• Nenhum resultado encontrado

A protecção penal do ambiente 28

4.   As propostas “fora da caixa” na vigência de Amesterdão: uma competência penal da

4.2.   A protecção penal do ambiente 28

Embora a doutrina partidária do reconhecimento de uma competência penal da Comunidade fosse sobretudo expressiva no quadro da tutela dos interesses financeiros comunitários, o certo é que as propostas da Comissão “fora da caixa” do TUE não se ficaram pela proposta de directiva PIF. Com efeito, também em 2001, a Comissão apresentou a sua célebre proposta de directiva relativa à protecção penal do ambiente                                                                                                                

93 Mais tarde, porém, já no (diverso) quadro do art. 325.º do TFUE, a Comissão apresentaria uma

proposta de directiva do PE e do Conselho relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal, visando a substituição da proposta de directiva de 2001 e a revogação da Convenção (e protocolos) PIF: COM (2012) 363 final – 11.7.2012.

94 O Tribunal pretendia apenas sublinhar, através da referência àqueles arts., que da sua invocação nunca

poderia decorrer que no âmbito da diversa política do ambiente devesse ser afastada, no quadro do primeiro pilar, toda e qualquer harmonização penal (§ 52).

através do direito penal, com base no art. 175.º, n.º 1, do TCE, num processo que levaria à prolação do não menos célebre Ac. Ambiente96.

Dedicaremos adiante (Parte II, 3.º Capítulo) uma maior atenção ao Ac.

Ambiente, muito polémico aquando da sua prolação e nos anos que se lhe seguiram97. O Acórdão viria a perder com o tempo algum dramatismo com a recuperação pelo Tratado de Lisboa das propostas do Tratado Constitucional, mas não deixa de ter uma assinalável importância, uma vez que, designadamente: i) revela um posicionamento do TJ fortemente criticado, sobretudo por Penalistas, à luz do quadro jurídico então vigente; ii) como que antecipou a vigência do art. 83.º, n.º 2, do TFUE, já na altura projectado no então “suspenso” Tratado Constitucional; iii) é mesmo susceptível de modelara interpretação do novo art. 83.º, n.º 2, do TFUE, e em geral até potenciar uma interpretação “para lá” dos limites desse preceito (cfr. 2.º Capítulo).

Enquadrando o caso, não obstante a proposta de directiva em matéria de ambiente apresentada pela Comissão no contexto do primeiro pilar, o certo é que o Conselho optou, no quadro intergovernamental, por adoptar dois instrumentos precisamente fundados no Título VI do TUE: a DQ 2003/80/JAI relativa à protecção do ambiente através do direito penal; e a DQ 2005/667/JAI destinada a reforçar o quadro penal para a repressão da poluição por navios (que daria origem ao segundo Ac.

Ambiente, infra).

Ora, no processo que daria origem ao Acórdão do TJ de 13 de Setembro de 200598, a Comissão interpôs um recurso contra o Conselho destinado a obter a anulação da referida DQ 2003/80/JAI. A Comissão foi acompanhada pelo PE, possivelmente empenhado em assumir uma posição de maior destaque na aprovação de normas penais. Já o Conselho foi apoiado por onze EM (dos então quinze, já que o recurso dá entrada em 2003).

O Tribunal anula a DQ, dando provimento ao recurso da Comissão, oferecendo para tanto os seguintes argumentos (§ 38 a 55): i) nenhuma disposição do TCE pode ser afectada por uma disposição do TUE (art. 47.º, e primeiro parágrafo do art. 29.º, ambos do TUE); ii) a protecção do ambiente constitui um dos objectivos essenciais da                                                                                                                

96 COM (2001) 139 final – 13.3.2001. Criticamente, e defendendo mesmo a ineficácia do acto, A.

MIRANDA RODRIGUES, O Direito Penal..., p. 98 a 100.

97 Cfr., para uma sistematização e análise deste Ac., e do Ac Ambiente II a referir seguidamente, S.PEERS,

“The European Community’s...”; ainda J.A.E.VERVAELE, “Harmonised Union policies...”. Vd. ainda a bibliografia indicada na Parte II, 3.º Capítulo.

98 AcTJ, 13.9.2005, Comissão/Conselho (C-176/03). Cfr. ainda a Conclusões do AG D. Ruiz-Jarabo

Comunidade (arts. 2.º, 3.º, n.º 1, al. l), e 6.º, do TCE); iii) os arts. 174.º a 176.º do TCE

constituem o quadro em que deve ser conduzida a política comunitária no domínio do ambiente; iv) em princípio, a legislação penal e processual penal não é abrangida pelo âmbito da competência da Comunidade (remissão para o Ac. Casati, § 27), “[p]orém, quando a aplicação de sanções penais efectivas, proporcionadas e dissuasivas pelas autoridades nacionais competentes constitua uma medida indispensável para lutar contra os atentados graves ao ambiente, esta última conclusão não pode impedir o legislador comunitário de tomar medidas relacionadas com o direito penal dos Estados- Membros que considere necessária para garantir a plena efectividade das normas que promulgue em matéria de protecção do ambiente”; v) donde “atendendo tanto à sua finalidade como ao seu conteúdo, os artigos 1.º a 7.º da decisão-quadro têm por objecto principal a protecção do ambiente e poderiam ter sido validamente adoptados com fundamento no artigo 175.º CE”.

Ora, atendendo aos aludidos fundamentos, o Tribunal considera que a decisão- quadro invade as esferas das competências comunitárias, sendo por isso inválida nos termos do art. 47.º UE.

No Acórdão seguinte (Ship-Source Pollution ou Ambiente II), datado de 23 de Outubro de 2007 99, a narrativa jurídica é muito similar. A Comissão, apoiada pelo PE, interpõe um recurso contra o Conselho visando a anulação da DQ 2005/667/JAI. O Conselho, por sua vez, conta com o apoio de numerosos EM (dezanove de vinte e cinco, já após o alargamento de 2004).

O TJ anula também neste caso a DQ, dando provimento ao recurso da Comissão. Os argumentos jurídicos (§ 52 a 74) mais centrais são similares aos do Acórdão anterior, mas mais intrincados, na medida em que o Tribunal procede à consideração conjunta da política ambiente e da política transportes e funda a intervenção comunitária, não no art. 175.º do TCE, mas no art. 80.º, n.º 2, do TCE (transportes). Segundo o Tribunal: “na medida em que os artigos 2.º, 3.º e 5.º da Decisão-Quadro 2005/667 têm por objectivo garantir a eficácia das normas adoptadas no domínio da

segurança marítima, cujo incumprimento pode ter consequências graves para o ambiente, impondo aos Estados-Membros a obrigação de sancionarem penalmente

certos comportamentos, deve considerar-se que estes artigos têm essencialmente por                                                                                                                

99 AcTJ, 23.10.2007, Comissão/Conselho (C-440/05). Cfr. ainda as Conclusões do AG J. Mazák,

objectivo melhorar a segurança marítima, do mesmo modo que a protecção do ambiente, e poderiam validamente ser adoptados com fundamento no artigo 80.º, n.º 2, CE”.

Note-se todavia que neste caso o Tribunal, contrariando a Comissão, considera que a “fixação do tipo e do grau das sanções penais a aplicar” já “não é da competência da Comunidade”, sendo por isso a DQ adoptada ao abrigo do Título VI do TUE, quanto a esta parte, o instrumento adequado.

Apesar desta consideração, que parecia ter a virtualidade de “salvar” a DQ, o Tribunal conclui pela invalidade plena da mesma. E isto por entender existir um vínculo indissociável entre a norma perceptiva e a norma sancionatória. Ou seja, no entender do Tribunal, uma vez que a decisão-quadro não podia delimitar o comportamento ilícito, por esse papel caber à directiva, a circunstância de já lhe ser admissível prescrever sanções criminais é dada por irrelevante; devendo, por essa razão, ser anulada na íntegra, com fundamento em violação do art. 47.º, ou seja, em invasão das

esferas de competência comunitária.

Na sequência do primeiro Acórdão, a Comissão apresentaria uma Comunicação sobre as consequências a retirar do mesmo, apresentando uma “lista de textos afectados pelo Acórdão”100. Depois de esclarecer que pediu a anulação da DQ 2005/667/JAI por se tratar do único caso em que, por razões de prazo processual, tinha a possibilidade de introduzir um recurso de anulação – dando assim a entender que, em podendo, teria requerido a anulação de outras –, a Comissão elabora uma lista de decisões-quadro que entende deverem ser “regularizadas” quanto à sua base jurídica. Ou seja, a Comissão procurou claramente tirar o máximo partido do Acórdão (extravasando o seu alcance, na medida em que, entre o mais, apenas chama à colação o critério da “necessidade” mas não já o da “indispensabilidade”101), com o objectivo de transferir para o quadro do pilar comunitário o conteúdo de numerosas decisões-quadro.

                                                                                                               

100 COM (2005) 583 final – 23.11.2005. Sobre a Comunicação e a reacção dos EM, J.A.E.VERVAELE,

“Harmonised Union policies...”, em especial p. 51 e ss. Também o PE apresentou uma resolução, em que aplaude o Ac., mas “[s]olicita à Comissão que não estenda de forma sistemática as conclusões do Tribunal de Justiça a todas as outras matérias regidas pelo primeiro pilar”, mas que antes privilegie “uma abordagem casuística”; isto no contexto da “necessidade de identificar novas bases jurídicas com fundamento no Tratado CE para instrumentos de legislação aprovados no âmbito do terceiro pilar” – cfr. Resolução do PE sobre as consequências do acórdão do Tribunal de Justiça, 13.9.2005 (2006/2007(INI)).

De sublinhar finalmente que na sequência dos referidos Acórdãos foram efectivamente aprovadas duas directivas contendo medidas de direito penal, a fim de assegurar a aplicação de regras de protecção do ambiente e de luta contra a poluição por navios: a primeira com base jurídica no art. 175.º, n.º 1, do TCE; a segunda com base jurídica no art. 80.º, n.º 2, do TCE102. Mas em qualquer dos casos sem que se contemplassem regras pormenorizadas sobre sanções, designadamente quanto ao seu tipo e grau, na esteira do Ac. Ambiente II: os diplomas apenas se referem a sanções “efectivas, proporcionadas e dissuasivas”, fórmula do Ac. Milho Grego mas aqui aplicável às sanções penais103.