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O período de Maastricht 10

1.   O Tratado de Maastricht e o terceiro pilar 9

1.2.   O período de Maastricht 10

                                                                                                               

21 Seguindo N.PIÇARRA, “Direito da União...”, p. 249 e ss; e A.MIRANDA RODRIGUES e J.LOPES DA

MOTA, Para uma Política..., p. 19 e ss.

22 Assim, A. MIRANDA RODRIGUES e J. LOPES DA MOTA, ibidem, p. 22, com ulteriores indicações.

Destacamos a Convenção, de 25.5.1987, relativa à Aplicação do Princípio ne bis in idem e a Convenção, de 13.11.1991, sobre a Execução de Condenações Penais Estrangeiras. Sobre os trabalhos do referido Grupo, com pormenor, J.GARCIA MARQUES, “Cooperação judiciária em...”. O AUE foi assinado, pelos

então doze, no Luxemburgo e em Haia, respectivamente em 17.2.1986 e 28.2.1986, tendo entrado em vigor em 1.7.1987 (JO L 169, de 29.6.1987). Vd. a Declaração Política dos Governos dos Estados- Membros relativa à livre circulação de pessoas, anexa ao AUE, referindo que os EM “[c]ooperam igualmente no que respeita à luta contra o terrorismo, a criminalidade, a droga e o tráfico de obras de arte e de antiguidades”.

23 Schengen tem um significado e evolução próprios muito significativos, que não cuidaremos de

desenvolver, já que no âmbito do ELSJ nos interessará essencialmente a parte correspondente ao ex- terceiro pilar. Sobre Schengen, cfr. N. PIÇARRA, “Direito da União...”, p. 255 e ss; e “O espaço

de...perspectivas”, p. 32 a 37. O Acordo e a Convenção Schengen foram assinados, respectivamente, em 14.6.1985 e em 19.6.1990, atenta a “falta de consenso entre os então doze Estados-Membros para fazer da própria UE um espaço de fronteiras internas abertas” (N. PIÇARRA, “Direito da União...”, p. 255). Lembre-se que os países signatários foram a Bélgica, a Alemanha, a França, o Luxemburgo e os Países Baixos. À data da transferência do acervo de Schengen para o âmbito da UE, pelo Tratado de Amesterdão, o Espaço Schengen abrangia os países originariamente signatários, Espanha, Portugal, Áustria e Itália, encontrando-se o processo com a Grécia em fase avançada.

24 P.CAEIRO, Fundamento, Conteúdo e..., p. 417. É interessante fazer uma breve referência ao Projecto de

Tratado constitutivo da Comunidade Europeia de Defesa, de 1952, que embora fracassado integrava um protocolo anexo, contemplado como regime transitório “until such time as a common military criminal code comes into effect” (cfr. arts. 61.º e 61.º-bis do Tratado), com um conjunto de “Penal Provisions”.

No âmbito de Maastricht, foi criada a União Europeia assente numa estrutura de três pilares, correspondendo a cada pilar objectivos, instrumentos e procedimentos próprios25. A cooperação no domínio JAI foi institucionalizada no novo terceiro pilar, no contexto do Título VI do TUE (“Disposições relativas à cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos”), ou seja, fora do âmbito do (primeiro) pilar comunitário.

À União atribuiu-se o objectivo do “desenvolvimento de uma estreita cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos” (art. B), sendo essa cooperação instituída no art. K. A cooperação judiciária em matéria penal foi considerada expressamente como uma das nove questões de “interesse comum” (art. K.1, 7)).

A lógica que lhe presidiu foi a intergovernamental, com as decisões tomadas pelo Conselho por unanimidade e iniciativa exclusiva dos EM, estando a Comissão privada do seu poder de iniciativa autónoma nos domínios da cooperação judiciária em matéria penal e policial, tudo nos termos dos arts. K.3 e K.4. Os Estados afastaram, pois, a cooperação judiciária penal do pilar comunitário – aliás, toda a matéria JAI foi afastada do pilar comunitário –, preferindo conservá-la sob o seu estrito domínio26.

Como nos diz PEDRO CAEIRO, na vigência de Maastricht, “a arquitectura do

título VI do TUE não permite duvidar de que os Estados-Membros tenham querido excluir uma competência penal da Comunidade, ainda que tenham manifestado o desejo de instituir uma cooperação mais intensa nesta matéria”, na medida em que “todo o edifício se encontra construído sobre a ‘cooperação intergovernamental’” 27.

Com efeito, no âmbito da cooperação judiciária em matéria penal, apenas o Conselho tinha, ao lado dos EM com o seu poder de iniciativa exclusiva, um papel predominante; mas isto enquanto “Instituição da UE que representa os interesses nacionais”28. A Comissão estava, como referido, privada do seu poder de iniciativa. O papel do PE era bastante modesto, essencialmente destinatário de informação e órgão consulta, sem estar sequer especificado com clareza em que termos (art. K.6). O TJ, por sua vez, estava praticamente excluído do terceiro pilar (art. L), prevendo-se uma                                                                                                                

25 O TUE foi assinado em Maastricht em 7.2.1992 e entrou em vigor em 1.11.1993 (JO C 191, de

29.07.1992).

26 Assim P.CAEIRO, “Cooperação judiciária na...”, p. 443. Para A.MIRANDA RODRIGUES e J. LOPES DA

MOTA, Para uma Política...p. 34, “[o] terceiro pilar não comporta nem integração, nem, em consequência, cessão de soberania”.

27 P.CAEIRO, “Perspectivas de formação...”, p. 198. 28 C.URBANO DE SOUSA, “O ‘Novo’ Terceiro...”, p. 874.

excepção mas apenas relativamente às convenções: estas podiam prever a competência do TJ para interpretar as respectivas disposições e decidir sobre os diferendos relativos à sua aplicação, de acordo com as modalidades que essas mesmas convenções

especificassem (art. K.3, n.º 2, al. c))29.

As posições comuns, as acções comuns e as convenções foram os instrumentos instituídos por Maastricht. Note-se que as convenções estavam sujeitas a uma dupla unanimidade – unanimidade no Conselho para a sua elaboração e ratificação por todos os EM para entrarem em vigor30–, o que claramente condicionava o seu sucesso. Já quanto à adopção de acções comuns, é interessante sublinhar a “linguagem da subsidiariedade” do art. K.3, n.º 2, al. b): o Conselho, por iniciativa de qualquer EM, poderia adoptar acções comuns, mas apenas “na medida em que os objectivos da União [pudessem] ser melhor realizados por meio de uma acção comum que pelos Estados- membros actuando isoladamente, atendendo à dimensão ou aos efeitos da acção prevista”.

Em suma, configurava-se uma cooperação de tipo intergovernamental, sem incidência directa sobre o conteúdo do direito penal nacional31. “[E]ntre Maastricht e Amesterdão, a União serviu como uma espécie de ambiente catalisador de vontade entre os vários Estados”32. Algumas posições comuns, acções comuns e convenções importantes foram celebradas nesta sede, mas fala-se de um cenário de lacunas e de magros resultados33.

                                                                                                               

29 C.URBANO DE SOUSA, ibidem, p. 876, refere ainda outra excepção reconhecida pelo TJ: “da leitura

conjugada dos artigos L e M, o TJ reconheceu ainda a sua competência para anular os actos normativos do Terceiro Pilar adoptados pelo Conselho na medida em que estes invadam a esfera de competência que o TCE atribui à Comunidade Europeia” – vd. AcTJ, 12.5.1998, Comissão/Conselho (C-170/96). Seria precisamente essa jurisprudência, expressiva do “primeiro conflito de competências entre o I e o III Pilar da UE” (N.PIÇARRA, “Direito da União...”, p. 253), que mais tarde modelaria os termos do Ac. Ambiente

(C-176/03) – cfr. infra.

30 A nota é deC. URBANO DE SOUSA, “O ‘Novo’ Terceiro...”, p. 875, que também assinala que as

convenções eram, no terceiro pilar, “os únicos instrumentos normativos cujos efeitos jurídicos vinculativos eram inquestionáveis”.

31 Assim A.MIRANDA RODRIGUES e J.LOPES DA MOTA, Para uma Política..., p. 32; e também M.

DELMAS-MARTY, “The European Union...”, p. 88. H.LABAYLE, “Un espace de ...”, p. 828, referindo-se

ao terceiro pilar de Maastricht, fala-nos da “rigidité de son caractère intergouvernemental (...) en raison de l’exclusion délibérée des institutions communautaires et du règne de l’unanimité décisionnelle”. C. URBANO DE SOUSA, “O ‘Novo’ Terceiro...”, p. 877, algo diferentemente, prefere falar de um modelo de “intergovernamentalismo mitigado” ou de “intergovernamentalização institucionalizada”, considerando que “o Terceiro Pilar assumia uma natureza híbrida, pois os aspectos intergovernamentais preponderantes eram mitigados por elementos que não relevam do Direito Internacional Público clássico, e que evidenciavam uma certa influência da lógica comunitária no Terceiro Pilar”.

32P. CAEIRO, “Cooperação judiciária na...”, p. 443, destacando, do ponto de vista processual, a

importância das Convenções de Extradição de Bruxelas (1995) e Dublin (1996).

33 C.URBANO DE SOUSA, “O ‘Novo’ Terceiro...”, p. 878, refere um “magro resultado alcançado” e uma

Destacamos, quanto ao direito penal substantivo, e a título exemplificativo, (i) do lado das acções comuns, a Acção Comum relativa à acção contra o racismo e xenofobia, a Acção Comum relativa à acção contra o tráfico de seres humanos e a exploração sexual de crianças, a Acção Comum relativa ao branqueamento de capitais, identificação detecção, congelamento, apreensão e perda de instrumentos e produtos do crime, a Acção Comum relativa à corrupção no sector privado e a Acção Comum relativa à incriminação da participação numa organização criminosa nos EM da União 34; (ii) e do lado das convenções, a Convenção relativa à Protecção dos Interesses Financeiros das Comunidades (“Convenção PIF”), e seus protocolos adicionais, e a Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Europeias ou dos EM da União35.

Em qualquer caso, tratava-se da definição de uma obrigação dirigida aos EM de prever (ou conformar) a incriminação de certos factos, ainda que através de uma acção comum cujo efeito vinculativo foi sempre considerado duvidoso36. E isto por forma a alcançar uma certa aproximação das legislações penais internas, sempre na lógica de “melhorar” a cooperação judiciária em matéria penal enquanto questão de “interesse comum”37.

Note-se que estes instrumentos integravam também a obrigação de prever “sanções penais eficazes, proporcionais e dissuasoras”, alguns ainda prevendo “nos casos graves, penas privativas da liberdade, podendo implicar a extradição”38, mas deixavam ao legislador nacional ampla margem de liberdade.

1.3. Um elemento colocado “al di fuori”: o artigo 209.º-A e o domínio da