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INOVAÇÃO* Fontes

7. JOGOS COOPERATIVOS

A combinação de conteúdos diversos na construção de soluções criativas pressupõe a cooperação: ação conjunta de diferentes atores, dispostos a compartilhar conhecimento, informações e ideias, e a confrontá-los com outros conteúdos e perspectivas, muitas vezes conflitantes entre si. O caminho percorrido até aqui parece sinalizar que a integração do jogo à atividade de inovação é um caminho potencialmente eficaz. Vamos, então, combinar os conceitos de jogo e de cooperação e investigar o universo dos jogos cooperativos.

O objetivo maior do jogo cooperativo é a superação conjunta de desafios; mas a motivação principal para o engajamento é o puro prazer de jogar. A cooperação é o recurso central para que o grupo alcance o objetivo comum: a interdependência transforma o outro em um parceiro importante para a consecução dos objetivos (SANTOS, 2012). Vale ressaltar que a cooperação não neutraliza os comportamentos competitivo e individualista inerentes à natureza humana. Segundo Deutsch (1949), mesmo em atividades orientadas para a cooperação é possível observar a presença desses comportamentos: a cooperação não os exclui ou elimina, simplesmente, os acomoda.

Orlick (1989, apud SANTOS, 2012) identifica quatro dimensões criticas nos jogos cooperativos: cooperação, aceitação, participação e diversão. O autor ressalta que esse tipo de jogo privilegia a liberdade dos jogadores em cinco dimensões, que aparentemente criam um campo seguro para o aprendizado. Os jogadores são:

• Livres da competição - A estrutura interna do jogo privilegia o envolvimento dos jogadores na superação de desafios comuns, ou seja, a lógica subjacente ao jogo não é a da competição entre os jogadores por um resultado mutuamente excludente.

• Livres para criar - Os jogos cooperativos não são jogos prontos, acabados, com uma única solução possível: são jogos abertos, cuja solução não predefinida, pode ser construída por diferentes caminhos.

• Livres da exclusão - A estrutura do jogo não contempla a eliminação de jogadores. A exclusão, uma punição pela quebra das regras voluntariamente aceitas, interrompe o processo de aprendizagem e impede que o jogador corrija os próprios erros.

• Livres para eleger - Com frequência, os jogadores precisam eleger, dentre as ideias propostas, aquelas que continuam no jogo; isso pressupõe saber ouvir e respeitar o outro.

• Livres de agressão - Não há enfrentamento ou luta pela vitória. O objetivo é juntar esforços, buscando valorizar os pontos fortes de cada jogador e não suas fragilidades.

Orlick (Ibidem) propõe a seguinte tipologia para os jogos cooperativos:

1. Jogos cooperativos sem perdedores - Jogos plenamente cooperativos, onde todos jogam para superar um desafio comum e pelo prazer de jogar. Nessa categoria, todos os participantes fazem

parte de um mesmo time e o resultado é compartilhado entre todos.

2. Jogos de resultado coletivo - Jogos que contemplam a existência de duas ou mais equipes trabalhando por um resultado comum. Jogos desse tipo favorecem a cooperação dentro de cada equipe e entre elas.

3. Jogos de inversão - Jogos que contemplam a troca de equipe no decorrer do jogo, o que reforça as noções de interdependência, respeito, empatia e valorização dos parceiros de jogo e leva à redução da preocupação excessiva com o resultado.

4. Jogos semicooperativos - Jogos com estrutura competitiva, com elementos de cooperação que favorecem a diminuição gradativa da competição.

Conhecer as diferentes categorias de jogos cooperativos permite compatibilizar melhor o jogo com o ritmo e as características do grupo (Ibidem).

Orlick (1989, apud SANTOS, 2012) destaca a importância do focalizador nesse tipo de jogo. O focalizador é o responsável pela proposta e condução do jogo. Ele ajuda a equipe a manter o foco e a tomar decisões, preservando o bom ambiente do jogo. Seu maior desafio é fazer um uso ético do poder, o que pressupõe tomar decisões fundamentadas tanto na razão e em aspectos objetivos, quanto na intuição, reflexão e inteligência emocional.

Quando o jogo é utilizado como recurso pedagógico, o focalizador deve conduzir as fases do Ciclo de Kolb (KOLB; BOYATZIS; MAINEMELIS, 2000) para facilitar o aprendizado.

• Experiência Concreta – Efetiva participação do jogo.

• Observação Reflexiva - Esforço de compreensão da experiência, por meio da observação e descrição cuidadosa das ideias e dos fatos vividos e da busca por significados.

• Conceituação Abstrata - Construção de novos conceitos a partir da reflexão sobre a experiência.

• Experimentação Ativa - Aplicação e teste dos novos conceitos em situações reais.

Orlick, McNally e O'Hara (2007) pesquisam os jogos cooperativos (JC) como ferramentas para a promoção de mudanças sociais no sentido da construção de uma vida mais humanizada. Os autores entendem que o objetivo principal dos JC é desenvolver o comportamento cooperativo dentro e fora do tempo-espaço do jogo. Os JC são desenhados com vistas a proporcionar aos jogadores experiências cooperativas bem sucedidas, sentimento pessoal de aceitação e envolvimento total. Os autores acreditam que a estrutura do jogo influencia o comportamento gerado nos participantes. Os componentes estruturais dos jogos

Independente dos componentes estruturais, um jogo sempre provocará algum tipo de experiência individual ou impacto no jogador. A importância da estrutura do jogo está no modo como os jogadores alcançam os resultados: às custas dos demais, independente dos demais ou por meio da cooperação com os demais. O design do jogo tem grande influência sobre a resposta comportamental

predominante: puramente competitiva, individualista ou cooperativa; ou algum tipo de combinação entre elas (ORLICK; MCNALLY; O'HARA, 2007).

Para entender melhor os jogos e os comportamentos que cada um potencialmente extrai dos jogadores, é possível classifica-los em função de seus componentes estruturais, nas seguintes categorias não excludentes ou definitivas (Ibidem):

1. Meio competitivo e Fim competitivo - Todos competem contra todos para alcançar um prêmio único; exemplo: Corrida de Fórmula 1, BBB e Jogos de tabuleiro como Banco Imobiliário e War. 2. Meio cooperativo e Fim competitivo – Os jogadores cooperam dentro de equipes e competem com

outras equipes, como nas partidas de futebol e em outros jogos de equipe. Mesmo em jogos competitivos de equipe, não é possível assegurar que todos exercitem interdependência cooperativa. Para tal, os autores propõem inserir regras que forcem a cooperação durante o jogo, como a fixação do tempo de permanência de cada jogador com a bola.

3. Meio individual e Fim individual - Uma ou mais pessoas perseguem um objetivo individual sem qualquer interação cooperativa ou competitiva e sem referência avaliativa direta entre elas; exemplos: atividades esportivas individuais, como a escalada de uma montanha, um passeio de bicicleta, a solução de quebra-cabeça e palavras cruzadas.

4. Meio cooperativo e Fim individual - Pessoas cooperam e ajudam umas as outras para que todas alcancem objetivos individuais; exemplo: atletas que compartilham informações e técnicas, mas que perseguem objetivos individuais. Para promover interdependência cooperativa, os autores propõem introduzir situações de necessária cooperação durante os treinos.

5. Meio cooperativo e Fim cooperativo - Os integrantes das equipes cooperam entre si do início ao fim, independente da equipe na qual esteja. Os "adversários", caso existam, trabalham juntos para alcançar um objetivo comum. Tanto os meios como os fins são compartilhados. A interdependência cooperativa prevalece entre as equipes, mas não necessariamente entre todos os membros de cada equipe; exemplo: brincadeira de equipes cujo objetivo comum é não deixar a bola cair no chão. Jogos de meio e fim cooperativos são muito raros na cultura ocidental, afirmam os autores. Eles se apresentam em duas subcategorias: jogos cooperativos sem perdedores e jogos de placar coletivo.

Um estudo interessante

Orlick, McNally e O'Hara (2007) observaram o impacto de jogos cooperativos sobre o comportamento de 87 crianças de quatro anos de idade, analisando as interações sociais cooperativas que elas mantiveram entre si após um programa de jogos cooperativos com duração de 18 semanas; cada grupo participou de 56 jogos. O programa contemplava a aplicação de jogos cooperativos e jogos competitivos a diferentes grupos de alunos. O objetivo principal da pesquisa era avaliar o impacto que a participação em jogos cooperativos produz sobre a decisão por agir de forma cooperativa. Interação social cooperativa foi definida como qualquer comportamento direcionado a outra criança envolvendo compartilhamento, reciprocidade, mutualidade ou ajuda. Inicialmente, os pesquisadores definiram, com clareza, as três variáveis da pesquisa: cooperação, diversão e envolvimento. Desde o início, eles

reconheceram que cooperação, diversão e envolvimento variam de intensidade e qualidade. Configurava cooperação os seguintes comportamentos:

1. Comportamento cooperativo baseado em tarefas: compartilhar, ajudar ou executar tarefas com outra criança. A ênfase estava em fazer coisas juntas, trabalhar juntas com um objetivo comum, compartilhar material, alternar respostas ou ajudar outra criança.

2. Comportamento cooperativo baseado em contato físico: carregar outra criança, ajudar outra criança a levantar-se do chão ou a ultrapassar um obstáculo, abraçar, beijar ou demonstrar afeto por meio de contato físico.

3. Comportamento cooperativo baseado no discurso: interação verbal com componente de cooperação, como dar instruções sobre como fazer algo.

Diversão foi identificada a partir de representações verbais como risos, gritos de alegria e celebrações; expressões faciais como sorrisos largos e olhos bem abertos; gestos que representem diversão, conjugados com os itens anteriores, como bater os pés, bater palmas, pular e congratular. "It's fun to observe fun" (Ibidem, p. 129). Envolvimento significava a participação ativa da criança na busca pelo resultado. Para avaliar o quanto as crianças gostaram do jogo, eles usaram Smiley Faces, por julga-las um meio rápido e de fácil compreensão. Ao fim de cada jogo, as crianças assinalavam uma das cinco carinhas numa escala que ia de muito triste a muito alegre. Aplicando as carinhas após os jogos, foi possível avaliar mudanças no gosto da criança pelo jogo, com a repetição. Para efeito de comparação, duas semanas antes do início do programa, observadores coletaram dados sobre o comportamento das crianças na escola.

Conclusões

As observações revelaram um crescimento de 48% no comportamento cooperativo das crianças nos grupos experimentais (submetidos exclusivamente a jogos cooperativos), contra 11% de crescimento nos grupos de controle, submetidos a um programa de jogos competitivos tradicionais e atividades motoras individuais comumente aplicadas nas aulas de educação física. A pesquisa revelou que programas de jogos cooperativos requerem tempo para gerar resultados.

Os pesquisadores registraram comentários qualitativos das professoras que corroboram os ganhos apontados na análise quantitativa. Registrou-se também, nos grupos experimentais, a ocorrência de sanções voluntariamente aplicadas pelos alunos àqueles que não cooperavam quando o grupo julgava necessário.

O estudo levou Orlick, McNally e O'Hara (2007) a inferir que os ganhos no comportamento cooperativo das crianças podem ser explicados pelo fato de que os jogos cooperativos promovem diferentes experiências de cooperação, com resultados que revelam alguma forma de sucesso ou recompensa: alcance do objetivo, sensação de aceitação pelo grupo, expressões de afeto, feedback social positivo, controle sobre o ambiente, satisfação consigo próprio, com os outros e com o ambiente.

A diversidade de demandas e respostas cooperativas presentes no programa - que incluia conteúdo cognitivo, aliado ao sucesso e às recompensas experimentadas, podem ter aumentado o repertório do comportamento cooperativo das crianças que foi transferido para outros contextos. A transferência, no entanto, deve ser tratada com cautela, alertam os autores, pois o ambiente observado (a escola) estava irrigado por conteúdo de cooperação e as crianças e professores, acostumados a recompensarem uns aos outros. Para avaliar melhor essa transferência, caberia coletar as percepções dos pais e dos irmãos com relação a possíveis mudanças no comportamento das crianças; coletar dados em outros ambientes, que não na escola; entrevistar as próprias crianças para avaliar seus sentimentos com relação ao valor da cooperação e do compartilhamento.

Outras áreas potencialmente impactadas pelos jogos cooperativos incluem: autoestima, autoaceitação e apreciação de si próprio, dentro e fora do jogo; simpatia e afeição pelo outro durante o jogo; afeição pelos colegas fora do jogo e afeição pelas pessoas de maneira geral; gosto por jogos e atividades físicas e disposição para participar de atividades desse tipo ao longo do tempo. Deutsch (1949) foi um dos primeiros pesquisadores a demonstrar, por meio de experimentos, que estruturas de aprendizagem cooperativas resultam em maior harmonia entre as pessoas do que estruturas de aprendizagem competitivas, afirmam os autores.

Os pesquisadores entendem que os conceitos fundamentais utilizados nessa experiência com crianças podem ser replicados, adaptados ou expandidos para outros contextos, como situações de trabalho ou na política, ou mesmo quando se busca avaliar os potenciais efeitos de um programa específico. Os jogos, na amplitude de sua significação podem ser adaptados para diferentes idades e populações.

Estamos chegando ao fim da nossa jornada pelo universo lúdico e, neste momento, resgatamos o início desta discussão, quando destacamos o valor do conflito das ideias, perspectivas e entendimentos para a geração de ideias criativas. O conflito é um elemento presente no ambiente organizacional (DEUTSCH, 1949) e um campo fértil para a inovação. No entanto, é necessário aprender a promover seu potencial criativo, construtivo. O espaço-tempo dos jogos cooperativos parece ser um ambiente seguro para transformar perspectivas divergentes em conflitos criativos. Além de favorecer diretamente a geração de novos conceitos, os conflitos construtivos encerram um elevado potencial de produzir mudança pessoal e social positiva (COLEMAN, 2006). Conhecimentos na área da gestão de conflitos também facilitam a gestão da colaboração (DEUTSCH, 1949), um caminho potencialmente fértil para a inovação em PME. É precisamente com a revisão da literatura sobre conflitos criativos que finalizamos nossa revisão de literatura.