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CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

No documento INFEÇÕES ASSOCIADAS A CUIDADOS DE SAÚDE (páginas 70-74)

É escassa, em Portugal, a informação sobre as con- sequências e custos do problema da IACS. Um estudo recente realizado nos EUA (2013)164 concluiu que, em

40 milhões de pessoas a quem foram ministrados antibióticos para problemas do aparelho respiratório, durante um ano, 27 milhões não necessitavam deles. Um outro estudo, de base populacional, efectuado também nos EUA (2007)165, estimou em 1,7 milhões

o número de infecções associadas aos cuidados de saúde ocorridas no ano de 2002 em hospitais americanos; do total das mortes intra-hospitalares ocorridas (155.668), 98.987 teriam sido causadas ou estariam ligadas a IACS. Segundo dados da OCDE, a nível mundial, estima-se que ocorram, em cada ano, cerca de 700.000 mortes causadas pela resistência antimicrobiana166; comparando o mundo atual com

um mundo sem RAM, o impacte económico associa- do às taxas atuais de RAM pode atingir 0,03% do PIB em 2020 nos países da OCDE, 0,07 em 2030 e 0,16 em 2050. A perda acumulada até 2050 atingiria um total de 2,9 triliões de dólares americanos167.

O problema é grave hoje e continuará a sê-lo até com maior dimensão no futuro, se entretanto não forem adotadas medidas eficazes, de forma coorde- nada, baseadas em evidência científica e envolvendo governos, administrações, profissionais, doentes e industrias. Desdobra-se em duas facetas: (i) a utiliza- ção dispendiosa, excessiva e muitas vezes inadequa- da de antibacterianos e (ii) o agravamento da infeção adquirida quando o contexto e as práticas erradas e mal estudadas promoveram o aparecimento de resistências que se tornam cada vez mais difíceis de controlar (RAM). Acresce o desmantelamento de linhas de investigação de novos antibióticos, devido à relativa baixa de preço desses medicamentos e ao

consequente desinvestimento da indústria em novas gerações de agentes antibacterianos. O problema não se circunscreve à saúde humana, alastrando para a saúde animal, onde os protagonistas registam eleva- dos défices de informação e onde a intervenção na cadeia alimentar gera problemas de dimensão ainda por reconhecer na sua total dimensão. O problema da IACS tem implicações para além das fronteiras de cada país.

Intervir na luta contra a IACS é investir num bem pú- blico, pois o alastramento da infeção, pela sua natureza transmissível, significa que os benefícios sociais desse combate são muito superiores ao somatório dos be- nefícios individuais. Como problema de saúde pública, interessa a todos e tem preocupado fortemente as ins- tâncias internacionais, tanto regionais como mundiais. O Conselho da União Europeia tem emitido desde 2001 recomendações sobre o uso prudente de agentes antimicrobianos na saúde humana e sobre segurança do doente, incluindo a prevenção e controlo das IACS; desde 2008 que o Conselho emitiu conclusões sobre a RAM, sobre incentivos à inovação de antibióticos eficazes, tanto no sector da saúde humana como no sector veterinário, na perspetiva de “Uma Saúde”; mais recentemente, em 2014, sobre segurança do doente e qualidade dos cuidados, incluindo a prevenção e controlo da IACS e da RAM. Por seu lado o Parlamento Europeu emitiu em 2011 uma resolução sobre resis- tência antimicrobiana e, no mesmo ano, outra sobre a ameaça que ela representa para a saúde pública; em 2012 sobre desafios microbianos – aumento da amea- ça de RAM - e em Maio de 2015 sobre como aumentar a segurança do doente e como lutar contra a resistên- cia antimicrobiana. A Comissão havia emitido em 2001 um plano de ação sobre o assunto, que avaliou cinco

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anos depois. A nível mundial a OMS preparou um plano de Ação Global sobre resistência antimicrobiana, em colaboração com a Organização para a Alimentação e Agricultura e a Organização Mundial para a Saúde Animal, o qual foi adotado em 2015, com recomenda- ções para os estados-membros promoverem planos nacionais contra a RAM até meados de 2017.

Já mais recentemente, o Conselho Europeu de 16-17 de Junho de 2016, no Luxemburgo168, reconheceu

que, pela complexidade do problema, pelas suas dimensões transfronteiriças, pelo elevado encargo económico, o impacte da resistência antimicrobiana vai para além das suas consequências severas na saúde humana e animal, tendo-se tornado numa preocupação de saúde pública global que afeta o conjunto da sociedade e requere ação intersectorial coordenada e urgente, sempre que possível com base no princípio da precaução.

Este último Conselho Europeu (16-17 de junho de 2016) vai ainda mais longe na proposta de medidas concretas: (i) para estimular o desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos, de terapêuti- cas alternativas e de meios de diagnóstico rápido, tornam-se necessários programas e incentivos de coordenação entre a União e organizações multila- terais de âmbito global; (ii) sublinha a necessidade de mais cooperação entre os Estados-membros, a Comissão e a indústria farmacêutica, tendo em conta a reduzida disponibilidade e possível retirada do mercado de antibióticos, a qual possa conduzir a es- cassez desses produtos e a inadequadas terapêuticas de substituição; (iii) alerta para que, no progresso da luta contra a RAM, o novo plano de ação deve conter metas claramente definidas em termos quantitativos e qualitativos, meios de comparação (benchmarks) e medidas eficazes para alcançar aquelas metas; (iv) e finalmente, saúda a conferência interministerial eu- ropeia sobre “Uma Saúde”, realizada em Amsterdão em 9 e 10 de fevereiro de 2016, na qual se exprimiu

a vontade política de atacar o problema da resistên- cia antimicrobiana, através da rede “Uma Saúde”, estrutura não-governamental que congrega grupos já existentes dedicados à saúde humana, à alimenta- ção e à saúde animal, criando um grupo de trabalho sobre a RAM e uma comissão para a segurança da saúde, destinados a reunir regularmente, trocarem informação sobre o avanço dos planos de ação nacio- nais e sobre o plano de ação da União Europeia. Em Portugal, este movimento internacional tem encontrado resposta atenta. Em 1988, na sequência de recomendações do Conselho da Europa é criado o Projeto de Controlo da Infeção na Direção-Geral dos Hospitais. Em 1996 são criadas comissões de controlo da infeção em todos os estabelecimentos hospitalares, por iniciativa da Direção-Geral da Saúde. Em 1999 o PCI é substituído pelo Programa Nacional de Controlo da Infeção, que funcionou no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Em 2006 o PNCI regressa à dependência da DGS, passando a inserir-se no Plano Nacional de Saúde de 2004- 2010. Com a aprovação do atual PNS (2012-2016) em 2013 foi criado o programa PPCIRA, com três pilares: prevenção e controlo da IACS, prevenção e controlo das RAM e vigilância epidemiológica VE. O PPCIRA dispõe de grupos de coordenação regionais e locais. Tem realizado um notável trabalho de informação, coordenação e persuasão de boas práticas, publican- do relatórios regulares169.

Todavia, a situação de Portugal está longe de ser aceitável, no contexto europeu. A infeção hospitalar atinge em Portugal 10,5% dos doentes internados, para 6,1% na média da UE. O consumo de antibióticos é elevado (45,4% dos doentes em hospitais) quan- do comparado com os restantes países da Europa (35,8%), levando a taxas de resistência que podem atingir 73,7 e 84,5% com certos microrganismos e locais de infeção. No que respeita à resistência à meticilina nos isolados de Staphilococcus aureus

168. Minutas do Conselho de Ministros da EU, de 16-17 de Junho, EN 10235/16, versão provisória. 169. O mais recente foi publicado em maio de 2016.

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(MRSA), num estudo europeu realizado pelo ECDC, publicado em 2014, sete dos 29 países apresentavam percentagem de isolamento superior a 25%. Sendo que Portugal se encontrava entre esses países, com uma percentagem de isolados invasivos de 53,8%, no ano de 2012.

A situação tende a melhorar progressiva, embora lentamente. Segundo o relatório do PPCIRA de 2015, a resistência à MRSA baixou de 54,5% em 2011, para 53,8 em 2012 e para 47,4 em 2014. No consumo de antibióticos, Portugal era, em 2012, o 9º país de mais elevado consumo, passando a 16º em 2014, sendo a mais visível das reduções a das quinolonas, entre 2011 e 2014: 27% de redução na comunidade e 23% de redução no meio hospitalar170.

A estes e outros progressos não é estranha a atu- ação persistente e metódica do programa PPCIRA. O programa foi bem desenhado e tem sido pro- gressivamente bem executado. A sua orientação é mais persuasiva que normativa, baseando-se em cooperação a partir de informação corretamente colhida e partilhada entre todos. A transparência é uma das marcas do programa. A normalização de nomenclaturas, procedimentos, práticas, conteúdos de ensino e de formação e o envolvimento cons- tante de múltiplos parceiros são pedras de base do programa. Este não pertence ao SNS mas é de todos: serviços centrais, instituições e estabelecimentos, profissionais, indústria farmacêutica e de DiV, e meios de comunicação social. Falta ainda algum trabalho para envolver no programa todo o setor privado, começando pelos hospitais e clínicas e indo até aos consultórios, policlínicas e centros ambulatórios. Tem sido essencial a cooperação entre microbio- logistas, intensivistas, cirurgiões, clínicos, e outros especialistas, enfermeiros e técnicos de diagnóstico. O problema da IACS é solucionável, como o demons- tram as práticas adotadas em outros países, como a Finlândia, mencionada neste estudo.

Persistem, todavia, lacunas de conhecimento e de evidência. Ignoramos a dimensão da subcontagem da infeção hospitalar e suspeitamos que o problema seja ainda maior nas unidades de cuidados continu- ados. Na ausência de informação nacional continu- amos a apoiar-nos dominantemente em estudos estrangeiros, estimando por mera extrapolação a magnitude do problema nacional. Apenas um estudo foi realizado entre nós, identificando alguns dos custos associados à IACS. Não existem mais estudos sobre o sobrecusto da prevenção, do tratamento, da terapêutica empírica e da dirigida, do isolamento, da descolonização, do prolongamento da hospitalização, do reinternamento, da contaminação a locais secun- dários. A própria literatura internacional relevante sobre custo-efetividade de meios e tratamentos alternativos desta infeção é ainda muito escassa, como este relatório revela. Não conhecemos os tempos médios, observados e esperados, entre cada etapa da dupla investigação laboratorial necessária (estirpe bacteriana e sensibilidade aos antibacteria- nos): colheita, terapêutica empírica, envio do produto colhido, chegada à bancada, processamento, geração de resultado, transmissão da informação ao serviço clínico, início da terapêutica dirigida.

Os dispositivos in vitro são ainda subvalorizados no contexto da luta contra a IACS. Os testes realizados através de DiV têm o potencial de intervir em toda a “fileira” da doença, da predisposição genética, ao rastreio, ao diagnóstico de patologias, prognóstico, seleção da terapêutica e monitorização do tratamento. Os DiV tornaram-se num instrumento essencial para gestão da saúde do individuo e da população, na pers- petiva de saúde pública. Os DiV representam 5% dos custos de um hospital, no entanto os seus resultados influenciam entre 60 e 70% das decisões em saúde, demonstrando a sua importância na prática médica atual e o seu custo-efetividade, devido ao relativamen- te baixo peso nos custos totais do hospital. Todavia, os DiV são subvalorizados. Torna-se necessário conhecer e garantir os seus atributos em termos de validade,

170. Portugal – Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos em Números -2015, www.dgs.pt

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sensibilidade, especificidade, custo, efetividade e risco. O Conselho Europeu de 16-17 de junho de 2016 reco- menda que tanto a Comissão Europeia, como os Esta- dos-membros ampliem o esforço de conhecimento, inovação e desenvolvimento tecnológico de testes de diagnóstico rápido, nomeadamente utilizando DiV, para encurtar o tempo entre o conhecimento da infe- ção e a correta intervenção antibacteriana. O relatório recentemente apresentado ao Primeiro-ministro do Reino Unido sobre a utilidade dos testes de diagnóstico rápido para reduzir o uso desnecessário de antibióticos aponta linhas de investigação e de trabalho conjunto entre a indústria farmacêutica e os sistemas de saúde que podem traduzir-se em importantes avanços tecnológicos, com favorável relação custo-efetividade. Por seu turno, à indústria caberá introduzir os seus produtos no mercado com preços não desencorajado- res do seu uso generalizado.

A articulação entre serviços é essencial dentro do hospital. Sobretudo entre os laboratórios e os locais onde o doente se encontra. O laboratório é um parceiro essencial do clínico. Cada nova descoberta de um doente com resistência antibacteriana, em vez de ignorada, deve ser dada a conhecer a todos, para que o hospital se possa preparar devidamente para a combater. Por outro lado, com boa articulação entre clínicos e microbiologistas será possível encurtar os tempos de demora entre cada fase, na longa cadeia que vai da decisão de colheita à transmissão do resultado e início da terapêutica dirigida. Finalmente, torna-se indispensável chamar os investigadores in- teressados na produção de testes rápidos, bem como a indústria que os produz e aperfeiçoa, a estreitarem a sua colaboração, otimizando o uso dos meios atuais e dirigindo as suas linhas de investigação no sentido de encurtar o ainda longo período que medeia entre a suspeita de infeção e o início da terapêutica dirigida.

¥Ŭ O reforço do PPCIRA e todo o apoio que a Direção- -Geral da Saúde lhe tem facultado.

¥Ŭ Apoiar e aprender com o projeto “Stop Infeção Hos- pitalar” que está a ser desenvolvido pela Fundação Calouste Gulbenkian, com o apoio do Institute for He- althcare Improvement.

¥Ŭ Divulgar casos de sucesso, nacionais e estrangeiros, na luta pela prevenção e controlo da IACS, assim que eles sejam identificados e estudados.

¥Ŭ Alargar e aprofundar o conhecimento de tudo o que respeita à IACS: clínico, organizativo, social e económi- co, nomeadamente através de estudos que permitam melhor conhecer a dimensão do problema, os seus custos, as alternativas de ação, os riscos e resultados, na linha da proposta apresentada neste relatório. ¥Ŭ Conduzir, dentro do SNS, uma visão estratégica e

de médio-prazo sobre o investimento em inovação tecnológica nos meios de diagnóstico e terapêutica; o planeamento antecipado da tecnologia, a recolha constante de informação e a comparabilidade de re- sultados.

¥Ŭ O SNS deve utilizar a experiência que só a prática gera, de desenhar, executar e difundir estudos metodolo- gicamente corretos e cientificamente independentes, de análise de custo-efetividade de cada nova tecnolo-

gia, para gastar melhor os recursos que o país coloca ao seu dispor.

¥Ŭ Apoiar e reforçar a cooperação entre instituições e sobretudo dentro das unidades de saúde, entre os di- versos especialistas que têm a ver com a luta contra a IACS

¥Ŭ Aperfeiçoar a logística interna do hospital de modo a encurtar os períodos de tempo despendido entre a te- rapêutica empírica e a terapêutica dirigida.

¥Ŭ Manter especial atenção sobre as unidades de cuida- dos continuados a idosos e cidadãos em situação de dependência.

¥Ŭ Integrar o setor privado de saúde na recolha de infor- mação e cumprimento das orientações e boas práticas sobre a IACS, recomendadas pela DGS.

¥Ŭ Estimular a cooperação com a universidade e labora- tórios de estado, bem como com a indústria e sectores importador e exportador desta tecnologia.

¥Ŭ Ampliar o conhecimento e estimular a indústria e o mercado a desenvolverem tecnologias que permitam encurtar os tempos que medeiam entre o surgimento da doença e o início do seu tratamento dirigido, nome- adamente através de técnicas de diagnóstico rápido, como os dispositivos in vitro.

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ANEXO 2. TABELA DE RESULTADOS

No documento INFEÇÕES ASSOCIADAS A CUIDADOS DE SAÚDE (páginas 70-74)