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INOVAÇÃO* Fontes

8. CONFLITOS CRIATIVOS

O confronto entre diferentes perspectivas, saberes e experiências é um campo fértil para o surgimento de ideias criativas, como citado anteriormente. No entanto, o confronto entre diferentes pontos de vista, quando não conduzido com habilidade, costuma gerar conflitos destrutivos, que provocam impactos negativos não só nas pessoas diretamente envolvidas na questão, mas também no contexto e nas relações e interações que nele acontecem. Cada lado do conflito tende a apegar-se a suas convicções com tamanha veemência que há pouco espaço para ouvir, combinar e construir soluções inteligentes e potencialmente criativas (COLEMAN, 2006). O desafio para a inovação, portanto, é transformar os conflitos destrutivos em experiências construtivas.

O grande potencial dos conflitos construtivos é produzir mudança pessoal e social positiva. Nesse sentido, os conflitos devem ser geridos de forma a estimular a construção de soluções mais ricas e elaboradas e a inibir a negatividade dos conflitos destrutivos. O conflito, ou a tolerância ao conflito, é um elemento importante da criatividade, uma fonte para a reflexão e a invenção, uma antítese à passividade. Segundo Coleman (2006), muitas mudanças criativas não teriam acontecido na ausência do conflito; o conflito deflagra o ímpeto para a geração de novas soluções. Igualmente relevante à solução criativa de conflitos é o respeito e a adesão que cada parte tem a suas próprias posições: isso os impele a defender suas ideias com firmeza e a explorar variadas combinações e alternativas na construção de uma solução que integre as posições divergentes de forma sinérgica. Se a criatividade é aplicada à gestão das diferenças com vista à consecução de resultados mutuamente satisfatórios, abre-se a possibilidade de se alcançar um acordo integrador, potencialmente melhor do que as posições originalmente defendidas pelas partes conflitantes: um produto de maior valor para os envolvidos, com externalidades positivas relevantes (COLEMAN, 2006).

O objeto de estudo de Coleman (2006) é a solução criativa de conflitos sociais, no entanto, suas propostas parecem totalmente aplicáveis à geração de soluções criativas em qualquer contexto e, em particular, na atividade de inovação das empresas, sobretudo, emprestando-lhe o conhecimento sobre o processo de construção de soluções criativas em si, face a entendimentos e conhecimentos distintos. A mesma criatividade aplicada na solução de conflitos sociais é a base para a geração de produtos e processos novos, originais e apropriados, que entregam valor novo e relevante à sociedade. Coleman (2006) entende que a abordagem de conflitos construtivos aplica-se tanto a situações orientadas para a cooperação quanto para a competição: a motivação subjacente em cada situação define a forma e a expressão da criatividade.

O autor identifica três perspectivas básicas da abordagem criativa de conflitos: (i) foco na pessoa do negociador ou mediador; (ii) foco no processo de negociação por meio do qual os acordos integradores são construídos e (iii) foco no produto, resultado da negociação. Estudos com foco na pessoa do negociador abordam casos de mediadores famosos e análise das características da

personalidade dos negociadores e de aspectos básicos da cognição humana que afetam a negociação. A perspectiva do processo apresenta a leitura da psicologia social acerca das circunstâncias que evocam as motivações, os incentivos e processos de construção e solução de problemas. O foco no produto fundamenta-se na premissa de que a barganha não resulta unicamente na divisão dos recursos existentes, mas pode constituir um processo criativo usado para criar valores adicionais e mutuamente benéficos.

Os posicionamentos defendidos pelas partes em situações de conflito e negociação frequentemente refletem interesses, crenças, valores e necessidades subjacentes. Buscar identificá-los é essencial para a compreensão da situação em pauta e a construção de resultados percebidos como integradores, eficientes, ótimos ou racionais (Ibidem).

Um esforço de compreensão da qualidade dos produtos gerados pela gestão de conflitos requer diferenciar compromisso de integração. Na abordagem da psicologia social, um compromisso reflete um tratamento superficial das diferenças que, tipicamente, resulta da concessão, pelos envolvidos, de parte de suas posições, em prol de uma solução intermediária. Integração traduz uma solução que contempla ambos os desejos, sem que nenhuma das partes precise sacrificar posições. Uma solução integradora produz maior valor coletivo para as partes e pode ser vista como o produto de um processo de pensamento criativo. É essencial reconhecer que integração envolve invenção para se escapar dos limites das alternativas mutuamente excludentes defendidas pelos oponentes. Vale ressaltar ainda que, a menos que o acordo consiga satisfazer os interesses principais das partes, corre-se alto risco de não se chegar a acordo algum ou do acordo não ter efetividade. Nem todos os conflitos permitem a integração ótima de interesses diversos, no entanto, a criatividade tende a gerar soluções sempre mais construtivas (COLEMAN, 2006).

Outro esforço importante é distinguir entre ajuste e resolução. Ajuste é um acordo sobre as questões em pauta - pode até ser um acordo integrador que ponha fim a um conflito existente, no entanto, ele exclui a solução de questões mais amplas inerentes ao relacionamento das partes. Uma resolução é um acordo mais substantivo, no qual todas ou a maioria das questões são esclarecidas (Ibidem). Os sistemas de gestão de conflitos - um conjunto de procedimentos capazes de fomentar a geração de acordos integradores - variam em grau de formalização: algumas vezes, são explicitamente expressos, com parâmetros altamente estruturados e negociados, como a gestão de conflitos trabalhistas; outras vezes, desenvolvem-se informalmente, ou mesmo de forma tácita. A cooperação na definição do sistema aplicável tende a aumentar a probabilidade de adesão das partes (Ibidem). A construção da solução integradora pode apoiar-se na mudança da ação do indivíduo, que opta por modificar suas posições iniciais (person-based) e/ou resultar de mudanças nos elementos da questão em discussão (issued-based), o que requer uma maior investigação da natureza do objeto em disputa. Os conflitos variam em complexidade. Acordos simples não requerem uma análise aprofundada das preocupações subjacentes às posições antagônicas. Acordos complexos requerem um trabalho conceitual mais extenso e conhecimento sobre o conteúdo dos pontos de vista distintos

(valores, necessidades, aspirações etc.), além de habilidade e expertise para incluir esse conteúdo nas alternativas de acordo. Em ambientes de baixa confiança, é mais difícil obter tais informações. A construção de acordos complexos geralmente beneficia-se da participação de uma terceira parte. A complexidade pode ser tratada por meio de uma operação de unlinking (desconexão), desagregação ou fragmentação, que visa decompor o pacote de demandas em partes menores, mais facilmente compreendidas e negociáveis. Essa operação pode ainda revelar novas alternativas (COLEMAN, 2006).

Coleman (2006) identificar diferentes tipos de produto obtidos na gestão de conflitos: 1. Pela acomodação das posições das partes

• Compromisso: um meio-termo entre as posições iniciais das partes; um resultado não integrador ou criativo, interessante ou gerador de valor novo; seu valor repousa tão somente no fato de constituir um acordo (situação a princípio melhor do que o não acordo) que pode servir de base para futuros acordos integradores.

• Negociação das diferenças: caso as partes valorizem de forma diferente aspectos distintos da questão, é possível construir um acordo que contemple as principais demandas de cada um; dessa forma, o acordo gera maior valor para as partes tanto individual como coletivamente. 2. Pelo atendimento às posições das partes: acordo relativo a disputas fundadas sobre diferenças

nos custos de oportunidade

Modificação do recurso: caso o conflito contemple o compartilhamento de recursos, talvez seja possível reconfigurar os recursos para que ambas as partes sejam atendidas, o que requer uma boa dose de inventividade; o resultado tende a ser um acordo integrador.

Ampliação do recurso: caso a demanda por recursos – capital, espaço, tempo, objetos etc. – exceda a oferta, uma solução integradora pode ser construída simplesmente pela ampliação da oferta, de forma a garantir que cada parte obtenha exatamente o que deseja.

Em ambos os casos, é relativamente comum que a solução ou a ideia para a solução seja oferecida por terceiros.

3. Pelo atendimento aos interesses subjacentes das partes: nesse caso, faz-se necessário investigar, previamente, os interesses subjacentes das partes (razões, preocupações ou valores) e levar em consideração a hierarquia de interesses. Uma aparente oposição pode adquirir nova conotação se observada em níveis mais profundos de análise.

• Construção de pontes: o acordo representa uma nova alternativa que assegura o atendimento total dos interesses subjacentes das partes; requer desprendimento das posições iniciais e disposição para a reflexão e a discussão sobre os interesses subjacentes às posições. Essa solução é, possivelmente, a forma mais criativa de acordo integrador. O processo de discussão e descoberta de interesses pode compreender a distinção entre interesses de alta e baixa prioridade para cada parte, com vistas a se focar

naqueles de alta prioridade. A alternância na proposição de soluções e o acordo contingencial são modos de se construir pontes entre interesses distintos.

• Redução de custos: caso a proposta de uma das partes produza custos para a outra parte, que, por essa razão, resiste ao acordo, esforços de redução desses custos favorecem soluções integradoras. A redução de custos é uma forma de compensação específica, no sentido de que aborda somente o valor que formou a base da resistência. Uma alternativa ainda mais positiva é a redução conjunta de custos, como nos acordos de parceria em projetos de inovação, onde os custos e os riscos das partes são reduzidos para todos os envolvidos. Por vezes, um terceiro participa na redução de custos.

4. Pela substituição dos interesses subjacentes das partes

• Compensação não específica: nesse caso, uma das partes é indenizada por aquiescer às demandas da outra parte, tendo seu interesse original substituído pelo interesse negociado. Trata-se de compensação não específica, pois a compensação extrapola a questão discutida. Em qualquer esquema de compensação é necessário conhecer aquilo que a outra parte valoriza e desenvolver modos de se calibrar as compensações; as pesquisas demonstram que é mais fácil trocar recursos conceitualmente mais próximos; por exemplo, trocar dinheiro por objetos (ambos tangíveis) é mais simples do que trocar amor por dinheiro (intangível por tangível).

• Superordenação: nesse caso, ambas as partes abrem mão de seus interesses e posições originais em prol do atendimento de novos interesses, decorrentes, por exemplo, de mudanças circunstanciais ou nos objetivos, da revisão do conteúdo do conflito, do surgimento de novas oportunidades ou de objetivos comuns; combater um inimigo comum, obter maiores ganhos ou acessar melhores recursos consistem em novas questões (novos valores e interesses) que podem eclipsar o conflito original, promover cooperação e resultar em acordos integradores. Acordos por superordenação tendem a fortalecer os vínculos entre as partes inicialmente contendedoras. Mais uma vez, terceiros podem interferir na gestão do conflito.

Produtos criativos oriundos de pessoas criativas em um processo criativo

Um conflito pode produzir um “congelamento” da cognição, dificultando a percepção e a geração de alternativas criativas. Enfrentar uma atividade qualquer na expectativa de conflito pode produzir um estreitamento da visão e uma mudança geral na cognição que extrapola as questões diretamente associadas ao conflito em tela. A chave da questão é conduzir o processo de forma a facilitar a emergência de resultados positivos e acordos integradores (COLEMAN, 2006).

Brainstorming, sobretudo quando mediado por uma terceira parte, é uma técnica útil para se criar alternativas criativas, no entanto, requer que o mediador crie um ambiente confortável para que as pessoas se sintam encorajadas a ouvir e agir proativamente. A prática de manter reuniões isoladas com as partes antes da seção conjunta facilita a identificação de interesses e valores subjacentes às

posições; essa técnica pode contribuir para atenuar os vieses e suposições que tipicamente interferem na construção de acordos integradores. Outra técnica é misturar tipos de estratégias e pessoas – pessoas mais cooperativas com pessoas mais competitivas - de cada lado da negociação; o exercício da cooperação e da negociação intragrupo favorece a solução de problemas intergrupos. Dos estudos sobre a criatividade de grupos, pesquisadores observaram que o desempenho dos grupos melhora quando os membros dividem entre si os papeis na resolução de conflitos; por exemplo: quando o grupo atribui a um membro a tarefa de desenhar a solução do problema, enquanto os demais se dedicam à implementação da solução criada. O tempo e o espaço são elementos essenciais na solução criativa de conflitos. As pessoas necessitam de tempo para abrirem- se ao novo e de espaço físico apropriado onde se sintam livres para tentar novas perspectivas, comportamentos e modos de trabalhar um problema. Pausas para a incubação das ideias é outra boa estratégia para a gestão criativa de conflito (IIbidem).

A habilidade de entender o ponto de vista do outro é um elemento importante na solução de conflitos, no entanto, há casos em que o excesso de informações é prejudicial, dificultando o processo de negociação. Colocar-se no lugar no outro (exercício de empatia), buscando antecipar suas reações e propor soluções criativas também é uma habilidade crítica na construção de acordos integradores. Vale lembrar que o resultado da negociação muitas vezes é assimétrico, porém, se a parte “menos favorecida” o entende como satisfatório, pode-se afirmar que o acordo construído integrou interesses distintos e gerou valor para ambas as partes (Ibidem).

A esta altura, parece-nos possível construir um diálogo consistente entre a abordagem de Coleman (2006) e a integração do jogo no ambiente organizacional, como recurso facilitador da interação entre atores e do exercício da criatividade aplicada à geração de soluções inovadoras. A primeira vista, o uso de jogos cooperativos parece ser uma alternativa viável para transformar conflitos destrutivos em confrontos construtivos, articulando os comportamentos competitivo, cooperativo e individualista sempre presentes no ambiente organizacional em atividades potencialmente capazes de gerar valor e ideias novas, criativas e relevantes, e provocar sensações, que impactam positivamente as relações entre as pessoas, agora vinculadas por uma experiência positiva, uma experiência rica de aprendizagem vivencial.