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Um elemento colocado “al di fuori”: o artigo 209.º-A e o domínio da protecção

1.   O Tratado de Maastricht e o terceiro pilar 9

1.3.   Um elemento colocado “al di fuori”: o artigo 209.º-A e o domínio da protecção

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

RODRIGUES e J.LOPES DA MOTA, Para uma Política..., p. 35; e N.PIÇARRA, “Direito da União...”, p. 255, e em “O espaço de...perspectivas”, p. 27, sublinhando a criação pela União de “um direito em grande parte virtual”.

34 Cfr., com maior detalhe, a lista constante de Anexo I – C. 35 Cfr., com maior detalhe, a lista constante de Anexo I – D. 36 A.MIRANDA RODRIGUES, O Direito Penal..., p. 46.

37 Algumas acções comuns vão ainda buscar a sua legitimação a outras questões de “interesse comum”.

Veja-se o caso da Acção Comum 97/154/JAI (tráfico de seres humanos e exploração sexual de crianças), referindo também o propósito de combater uma determinada imigração não autorizada; e o caso da Acção Comum 96/443/JAI (racismo e xenofobia), referindo estar em causa “o estabelecimento de regras de acção contra o racismo e a xenofobia” enquanto “questão de interesse comum”.

38 Vd., a título de exemplo, a Acção Comum 97/154/JAI (tráfico de seres humanos e exploração sexual de

É interessante notar, na vigência do Tratado de Maastricht, o embrião de um regime que se pretendeu (continua a pretender?) colocado “al di fuori”39 do específico contexto penal do TUE. Referimo-nos em particular ao art. 209.º-A do TCE introduzido

em Maastricht, com antecedentes no célebre Ac. Milho Grego, sendo o domínio em causa o da protecção dos interesses financeiros comunitários.

O TJ, no Ac. Milho Grego, proferido no contexto de uma acção de incumprimento contra a Grécia tendo subjacente um caso de fraude contra os referidos interesses financeiros40, procura desenvolver o dever expresso no art. 5.º do TCEE (ora, art. 4.º do TFUE): dever de cooperação leal.

De forma mais restritiva do que o antecessor Ac. Amsterdam Bulb41, o Acórdão considera que “quando uma regulamentação comunitária não contenha qualquer disposição específica que preveja uma sanção [administrativa] para o caso de ser violada ou remeta, nesse ponto, para as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais, o artigo 5.º do Tratado impõe aos [EM] que tomem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito comunitário” (§ 23). Sentencia o Tribunal que os EM, embora conservando “a possibilidade de escolher as sanções”, devem “velar para que as violações do direito comunitário sejam punidas em condições, substantivas e de processo, análogas às aplicáveis às violações do direito nacional de natureza e importância semelhantes e que, de qualquer forma, confiram à sanção um carácter efectivo, proporcionado e dissuasivo”.

A imposição dirigida aos EM é assim inscrita num duplo sentido: que as violações do direito comunitário sejam punidas em condições substantivas e processuais análogas àquelas aplicáveis às violações do direito nacional de natureza e importância semelhante (obrigação de assimilação); e que seja conferido às sanções um carácter efectivo, proporcionado e dissuasivo (obrigação de eficácia).

                                                                                                               

39 Expressão de L.PICOTTI, “Diritto penale comunitario...”, p. 363.

40 AcTJ, 21.9.1989, Comissão/Grécia (C-68/88). Cfr. ainda o AcTJ, 8.7.1999, Nunes e de Matos (C-

186/98). De referir que embora o Ac. Milho Grego tenha sido proferido no âmbito de um caso de fraude, o certo é que a conclusão nele vertida foi recuperada em outros contextos: vejam-se AcTJ, 8.6.1994, Comissão/Reino Unido (C-382/92) (§ 55) e AcTJ, 12.9.1996, Gallotti e o. (C-58/95 e apensos) (§ 14), respectivamente nos domínios da política social (protecção do emprego e dos trabalhadores) e do ambiente (resíduos). Outros casos em H.G.SEVENSTER, “Criminal Law and...”, p. 50 e 51.

41 AcTJ, 2.2.1977, Amsterdam Bulb BV/Produktschap voor siergewassen (C-50/76). Neste Ac., o TJ

considerou que, embora o art. 5.º do TCEE incumbisse os EM de tomarem todas as medidas apropriadas, gerais ou especiais, capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes dos actos das instituições das Comunidades, o mesmo artigo conferia a cada EM a faculdade de escolher as medidas que considerasse adequadas, incluindo sanções, que poderiam mesmo ter natureza penal. Ou seja, as sanções penais fariam parte da liberdade de escolha, não ficando estabelecida qualquer relação de assimilação entre a protecção dos interesses comunitários e a protecção dos interesses nacionais.

Pouco tempo após a prolação do Ac. Milho Grego, o princípio da assimilação ganhou consagração no direito originário comunitário, mas restrito ao domínio PIF42: o Tratado de Maastricht desenvolveu a tese do Acórdão e aditou o art. 209.º-A ao TCE43.

Sufragando o entendimento de alguma da doutrina nacional que cuidou de interpretar o Ac. Milho Grego e o art. 209.º-A que o corporizou, há que concluir que da obrigação de assimilação não poderia deduzir-se que os EM ficassem desde logo vinculados a criminalizar as fraudes contra os interesses financeiros comunitários, mas apenas a adoptar medidas equivalentes (“análogas”) às previstas para proteger os seus próprios interesses financeiros; o que poderia, não necessariamente mas consoante o paradigma nacional vigente para a protecção dos interesses nacionais, abranger sanções penais44.

Ou seja, continuava a considerar-se certo que a Comunidade não dispunha, na vigência de Maastricht, de competência para legislar em matéria penal (jurisdiction to

prescribe). Com o princípio da assimilação, estava em causa uma incidência positiva do

direito comunitário sobre o direito penal interno, mas sempre em qualquer caso

indirecta45.

A própria Comissão, na proposta de Convenção PIF que apresentou com base no art. K.3 do TUE (terceiro pilar), deixou claro o seu entendimento à data: a Comunidade não tem direito para legislar em matéria penal. Concretamente, a Comissão referiu que                                                                                                                

42 Isto sem prejuízo de o Estatuto do TJ, anexo ao TCEE, de 1957, prever o seguinte no seu art. 27.º: “Os

[EM] considerarão qualquer violação dos juramentos das testemunhas e dos peritos como se a infracção tivesse sido cometida perante um tribunal nacional com competência em matéria cível. Por participação do Tribunal, o [EM] em causa processará os autores desse delito perante o órgão jurisdicional nacional competente”. Vd., sobre a questão de saber se o preceito constitui verdadeira norma penal supranacional ou se antes pressupõe mediação pela lei nacional, H.SATZGER, International and European..., p. 51 e ss.

Outro exemplo é dado pelo art. 194.º, n.º 1, do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica, de 1957, relativo ao dever de segredo.

43 Que passou a dispor que “[o]s Estados-membros tomarão, para combater as fraudes lesivas dos

interesses financeiros da Comunidade, medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros (...)”.

44 Cfr., a título exemplificativo, A. MIRANDA RODRIGUES, O Direito Penal..., p. 92; P. CAEIRO,

“Perspectivas de formação...”, p. 198 e 199; M.MANERO DE LEMOS, O défice democrático na..., p. 69. Diferentemente, designadamente, F. DE ANGELIS, “La protezione giuridica...”, p. 40 e 41; G.GRASSO, “La

formazione di...”, p. 17; e “Prospettive di uno...”, p. 117 e ss. Tivemos oportunidade de referir esta polémica, e de tomar partido sobre ela, em Um Ministério Público..., p. 54 e ss. No entanto, no recente AcTJ, 8.9.2015, Taricco e o. (C-105/14), o Tribunal vem contrariar este entendimento, mas já no distinto quadro do Tratado de Lisboa – veja-se o § 39 do Ac. Para a AG J. Kokott, nas suas Conclusões apresentadas em 30.4.2015, § 92 e 93, existia desde a Convenção PIF, que entrou em vigor em Outubro de 2002, um “dever especial dos Estados-Membros de punirem penalmente as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União”, já que a Convenção estabelece que tais fraudes devem ser passíveis de sanções penais efectivas, proporcionadas e dissuasoras, sendo que, em caso de fraude grave, devem mesmo ser previstas penas privativas da liberdade.

45 Como refere M.DELMAS-MARTY, “The European Union...”, p. 105,“the judgement at no point directly imposed a substantive form of criminal proceeding or penalty”.

“[e]mbora o art. 209.º-A CE tenha introduzido no Tratado que institui a Comunidade Europeia uma disposição específica relativa ao dever de equiparação dos Estados- membros em matéria de fraude, não confere uma base jurídica para uma acção legislativa” (entenda-se, harmonizadora) 46. A Comissão viria contudo, na vigência do Tratado de Amesterdão e em face da redacção do então novo art. 280.º do TCE, a modificar esta sua linha de entendimento, em termos que de seguida se enunciarão.