• Nenhum resultado encontrado

O Tratado de Maastricht: a consagração 136

2.   A evolução do princípio da subsidiariedade: em geral 133

2.2.   O Tratado de Maastricht: a consagração 136

O princípio da subsidiariedade, enquanto cláusula geral, ganharia consagração no TCE, na sua versão de Maastricht. A doutrina tem considerado que subjacente a essa menção expressa esteve um certo temor dos EM perante a força expansiva das atribuições e competências da Comunidade. Refere-se mesmo a subsidiariedade enquanto “espécie de antídoto à forte e generalizada preocupação dos Estados-membros relativamente à tendência constante da ampliação dos poderes por parte do decisor comunitário”386.

                                                                                                               

385 Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Roma, 14 e 15 de Dezembro de 1990.

386 M. L. DUARTE, “A aplicação jurisdicional...”, p. 790. G. DE BÚRCA, Reappraising Subsidiarity’s Significance..., p. 9, fala-nos de um “fear of excessive centralisation and of inexorable increase in Community action and influence” como razão para a introdução da subsidiariedade “as formal norm of EU law”. Também no mesmo sentido, G. A. BERMANN, “Taking Subsidiarity Seriously...”, p. 347,

considerando que“[v]iewed as a whole, the Maastricht Treaty thus reflects a strong linkage between the expansion of Community competences and the necessity of self-restraint in their exercise”. Ainda no

A doutrina aponta três factores, relacionados com o AUE e as negociações de Maastricht, justificativos deste temor em relação à Comunidade, que em Maastricht deixa simbolicamente de ser Económica Europeia para passar a ser Europeia: i) os poderes de intervenção relativamente a novos domínios (em Maastricht, educação, cultura, saúde pública, protecção dos consumidores, indústria, entre outros387, e já no AUE, política social, ambiente, inovação tecnológica, entre outros); ii) alteração no processo decisório ao nível do Conselho (da unanimidade para a maioria qualificada); iii) a própria “doutrina” integracionista do TJ388.

O Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, aditou ao Tratado que institui a Comunidade Europeia (nova designação) um art. 3.º-B, dando consagração expressa ao princípio no seu segundo parágrafo – “[a]

binding, enforceable and justiciable expression of the principle within primary EC law”389.

De referir que as menções de Maastricht ao princípio não se ficaram pela sua consagração no mencionado preceito do TCE. É de destacar que o preâmbulo do TUE enunciou o desejo de “aprofundar a solidariedade entre os seus povos, respeitando a sua

História, cultura e tradições” e a resolução “em continuar o processo de criação de uma

união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam

tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos, de acordo com o princípio da subsidiariedade” (5.º e 12.º considerandos, respectivamente).

Também o seu art. A, § 2, referia que o novo Tratado assinalava “uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas ao nível mais próximo possível dos

cidadãos”390; o seu art. B referia que “os objectivos da União serão alcançados de acordo com as disposições do presente Tratado e nas condições e segundo o calendário                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    

mesmo sentido, K.LENAERTS e P. VAN YPERSELE, “Le principe de...”, p. 4 a 7, considerando que os EM

pretenderam “faire obstacle aux dérives qu’ils considèrent comme injustifiées”.

387 Analisaremos mais pormenorizadamente a competência em matéria de justiça e assuntos internos

(JAI).

388 Assim G. A. BERMANN, p. 362 a 366, e K.LENAERTS e P. VAN YPERSELE, p. 4 a 7, nas obras supra

citadas; e ainda K.LENAERTS, “The Principle of...”, p. 851 e 852. Também referindo-se à questão da perda da unanimidade no Conselho, e analisando o art. 100.º do TCEE e o art. 100.º-A aditado ao TCEE pelo AUE, T. TRIDIMAS, “Competence after Lisbon...”, p. 47 e 48. Ainda D. WYATT, “Could a

‘yellow....”, p. 2, assinalando que com a introdução da regra da maioria qualificada o número anual de actos adoptados pelas instituições mais do que duplicou entre 1986 e 1992 – de 311 para 752.

389 G. DE BÚRCA, Reappraising Subsidiarity’s Significance..., p. 16.

390 G. DE BÚRCA, ibidem, identifica esta fórmula como a “democratic expression of subsidiarity”,

distinguindo-a da “narrower legal formulation of subsidiarity” do art. 3.º-B do TCE (“hard legal core of subsidiarity”).

nele previstos, respeitando o princípio da subsidiariedade, tal como definido no artigo

3.º-B do Tratado que institui a Comunidade Europeia”; e o seu art. F reiterava o

respeito, pela União, “da identidade nacional dos Estados-membros, cujos sistemas de governo se fundam nos princípios democráticos”.

Por outro lado, considerando que a subsidiariedade terá sido introduzida como reacção a um alargamento manifesto das competências da Comunidade a novos domínios, não é de estranhar que o Tratado de Maastricht se tenha também empenhado em introduzir a linguagem da subsidiariedade nos capítulos dedicados às novas competências comunitárias – a título de exemplo, arts. 126.º, 127.º, 128.º, 129.º, 129.º-A e 130.º do TUE391.

Note-se que, como adiante melhor explicitaremos, o Tratado de Maastricht consagrou expressamente a subsidiariedade no âmbito do (então novo) terceiro pilar (JAI) – cfr. o art. K.3, n.º 2, al. b), do TUE.

A discussão em torno do princípio da subsidiariedade, no pós-Maastricht, foi intensa. Para tanto contribuiu não só a intensa produção doutrinária nos anos 90, mas igualmente o labor das instituições comunitárias, que nesses anos produziram vasta documentação destinada ao desenvolvimento e interpretação do princípio.

De destacar são os Conselhos Europeus de Lisboa, Birmingham, e muito especial de Edimburgo, este último com uma Abordagem global da aplicação pelo

Conselho do princípio da subsidiariedade e do artigo 3.º-B do Tratado da União Europeia, cujas orientações foram depois incorporadas no Protocolo relativo à

aplicação do princípio introduzido em Amesterdão392. Referência especial merece                                                                                                                

391 Assim G. A. BERMANN, “Taking Subsidiarity Seriously...”, p. 346. Em sentido próximo, F. DE

QUADROS, O princípio da..., p. 34 a 36, que encontra concretizações do princípio nos seguintes preceitos dos Tratados, versão de Maastricht: art. J.4, n.º 4, do TUE (PESC), arts. 118.º-A (condições de trabalho), 126.º (educação), 128.º (cultura), 129.º (saúde pública), 129.º-A (defesa dos consumidores), 129.º-B (redes transeuropeias), 130.º (indústria) e 130.º-G (investigação e desenvolvimento tecnológico), todos do TCE, e art. 2.º do Protocolo relativo à política social. Em sentido próximo, Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Edimburgo, 11 e 12 de Dezembro de 1992 – Abordagem global da aplicação pelo Conselho do princípio da subsidiariedade e do artigo 3.º-B do Tratado da União Europeia, que destaca o art. K.3, n.º 2, al. b), do TUE.

392 Cfr. Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Lisboa, 26 e 27 de Junho de 1992, em

especial p. 9 e 10, afirmando a “inclusão no Tratado do princípio da subsidiariedade enquanto nova regra fundamental juridicamente vinculativa” e sublinhando “que o futuro desenvolvimento harmonioso da União depende em grande medida da rigorosa aplicação, por todas as Instituições, do princípio da subsidiariedade, à legislação presente e futura”; Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Birmingham, 16 de Outubro de 1992, manifestando ser “essencial dar vida a este princípio – da ‘subsidiariedade’ ou ‘proximidade’ – se pretendemos que a Comunidade se desenvolva com o apoio dos seus cidadãos”, mais apontando para as decisões a adoptar no Conselho Europeu seguinte, baseadas em relatórios sobre o princípio (vd. Anexo I – Declaração de Birmingham – Uma Comunidade próxima dos

também a Comunicação da Comissão datada de 27 de Outubro de 1992 dedicada ao princípio, considerada um importante elemento para o seu estudo393. Relevante ainda, no pós-Maastricht, é o Acordo Interinstitucional entre o PE, o Conselho e a Comissão sobre os procedimentos para a aplicação do princípio da subsidiariedade, aprovado pelo Parlamento em 17 de Novembro de 1993, no qual se estabelece o compromisso das três instituições relativamente à observância e controlo do princípio394.

Estando em causa “uma nova regra fundamental juridicamente vinculativa”, como foi identificada pelo Conselho Europeu de Lisboa, o debate no pós-Maastricht centrou-se na enunciação de directrizes de interpretação do princípio, sempre apontado de complexa concretização. Por outro lado, a discussão foi profícua quanto a determinar a sua verdadeira natureza: princípio de “pulsão centrípeta ou centralizadora” ou princípio descentralizador enquanto “limite à expansão das competências comunitárias”395396.

Há que reconhecer que o princípio, na sua génese histórica no âmbito do direito comunitário, surge precisamente como reacção – e por isso como tentativa de imposição                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    

seus cidadãos); Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Edimburgo, 11 e 12 de Dezembro de 1992, com uma Abordagem global da aplicação pelo Conselho do princípio da subsidiariedade e do artigo 3.º-B do Tratado da União Europeia (Anexo 1 à Parte A) e com uma análise, promovida pela Comissão na sequência de Birmingham, de reapreciação de certas propostas pendentes e da legislação em vigor à luz do princípio da subsidiariedade (Anexo 2 à Parte A).  

393 SEC (92) 1990 final – 27.10.1992. Veja-se, também da Comissão, COM (93) 545 final – 24.11.1993.

De referir ainda os relatórios da Comissão sobre a subsidiariedade, produzidos entre 1994 e 1997, na sequência do compromisso assumido no Acordo Interinstitucional. Para uma visão exaustiva desses relatórios, bem como das reações críticas do PE, M.D’OLIVEIRA MARTINS, O princípio da..., p. 210 a 244.

394 Acordo Interinstitucional entre o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão sobre os procedimentos para a aplicação do princípio da subsidiariedade (JO C 329, de 6.12.1993).

395 Expressões de M.L.DUARTE, “A aplicação jurisdicional...”, p. 791 e 792, apontando no sentido de um

“factor de desintegração”. Também assim, K.LENAERTS e P. VAN YPERSELE, “Le principe de...”, p. 11,

analisando o preceito que consideram incorporar ordens de abstenção (e não ordens de acção), e afirmando que o princípio deve “en effet, jouer un rôle de frein face aux appétits, jugés excessifs par certains, de la Communauté”. Ainda D. WYATT, “Subsidiarity and judicial...”, p. 505 e 506: “[s]ubsidiarity was never needed to ensure that subject matter eligible for regulation at the Community level be so regulated; it was sorely needed to temper what at least appeared to be the propensity to regulate at the Community level for its own sake”. No mesmo sentido, F. DE QUADROS, “O princípio

da...”, p. 237 e 238, e G.A.BERMANN, “Taking Subsidiarity Seriously...”, p. 339 e ss. Mas em sentido diferente parece estar J.SCHWARZE, “Le príncipe de...”, p. 618, quando afirma que o princípio servirá de

meio de integração, destinado a assegurar um consentimento amplo para a aceitação do processo europeu no futuro. Também G.DAVIES, “Subsidiarity: the wrong...”, p. 68 e 76 a 77, considera o princípio centralizador, mas criticando-o por isso mesmo; na sua opinião, a subsidiariedade dá aos EM “a right to employment in Community service, wherever they can show that they are up to the task, but it does not give them a voice, let alone a seat on the board”, “Member States simply cannot do at all many of the cross-border things that the Community can do (...) Subsidiarity therefore serves primarily as a masking principle, presenting a centralizing polity”.

396 Quanto a este ponto, assinala-se o Ac. do TC Federal Alemão sobre a constitucionalidade do Tratado

de Maastricht sobre a UE, claramente tributário da ideia descentralizadora. Cfr. “Acórdão do Tribunal Constitucional Federal Alemão, Karlsruhe, 2.ª Secção, 12 de Outubro de 1993 – 2 BVR 2134792, 2 BVR 2159792”, na versão traduzida por M. Brito Correia, p. 263 a 315.

de um limite – à expansão das competências comunitárias; isto em favor de um espaço decisório nacional. Pressupondo, portanto, uma abstracta primazia dos EM no exercício das atribuições não exclusivas (concorrentes), o que é aliás conforme com o desiderato, também expresso em Maastricht, de que as decisões sejam tomadas ao nível mais

próximo dos cidadãos. Sem que isso signifique evidentemente pôr em causa as

atribuições conferidas à União pelos Tratados: trata-se tão-só de regular o seu exercício. Pode até afirmar-se, com KOEN LENAERTS e PATRICK VAN YPERSELE397,que a

questão de saber se a subsidiariedade constitui factor de integração ou de desintegração está em certa medida mal enunciada, devendo antes partir-se de uma abordagem mais global. Ou seja, uma abordagem global que perspective não apenas o art. 3.º-B, mas o conjunto do TUE: embora a subsidiariedade se enuncie como factor de desintegração, é também verdade que surge num cenário de grande integração, ou seja, num contexto de expansão das competências da União (inclusive a domínios tradicionalmente vistos como atributos da soberania), e como seu contraponto. Como afirmam, “mais competências, competências de um novo tipo, mas competências cuja implementação é suspensa à prova da insuficiência dos Estados-Membros”.

Mas mesmo quem, como por exemplo o PE, sempre aplaudiu o princípio enquanto “defesa das competências nacionais”398, não deixou de se preocupar com uma eventual instrumentalização do mesmo399 perniciosa para o desenvolvimento do direito comunitário. Não foi por acaso que o Protocolo de Amesterdão, a analisar infra, se revestiu de certas cautelas.