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CONGRESSO DA UNE E PRISÃO DE ESTUDANTES DA UFES

No documento Relatório final Comissão da Verdade (páginas 60-64)

A SEGUNDA ONDA REPRESSIVA NA UFES: A DITADURA SE FECHA

CONGRESSO DA UNE E PRISÃO DE ESTUDANTES DA UFES

Em nível nacional, devido à repressão cada vez mais violenta por parte da di- tadura, o Movimento Estudantil (ME) já vivia o início de um processo de refl uxo das manifestações quando, em 12 de outubro de 1968, cerca de 700 lideranças estudantis de todo o país foram presas durante a tentativa de realização clan- destina do XXX Congresso da UNE em um sítio localizado na cidade de Ibiúna,

94 MARIA AUGUSTA está presa no Rio e responde a IPM. O Diário, p. 1, 18 de jun. 1968. 95 htpp//: www.bnm.mpf.mp.org.br.

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59 interior de São Paulo.

Entre os presos no congresso, estavam 13 estudantes da Ufes e da Faculdade de Farmácia: o presidente do DCE, Cesar Ronald Pereira Gomes (Faculdade de Medi- cina); a vice-presidente da UEE/ES, Jussara Lins Martins (Escola Politécnica); Agis Wilson Macedo (Faculdade de Direito), Areovaldo Costa Oliveira (Faculdade de Di- reito), Domingos de Freitas Filho (FAFI), Estela Maria Ourique da Silva (Escola de Serviço Social), Iran Caetano (Faculdade de Medicina), José Antônio Gorza Pigna- ton (Faculdade de Farmácia), Jose Honório Machado (Faculdade de Farmácia), Luís Claudio Nogueira Muniz (Faculdade de Ciências Econômicas), Marcelo de Almeida Santos Neves (Escola Politécnica), Marlene do Amaral Simonetti (Escola Politécni- ca) e Ricardo Luiz Carvalho Gottardi (Faculdade de Odontologia) 96.

96 FAGUNDES, Pedro Ernesto. Memórias silenciadas: catálogo seletivo dos panfl etos, cartazes e publicações confi scadas pela Delegacia de Ordem Política e Social do Estado do Espírito Santo - DOPS/ES (1930-1985). 1. ed. Vitória: GM Editora, 2012, p. 28.

Ficha de identifi cação da Polícia Política de Iran Caetano, estudante da Ufes. Acervo: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Fundo: DOPS/ES).

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Entre os presos, em depoimento reservado à CVUfes, Iran Caetano relatou a situação na qual fi caram os estudantes que foram transportados para o presídio do Carandiru, na capital paulista:

Ficamos seis dias lá. Sofri muitas humilhações e tortura psicológica. Numa cela para 12 pessoas, havia 104. Fazíamos rodízio para dormir e para comer e, obviamente faltava comida. Nós sabíamos que algumas lideranças estavam sen- do separadas, como Vladimir Palmeira, César Ronald, José Dirceu, Travassos e outras que não lembro agora. Ficamos lá durante seis dias, no sétimo dia fomos trazidos sob escolta para o Espírito Santo. 97

Enquanto isso, em Vitória, os estudantes da Ufes organizaram uma manifesta- ção de protesto contra as prisões para o dia 15 de outubro de 1968, em frente ao antigo prédio da Faculdade de Direito, que fi cava ao lado da Escadaria Bárbara Lindenberg, muito próxima do Palácio Anchieta. A manifestação foi duramente reprimida por policiais militares e civis, sob o comando pessoal de José Dias Lo- pes, que ocupava o cargo de secretário de estado da Segurança Pública 98.

O confronto se espalhou pelo Centro de Vitória. Os estudantes picharam slo-

gans contra a ditadura em ônibus e nas paredes do antigo prédio dos Correios e

Telégrafos. Na ocasião, foram presos os estudantes Júlio César Prates de Mattos (Faculdade de Medicina), Ewerton Montenegro Guimarães (Faculdade de Direi- to), Paulo Eduardo Torre (FAFI), Ana Olívia Sanchez Vargas, e o secundarista e repórter do jornal O Diário Rubens Manoel Câmara Gomes.

O também jornalista e repórter do jornal O Debate, publicação então ligada ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB/ES), Ewerton Montenegro Guimarães discursou na manifestação em solidariedade aos colegas que haviam sido presos em Ibiúna (SP), assim como o estudante Júlio César Prates de Mattos. Quando começou o confronto, de acordo com o relato feito pelo advogado na petição que protocolou junto à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o próprio José Dias Lopes apontou Ewerton como um dos manifestantes que deveria ser preso, gritando: “prendam aquele ali” 99.

Ewerton Montenegro Guimarães foi então espancado, derrubado ao chão e preso. Paulo Eduardo Torre, que era namorado da irmã de Ewerton e chefe de

97 Depoimento de Iran Caetano à CVUfes.

98 Sobre José Dias Lopes, existem suspeitas de envolvimento com o Esquadrão da Morte, con- forme denúncias feitas por Ewerton Montenegro Guimarães no livro A chancela do crime. 99 GUIMARÃES, Ewerton Montenegro. Requerimento de anistia protocolado na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Vitória, 18 dez. 2001, p. 3.

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reportagem de O Debate, tentou evitar a agressão do amigo, mas também aca- bou sendo derrubado e detido, sendo libertado horas depois. No mesmo confl i- to, ocorreu uma das cenas históricas do ME capixaba: a estudante Zélia Marlusa Stein desferiu uma “bolsada” no rosto de José Dias Lopes e conseguiu fugir da repressão (CAETANO, 2013).

Ewerton Montenegro Guimarães e Júlio César Mattos não tiveram a mesma sor- te. Foram levados para a Superintendência da Polícia Federal, que na época fi cava na Avenida Vitória, e enquadrados na Lei de Segurança Nacional da ditadura (De- creto-lei nº 314/1967). Em seguida, foram transferidos para o quartel do 3º BC. Dois dias depois, sem qualquer aviso às famílias, Ewerton Montenegro Guimarães e Júlio César foram transferidos numa viatura da PF para Juiz de Fora (MG).

Entretanto, ao chegar lá, por uma questão de Jurisdição Militar sobre onde deveriam ser processados, os dois estudantes foram imediatamente levados, na mesma viatura, para o Rio de Janeiro, onde fi caram presos por seis dias na car- ceragem do DOPS/RJ, na Rua Frei Caneca. Em 24 de outubro de 1968 100, eles

tiveram a prisão relaxada pelo juiz-auditor da 1ª Auditoria Militar da Aeronáu- tica, que não aceitou a denúncia feita contra eles. Mas, o problema ainda não havia terminado, já que a denúncia do MPM foi aceita em grau de recurso e, em julgamento realizado em 14 de janeiro de 1970, Ewerton Guimarães e Júlio César Prates de Mattos foram condenados a seis meses de prisão pelo Conselho de Sen- tença da 1ª Auditoria Militar da Aeronáutica. De lá mesmo, eles foram levados presos para a Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro 101.

Ao serem soltos, em 4 de julho de 1970, Ewerton Montenegro Guimarães e Júlio César ainda quase não foram matriculados na Ufes, com base no Decreto-lei nº 477/1969. De acordo com o relato de Ewerton Montenegro Guimarães, ao tentar se matricular na Universidade, depois de ter perdido todo o primeiro semestre, ele teve sua matrícula impugnada. Ele conseguiu mantê-la, ao sustentar que o Decreto-lei, uma espécie de AI-5 criado pela ditadura no âmbito das universida- des brasileiras, havia sido baixado depois dos fatos imputados contra ele, o que nos leva a concluir que o mesmo aconteceu com Júlio César Prates de Matos, já que ambos conseguiram concluir seus cursos na Ufes.

No momento do levantamento de informações da CVUfes, infelizmente, os dois ex-estudantes já haviam falecido. O médico Júlio César Prates de Matos morreu

100 Ibid., p. 5.

101 GUIMARÃES, Ewerton Montenegro Guimarães. Requerimento de anistia protocolado na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Vitória, 18 dez. 2001, p. 6.

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em 1997 e Ewerton Montenegro Guimarães em 2002. Do médico, no entanto, sa- bemos que foi demitido pelo Governo do Estado por motivos políticos em 1978, de acordo com familiares, o que provocou uma mobilização de solidariedade que envolveu as entidades estudantis.

O advogado Ewerton Guimarães se tornaria, nos anos seguintes, uma fi gura de destaque na luta em defesa dos direitos humanos no Espírito Santo, sendo autor da ação que resultou na decretação da ilegalidade da Scuderie Detetive Le Coq, uma espécie de irmandade cujos membros eram acusados de envolvimento com o crime organizado no Estado.

Em homenagem a Ewerton Guimarães, a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo criou uma comenda que leva o seu nome. Em virtude da condenação que sofreu, ele foi declarado anistiado post mortem, em 2010, pelo então ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, com base no julgamento realizado em 15 de dezembro de 2009 pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça 102.

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