v. 4, n.2, p. 235-256, jul./dez. de 2004, p. 242.

esse princípio permite que “a vontade popular se imponha perante a representação política”, já que as manifestações dos governados independem do controle do governo.

A partir desse princípio, ainda que os representantes não estejam vinculados aos desejos dos eleitores, estes podem pronunciar pública e livremente a sua satisfação ou insatisfação, podendo influenciar no processo de decisão eleitoral. Este princípio é o que mais se relaciona com a ideia de autogoverno democrático, onde os cidadãos devem ter liberdade para expressar suas opiniões e discuti-las, antes de decidir.

Por fim, o quarto princípio do governo representativo indica que as decisões políticas deverão ser tomadas após o debate. Isso significa que, o sistema representativo não supõe que o governante eleito decida sozinho, mas que exista um órgão coletivo que possibilite o debate antes da tomada de decisão.

Este princípio também difere da democracia como autogoverno, na medida em que nesta, todos os cidadãos devem debater antes da tomada de decisões e não somente um órgão que os represente.

Torna-se clara a diferença entre representação e o ideal democrático que se traduz na noção de autogoverno do povo.61 Ocorre que, atualmente a democracia e a representação são identificadas como sendo termos compatíveis, o que não significa que o governo representativo descrito por Manin tenha se transformado completamente. Houve, na verdade, uma manutenção dos princípios do governo representativo que apenas se adaptaram à atualidade. Da mesma maneira, o conceito democrático foi adaptado às sociedades modernas, tornando-se compatível com os preceitos da representação política.

Assim, a democracia e a representação são, atualmente, não apenas compatíveis, mas consideradas por muitos autores, como a única forma democrática possível em uma sociedade complexa, o que compreende a visão democrática hegemônica, conforme já observado.

61

DIAS, Marcia Ribeiro. Sob o signo da vontade popular: o Orçamento Participativo e o dilema da Câmara Municipal de Porto Alegre. Belo Horizonte:UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2002. Capítulo I, p. 37- 110.