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Introdução ao princípio da subsidiariedade jus-comunitária 131

A primeira referência à subsidiariedade da intervenção da União encontra-se plasmada no preâmbulo do TUE: os EM expressam o seu desejo em “aprofundar a solidariedade entre os seus povos, respeitando a sua história, cultura e tradições”; e declaram a sua resolução “em continuar o processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam tomadas ao nível mais

próximo possível dos cidadãos, de acordo com o princípio da subsidiariedade”. O art.

5.º, n.º 3, do TUE, define expressamente o princípio da subsidiariedade, mas outros preceitos daquele Tratado integram manifestações da mesma ideia – vd. art. 1.º, § 2, e art. 4.º, n.º 2. O Protocolo n.º 2, anexo aos Tratados, é dedicado às condições da sua aplicação.

O princípio da subsidiariedade, tal como consagrado no TUE, consubstancia um princípio regulador do exercício de competências não exclusivas da União. O que significa que não opera ao nível da titularidade das atribuições da União: estas serão as que resultarem dos Tratados. Na expressão de FAUSTO DE QUADROS, “aquele princípio

não reparte atribuições370 entre a União e os Estados-membros, mas apenas disciplina o

                                                                                                               

370 F. DE QUADROS adopta a terminologia atribuições, ao invés de competências, justificando a

preferência – cfr., designadamente, O princípio da..., p. 17. Como explica, atribuições são os interesses prosseguidos pelas pessoas colectivas (elas próprias) e competência, no singular, o conjunto de poderes funcionais dos órgãos de pessoas colectivas; no caso, o que está em causa são as atribuições da comunidade maior e da comunidade menor. Apesar de compreendermos o rigor da terminologia, utilizaremos as duas expressões indistintamente, na medida em que a maior parte dos documentos oficiais da União, incluindo o Tratado de Lisboa, se refere a competências.

exercício de atribuições que os Tratados previamente repartem como não sendo

exclusivas da União” 371.

Considerado como uma redescoberta pelo direito comunitário de ideário pertencente à Doutrina Social da Igreja Católica372, o princípio da subsidiariedade tem sido adjectivado das mais variadas formas. Desde (mero) “princípio de bom senso” ou “princípio da arte de bem governar” a “palavra mágica”, “working principle of

federalism” ou “Magna Carta das instituições europeias”, há também quem o considere

o “epítome da confusão” ou, pelo menos, uma “esoteric word” ou mera “fig-leaf”373. Adoptando uma posição fundada no art. 5.º, n.º 3, do TUE, preceito que expressamente consagra o princípio da subsidiariedade, parece-nos adequado caracterizá-lo juridicamente como “princípio constitucional da União”374 ou “princípio jurídico de nível constitucional na ordem comunitária”375, a que se encontram vinculadas e devem respeito as instituições europeias, sendo susceptível de controlo jurisdicional pelo TJUE.

Não obstante, há que reconhecer as dificuldades de interpretação do princípio, algo impreciso, e consequentemente flexível ou dinâmico – uma “weaselword”376 . Demonstrativo é o facto de ser simultaneamente invocado por quem defende a preservação de uma ampla esfera de acção dos EM e o consequente refreio da acção

comunitária e por quem sustenta, ao invés, a especial expansão desta última377. A discussão no pós-Mastricht, após a consagração expressa da subsidiariedade, foi aliás prolixa, como veremos, quanto a saber se deveria ser considerada como tendo uma dimensão descentralizadora ou antes centralizadora.

Muito se discutiu também na doutrina – sobretudo nos anos 80 e 90, por ocasião das primeiras tentativas de inscrever a subsidiariedade nos textos dos Tratado – sobre a                                                                                                                

371 F. DE QUADROS, Direito da União..., p. 248. No mesmo sentido, K.LENAERTS, “The Principle of...”, p.

850. Sobre o princípio, na doutrina portuguesa, para além das obras a referir com mais detalhe infra, ainda C.BLANCO DE MORAIS, “A dimensão interna...”; F. LUCAS PIRES, “A política social...”.

372 Assim, V.CONSTANTINESCO, “Who’s Afraid of…”, p. 32. Sobre o princípio da função ‘supletiva’ dos

poderes públicos (“‘subsidiarii’ officii principio”), cfr. a Carta Encíclica Quadragesimo Anno de Pio XI, de 15.5.1931. Para desenvolvimento quanto aos antecedentes históricos e filosóficos do princípio, vd., entre outros, o Autor, ibidem, p. 33 a 35; M. D’OLIVEIRA MARTINS, O princípio da..., p. 23 a 88; F. DE

QUADROS, O princípio da..., p. 12 a 16; M.L.DUARTE, “A aplicação jurisdicional...”, p. 781 a 787.

373 Referências, respectivamente em: SEC (92) 1990 final – 27.10.1992, p. 1; MACKENZIE-STUART apud

M.L.DUARTE, “A aplicação jurisdicional...”, p. 784; V.CONSTANTINESCO apud M.L.DUARTE, ibidem,

p. 779; G. A. BERMANN, “National Parliaments and...”, p. 157; KNEMEYER apud M. D’OLIVEIRA

MARTINS, O princípio da..., p. 31; G. A. BERMANN, “Taking Subsidiarity Seriously...”, p. 333; V.

CONSTANTINESCO, “Who’s Afraid of...”, p. 33; G. DE BÚRCA, “Proportionality and Subsidiarity...”, p. 96.

374 F. DE QUADROS, Direito da União..., p. 140. 375 M. D’OLIVEIRA MARTINS, O princípio da..., p. 168.

376 G. DE BÚRCA, Reappraising Subsidiarity’s Significance..., p. 10.

sua natureza: se princípio jurídico, ou tão-somente critério de orientação político. Como ficou indicado, haverá que reconhecê-lo como princípio jurídico378, entendimento que é conforme com a respectiva inclusão e densificação normativa no texto dos Tratados, e ainda com a susceptibilidade do seu controlo jurisdicional. Mas nem por isso deverá desconsiderar-se a sua forte vocação política, estimada aliás como co-responsável, conforme se analisará, pela pouca expressividade da jurisprudência que sobre ele tem incidido.

Trataremos o princípio em duas vertentes: enquanto norma de acção e norma de

controlo. Nessa contraposição, são elucidativas as palavras de J. J. GOMES

CANOTILHO379:

“É indubitável que actuar e controlar são duas funções diferentes, exercidas por órgãos com competências diversas. (...) O legislador, actua, concretizando, e o TC, controla, concretizando, com base na mesma(s) norma da Constituição. Por outras palavras: uma e a mesma norma da Lei Fundamental funciona como norma de acção e como norma de controlo. Ainda por outra palavras: a mesma norma da Constituição pode ser objecto de actividade concretizadora a dois níveis funcionais: concretização pelo legislador na qualidade de norma de acção e concretização pelo Tribunal Constitucional, com a natureza de norma de controlo”.

2. A evolução do princípio da subsidiariedade: em geral