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Confronto entre o princípio da subsidiariedade e o princípio da proporcionalidade

A subsidiariedade e a proporcionalidade, ambos princípios reguladores do exercício das competências da União, distinguem-se entre si, embora se trate de “princípios complementares”462 ou de “estreita conexão”463.

O Tratado de Maastricht, através do aditamento do art. 3.º-B ao TCE, depois de enunciar o princípio da subsidiariedade, tratou igualmente de dar consagração ao princípio da proporcionalidade, desenvolvido desde há anos pela jurisprudência do TJ. Fê-lo sem todavia o designar como tal: a “acção da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objectivos do presente Tratado”.

Nos primeiros documentos produzidos pelas instituições europeias e dedicados ao princípio da subsidiariedade é identificável uma certa confusão entre os dois princípios. A título de exemplo, a Comissão, no seu Relatório de 27 de Outubro de 1992, considerou que o “propósito do princípio da subsidiariedade é dar aplicação geral à regra segundo a qual os meios devem ser proporcionais aos fins” 464.

Para isso contribuiu talvez o facto de o art. 3.º-B do TCE enunciar a proporcionalidade sem a nomear e apartar da noção de subsidiariedade. Todavia, o Protocolo de Amesterdão, relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, viria a distinguir os dois princípios de forma clara – cfr. ponto 1.

O art. 5.º do TUE, na versão de Lisboa, assume na linha do protocolo um propósito clarificador, pois que nomeia e tipifica os três princípios nele consagrados: atribuição, subsidiariedade e proporcionalidade. Assim, o seu n.º 4 dispõe que “[e]m

virtude do princípio da proporcionalidade, o conteúdo e forma da acção da União não

devem exceder o necessário para alcançar os objectivos dos Tratados”. Já o Protocolo enuncia que “[c]ada instituição assegura continuamente a observância dos princípios da

                                                                                                               

462 M.L.DUARTE, “A aplicação jurisdicional...”, p. 793. 463 F. DE QUADROS, O princípio da..., p. 48.

subsidiariedade e da proporcionalidade definidos no artigo 5.º do Tratado da União Europeia”.

O AG P. Léger, nas suas Conclusões no âmbito do Processo C-84/94465, oferece- nos uma síntese das diferenças entre os dois princípios em termos frequentemente citados na literatura jurídica:

“Os dois princípios intervêm sucessivamente em dois níveis diferentes da acção comunitária: ‘o primeiro condiciona o início de uma acção da Comunidade, enquanto o segundo delimita a sua amplitude. Assiste-se assim a uma dissociação da questão da competência e a da sua aplicação’. Noutros termos, o princípio da subsidiariedade intervém a [montante466] da acção comunitária, o da proporcionalidade intervém a [jusante467] dessa acção: ‘O princípio da proporcionalidade... é tido em conta relativamente a uma acção já empreendida... e tem por objectivo realizar um controlo de conformidade com os objectivos do Tratado. O princípio da subsidiariedade intervém a um momento anterior, isto é, quanto à decisão de executar ou não uma acção a nível comunitário’”.

Todavia, nem sempre será claro distinguir as fronteiras de aplicação entre um e outro, pelo que a expressão “dissociação” empregue pelo AG não se nos afigura a mais elucidativa. Sobretudo quando o princípio da proporcionalidade opera nesta sua faceta de “princípio governador do exercício de competências”468 – a versão mais directamente plasmada no art. 5.º, n.º 4, do TUE –, a fronteira é especialmente ténue.

Note-se que a própria definição de subsidiariedade assenta no estabelecimento de um conjunto de requisitos, cuja verificação legitima a intervenção da União apenas “se e na medida em que” (art. 5.º, n.º 3, do TUE), o que leva TAKIS TRIDIMAS a afirmar

que a proporcionalidade “is also incorporated by implication” no princípio da

                                                                                                               

465 Conclusões do AG P. Léger apresentadas em 12.3.1996 (C-84/94), em especial § 123 e ss. Também

em sentido idêntico, M. D’OLIVEIRA MARTINS, O princípio da..., p. 285 e 286.

466 Cremos que existe um erro de tradução na versão disponibilizada pelo TJUE, já que coloca os termos

na ordem inversa: ora, o princípio da subsidiariedade intervém de facto a montante, e o da proporcionalidade a jusante. Na tradução italiana, mais próxima: “In altri termini, il principio della sussidiarietà interviene a monte dell'azione comunitaria mentre quello di proporzionalità entra in gioco a valle di tale azione” (no mesmo sentido, “before” e “after”, na versão inglesa; “antes” e “después”, na tradução espanhola).

467 Idem.

subsidiariedade469. Tudo a acrescer, portanto, em complexidade e demonstrando a diluição de fronteiras entre os princípios.

De qualquer forma, numa tentativa de necessária categorização ou de arrumação de conceitos, que se deva abstrair da tendencial convergência prática entre os princípios na resolução dos casos, há que enunciar algumas diferenças de não despicienda importância.

A primeira nota distintiva entre os dois princípios está no facto de a proporcionalidade, contrariamente à subsidiariedade, abranger todo o domínio de acção da União, não se restringindo ao quadro das competências não exclusivas. Intervém no âmbito das competências não exclusivas sempre que, por aplicação da regra da subsidiariedade, se conclua caber à União agir; e intervém ainda no âmbito das competências exclusivas.

Como segunda nota distintiva, podemos referir que enquanto o princípio da subsidiariedade se ocupa das relações entre a União e os EM, modelando o se da actuação comunitária, o princípio da proporcionalidade modela não só a acção da União mas também a acção ao nível dos EM470.

Mais, e talvez mais relevante, enquanto o princípio da subsidiariedade opera ao nível do se da acção centralizada, fundamentando e legitimando essa decisão, o princípio da proporcionalidade opera ao nível do como ou modo dessa acção, pois que tem que ver com a respectiva intensidade471: a intervenção da União, mesmo quando a sua promoção esteja em princípio justificada à luz da subsidiariedade (no caso das competências não exclusivas), não deve em todo o caso exceder o necessário para alcançar os objectivos do Tratado.

                                                                                                               

469 T.TRIDIMAS, The General Principles..., p. 176. Também nesse sentido G. DE BÚRCA, “The Principle

of...Actor”, p. 220: “...whether the Community has power/competence to act, whether it should exercise that power in a given area, and how it should exercise the power, are inextricably interlinked within the context of the subsidiarity principle”; vd. ainda a Autora em “Proportionality and Subsidiarity...”, referindo que os dois princípios “are being even more closely connected – even blurred”. Também assim, J.LOUIS, “National Parliaments and...”, p. 150: “It clearly derives from the Amsterdam Protocol as well

as from the case law that the subsidiarity check includes a test of necessity, i.e., an element of proportionality. Some authors write: ‘There is...an overlap between the examination of subsidiarity and proportionality: for example the suitability of the measure is in principle relevant to both’”. Ainda K. LENARTS, The Principle of..., p. 882: “Article 3b contains two expressions of the principle of

proportionality: a general one (...); and a more specific one, which takes part of the principle of subsidiarity sensu lato”.

470 Sobre o assunto, G. DE BÚRCA, “Proportionality and Subsidiarity...”, p. 95 e 96.

471 “Se a subsidiariedade se preocupa em individualizar o responsável pelo desencadear da acção,

conferindo-lhe legitimidade para agir, já a proporcionalidade preocupa-se com o conteúdo da própria intervenção, ou seja, com a sua natureza, intensidade e medida” – assim, M.R.VILHENA, O Princípio

Objectivos esses que, no caso concreto em análise, podem ser da mais variada natureza: podemos referir-nos ao “interesse dos Estados472” sempre que se trate de aferir da intensidade da intervenção da União quando comparada com a alternativa da acção ao nível dos EM (dimensão mais correlacionada com a subsidiariedade); ou a valores ou interesses de outra natureza, incluindo de natureza subjectiva (maxime, direitos fundamentais).

Uma ideia que nos parece útil para demarcar os dois princípios, quanto a este último ponto, é a de que o princípio da proporcionalidade dá um “passo em frente” 473 em relação ao princípio da subsidiariedade. Ou seja, mesmo que possa existir um ponto em que a análise dos princípios se interconexiona – em especial quando se trata de definir a amplitude (intensidade) que pode revestir a acção comunitária em correlação com a alternativa ao nível dos EM –, a proporcionalidade dará depois um passo em frente. Promovendo uma análise própria e autónoma, consubstanciada em aferir da

intensidade da medida à luz dos valores ou objectivos legítimos, protegidos pela ordem

jurídica comunitária, que o caso convoque (por exemplo, os direitos fundamentais). KOEN LENAERTS e PATRICK VAN YPERSELE474,abordando a questão, concluem

que no âmbito de aplicação do art. 3.º-B (ora, art. 5.º do TUE), o princípio da proporcionalidade intervém a dois níveis: por um lado, para definir a amplitude que deve revestir a acção comunitária por referência à acção dos EM; por outro lado, para resolver os conflitos que podem surgir entre o objectivo da acção considerada e outros valores, igualmente legítimos à luz do direito da União, que esta possa por em causa.

Assim, concluem que em virtude do princípio da proporcionalidade, a acção da União “não deve interferir nas competências residuais dos diferentes Estados-Membros mais do que é indispensável para atingir os seus objectivos e não deve prejudicar outros objectivos ou valores, concorrentes daqueles que lhe são atribuídos, mais do que é indispensável para atingir os seus objectivos”475.

                                                                                                               

472 Fórmula empregue por T.TRIDIMAS, The General Principles..., p. 138: “Article 5(3) was included in the Treaty primarly with a view to protecting the interests of Member States rather than the interests of the individual”. Já G. DE BÚRCA, “Proportionality and Subsidiarity...”, p. 108 e 109, refere que “the protected interest in question is the policy autonomy of the Member States”. K.LENAERTS, “The Principle of...”, p. 883, prefere referir que “the competing value to be protected by this expression of the principle of proportionality is the sovereignty of the Member States and their subnational authorities”.

473 Também assim N.EMILIOU, The Principle of...., p. 140.

474 K.LENAERTS e P. VAN YPERSELE, “Le principe de...”, p. 61 e ss.

475 Ibidem, p. 81. K. LENAERTS explica-o em “The Principle of...”, p. 883, da seguinte e também

elucidativa forma: “the measure of Community action should be limited to what is necessary to fill the policy gap left by the Member States as a consequence of their partial or total incapacity to achieve the objectives of the proposed action in a sufficient manner”.

Também o AG M. Poiares Maduro, nas Conclusões que apresentou no Processo C-58/08476, deixou claro, quanto à questão da proporcionalidade, que o Tribunal deve apreciar se a decisão do legislador europeu é proporcionada face aos objectivos fixados “quando ponderada com a perda de autonomia por parte dos Estados-Membros e com a interferência nos direitos das demandantes”. Em sua opinião, “[a] apreciação da proporcionalidade exige também que o Tribunal considere que a maior capacidade da Comunidade de alcançar os objectivos da legislação relevante é susceptível de justificar a perda de autonomia por parte dos Estados-Membros que a abordagem escolhida pelo legislador acarreta”, mais assinalando que que “[e]mbora os recentes acórdãos do Tribunal se tenham concentrado na proporcionalidade da legislação comunitária face aos seus objectivos substantivos, (...) também deve ser considerada a proporcionalidade face ao impacto na autonomia do Estado-Membro”.

A inclusão do princípio da proporcionalidade no texto dos Tratados veio afirmar a sua relevância enquanto princípio regulador do exercício das competências da União, ou seja, como “doutrina legislativa” a observar pelas instituições europeias no processo decisório. Segundo NICHOLAS EMILIOU, a proporcionalidade, enquanto princípio

estabelecido no Tratado, e não tanto no sentido com que vem sendo desenvolvido pelo TJ, é concebida para ter aplicação privilegiada na fase do processo legislativo (“legislative stage”)477.

O princípio da proporcionalidade, pese embora o seu lastro histórico enquanto norma de controlo dos actos comunitários (e também nacionais) que em especial contendam com direitos e liberdades individuais, tem efectivamente uma “especial vocação”478 como norma de acção. Isso mesmo está reflectido no texto do Protocolo (versão de Lisboa): “[c]ada instituição assegura continuamente a observância dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade definidos no artigo 5.º do Tratado da União”. Assim, o princípio “serve, num primeiro e decisivo momento, uma intenção

                                                                                                               

476 Conclusões do AG M. Poiares Maduro apresentadas em 1.10.2009 (C-58/08) – cfr. § 37 e 44 e nota

55.

477 N.EMILIOU, The Principle of..., p. 140. Também assim T.TRIDIMAS, “Proportionality in European...”,

p. 81: “Article 3b(3) [à data do texto] lays down a principle which, like the principle of subsidiarity, is directed primarily, although not exclusively, at the political institutions of the Community and is designed to influence the legislative process ex ante, i.e. at the stage of preparation of legislation”.

de racionalização ou orientação do juízo do decisor primário, qualquer que ele seja, impelindo a um aumento da qualidade e legitimidade do processo decisório”479.

Sem prejuízo de tudo o exposto, mesmo perspectivando a proporcionalidade enquanto, e tão-só, norma de acção, ainda assim poderá o princípio ser analisado sob diversas facetas, dependendo dos interesses contrapostos.

Pode desde logo pensar-se no princípio na sua vertente mais identificável com o problema da competência. Por razões de clareza sistemática, identificamo-la, na falta de melhor expressão e utilizando uma fórmula em língua espanhola, como proporcionalidade “competencial”480.

Nesta dimensão, e como referido, a proporcionalidade vai interessar sobretudo na relação com o problema da base jurídica e da subsidiariedade, na ponderação entre a acção da União e a acção ao nível dos EM. Trata-se da perspectiva segundo a qual a acção da União não deve interferir na competência dos EM mais do que é indispensável para atender aos seus objectivos. Como refere G. DE BÚRCA, tendo em perspectiva o ex-

art. 5.º, n.º 3, do TCE (ora, art. 5.º, n.º 4, do TFUE), o interesse aqui protegido “is the

policy autonomy of the Member States”; estando em causa a preocupação

(“proportionality concern”) de assegurar que a autonomia dos Estados-Membros não é excessivamente restringida pela acção centralizada481. Trata-se de dinâmica já assinalada designadamente pelo AG M. Poiares Maduro482.

É precisamente neste domínio que podemos divisar as discussões acerca do instrumento jurídico adequado (directiva versus regulamento) ou do nível de harmonização/unificação legítima. Alguns Autores preferem discutir tais questões ao abrigo ainda da problemática da subsidiariedade483; outros optam por considerá-las                                                                                                                

479 Ibidem.

480 A fórmula surge em M.MORALES ROMERO, El Legislador Penal..., passim (exemplo, p. 315).

481 G. DE BÚRCA, “Proportionality and Subsidiarity...”, p. 108 e 109; donde, segundo a Autora, e em

termos que também já identificámos, “Community action should go no further, in restricting the Member State’s freedom to act, then is necessary to achieve its aims”. Também T.TRIDIMAS, “Proportionality in

European...”, p. 80, refere que o ora art. 5.º, n.º 4, do TFUE, “forms part of a system of provisions whose aim is to control the expansion of the Community legislative action and to seek to limit burdens on Member States rather than on individuals” (mas “[t]his is not to say that the protection of rights of the individual is excluded from the scope of [the] Article”).

482 Cfr. ainda M.MORALES ROMERO, El Legislador Penal..., p. 353, para quem a proporcionalidade

“competencial” prevista no art. 5.º do TUE – diferentemente da proporcionalidade na sua dimensão enquanto princípio geral do direito europeu, que aborda a relação entre a União e o indivíduo –, centra-se na questão do tipo e extensão do exercício “competencial”, ou seja, na perspectiva da relação entre a União e os EM.

483 Cfr., entre outros, G.A.BERMANN, “Taking Subsidiarity Seriously...”, p. 371 e ss; F. DE QUADROS, O princípio da..., p. 52 e ss., referindo-se às “formas de aplicação do princípio da subsidiariedade” (directiva versus regulamento; harmonização versus unificação; “quadrinómio mera coordenação / aproximação / harmonização / uniformização ou unificação”).

como questões que relevam da aplicação do princípio da proporcionalidade, o que hoje parece reforçado pela alusão, no art. 5.º, n.º 4, ao “conteúdo e forma” da acção. Mais um indicador da diluição de fronteiras entre a subsidiariedade e a proporcionalidade a que fizemos referência.

O Protocolo de Amesterdão, nos seus pontos 6 e 7, dedicava-se já ao tema da

forma, natureza e alcance da acção ao nível europeu, seguido as linhas orientadoras

definidas pelo Conselho Europeu de Edimburgo.

Nos termos do Protocolo de Amesterdão (ponto 6), a forma da acção deve ser tão simples quanto possível e coerente com o objectivo da medida e a necessidade da sua aplicação eficaz, sendo que a União legislará apenas na medida do necessário; em igualdade de circunstâncias, deve optar-se por directivas em vez de regulamentos e por directivas-quadro em vez de medidas pormenorizadas, enquanto “softer forms of

law”484.

A razão da recomendação reside no facto de a directiva deixar mais espaço para a intervenção e acção dos Estados, deixando nas mãos destes, no acto da transposição, a forma e os meios para alcançar o objectivo previsto. Não se pode todavia desconsiderar o facto de as directivas poderem ser muito precisas, concretizando restritivamente as obrigações para os Estados e limitando em muito a respectiva discricionariedade485.

Sem prejuízo do exposto, é oportuno relembrar que no âmbito do contencioso comunitário (pedido de decisão prejudicial) foi discutida a validade da DQ relativa ao mandado de detenção europeu (2002/584/JAI), tendo sido argumentado que a matéria apenas poderia ser regulada por convenção. O TJ considerou essa alegação improcedente, mas resolveu a questão pelo prisma da base jurídica/competência, nada referindo quanto a possíveis argumentos de subsidiariedade e/ou proporcionalidade “competencial” (que as partes também não invocaram)486.

O Tribunal considerou, entre o mais, que “[o] artigo 34.º, n.º 2, UE também não estabelece qualquer prioridade entre os diferentes instrumentos nele enumerados, de modo que não está excluído que o Conselho possa optar entre diversos instrumentos para regular a mesma matéria, sem prejuízo dos limites impostos pela natureza do instrumento escolhido” (§ 37); e que “[e]mbora seja verdade que o mandado de detenção europeu também poderia ter sido objecto de convenção, cabe no poder de                                                                                                                

484 G. DE BÚRCA, Reappraising Subsidiarity’s Significance..., p. 32. 485 Cfr. M.MORALES ROMERO, El Legislador Penal..., p. 415.

486 Cfr. o AcTJ, 3.5.2007, Advocaten voor de Wereld (C-303/05). Para uma análise do Acórdão, cfr. J.

apreciação do Conselho privilegiar o instrumento jurídico decisão‑quadro, quando, como no caso vertente, se encontrem preenchidos os requisitos da adopção de tal acto” (§41, destaques nossos).

Naturalmente que a questão da escolha do instrumento jurídico adequado, em concreto a opção entre o regulamento e a directiva, só se suscita quando o Tratado não especificar o instrumento a adoptar e consequentemente deixar essa liberdade às instituições europeias.

Aliás, o art. 296.º do TFUE refere precisamente que “[q]uando os Tratados não determinem o tipo de acto a adoptar, as instituições escolhê-lo-ão caso a caso, no respeito dos processos aplicáveis e do princípio da proporcionalidade”: é o que parece ocorrer, por exemplo, no quadro do art. 325.º do TFUE relativo à luta contra a fraude, pressupondo que o mesmo possa fundar, nos termos apontados no Capítulo 2.º da Parte I, a competência da União para a harmonização do direito penal substantivo nesse domínio. O mesmo já não ocorre, porém, no quadro do art. 83.º, n.º 1 e n.º 2, do TFUE, que especificamente enquadra a competência da União para a harmonização do direito penal substantivo e que expressamente prevê o instrumento da directiva: a escolha do legislador, neste último caso, está definitivamente limitada pela própria norma de

competência.

Quanto à natureza e ao alcance da acção, nos termos do Protocolo (ponto 7), na versão de Amesterdão e no seguimento das directrizes de Edimburgo, as medidas tomadas pela União devem deixar às instâncias nacionais uma margem de decisão tão ampla quanto possível, desde que compatível com a realização do objectivo da medida e a observância das exigências do Tratado; sem prejuízo do direito da União, deve ser assegurado o respeito pelos sistemas nacionais consagrados e pela organização e

funcionamento dos sistemas jurídicos dos Estados-membros e, quando apropriado, e sob

reserva da necessidade de assegurar uma aplicação adequada, as medidas comunitárias devem facultar aos EM vias alternativas para alcançar os objectivos dessas medidas.

Assim, e no que se refere à harmonização do direito penal substantivo, a proporcionalidade “competencial” intimamente ligada à subsidiariedade, tendo subjacente o respeito pela autonomia dos EM, tem importância quando se discute o grau da harmonização, maxime a sua contraposição com a unificação. No entanto, poderá considerar-se que a discussão será mais fértil no domínio de outras bases jurídicas que não a identificada com o art. 83.º, n.º 1 e n.º 2, do TFUE, na medida em que também

neste caso aquela norma de competência deixou claro que a harmonização por si legitimada parte da condição das “regras mínimas”, nos termos já explicitados no 2.º Capítulo da Parte II, excluindo o cenário da unificação.

Ainda assim, a questão mantém interesse, já que as regras mínimas não significam necessariamente um conteúdo em absoluto mínimo; significam apenas nos sobreditos termos, e considerando designadamente a fórmula que surge evidenciada nos considerados de algumas directivas harmonizadoras, que “os Estados-Membros são livres de aprovar ou manter normas penais mais rigorosas” (dentro, evidentemente, de