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ELEIÇÃO DA CHAPA GOTA D’ÁGUA PARA O DA/CCJE: UM IMPORTANTE DIVISOR DE ÁGUAS PARA O ME DA UFES

No documento Relatório final Comissão da Verdade (páginas 135-139)

A QUARTA ONDA REPRESSIVA NA UFES: A UNIVERSIDADE SOB O OLHAR DA REPRESSÃO POLÍTICA (1975-1985)

ELEIÇÃO DA CHAPA GOTA D’ÁGUA PARA O DA/CCJE: UM IMPORTANTE DIVISOR DE ÁGUAS PARA O ME DA UFES

Pode-se afi rmar que a vitória da chapa Gota D’Água nas eleições do Diretório Acadêmico (DA) do CCJE, em 1976, foi um marco no movimento estudantil capi- xaba, que desembocaria, dois anos depois, na reabertura do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufes. A chamada “geração Gota D’Água” já rendeu inclusive a produção de um documentário 311, lançado no Cine Metrópolis, no campus de

308 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Acervo DOPS. Caixa 21. Dossiê 2. BRESAPEES, DES.0.ME,Ufes.2, p. 56.

309 Ibid., p. 60-61.

310 Os nomes dos estudantes dos quais havia sido solicitada a qualifi cação pela SII/SPI eram o presidente do DA/CBM, Idelbrando Muniz de Almeida (Paraíba); o vice-presidente, Lauro Ferreira Pinto Neto; a secretária-geral, Denise Ribeiro de Carvalho; a 1ª secretária, Ludmila de Oliveira; o tesoureiro-geral, Pedro Carlos de Souza Neto; a tesoureira-adjunta, Maristela Alves Silva; e o secretário cultural, Wellington Coimbra.

311 Geração Gota D’Água: Memória de um movimento estudantil pelas liberdades democráticas no país. Universidade Federal do Espírito Santo 1976–1980. Coordenador Paulo Roberto Fabres, 2009.

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Goiabeiras. De fato, a eleição daquela chapa havia sido, até aquele momento, o maior avanço obtido pelos setores de dentro da Ufes que se opunham à política repressiva da ditadura. Obviamente que todo esse processo foi acompanhado de perto pelos órgãos de repressão do regime militar.

A chapa Gota D’Água era presidida pelo então jornalista e estudante de Direito Joaquim Silva, conhecido como Kinkas, que mais tarde se notabilizaria como um dos principais advogados dos sindicatos de trabalhadores mais combativos do ES. A campanha para as eleições foi acirrada e teve muita repercussão na mídia local, já que outras duas chapas de perfi l conservador disputavam a diretoria da entidade: Opção e Despertador. Os recortes das matérias se encontram arquiva- dos no volumoso dossiê sobre o DA/CCJE existente no Fundo DOPS da APEES.

Na edição de 2 de outubro de 1976 do jornal A Gazeta, os integrantes da chapa Gota D’Água denunciaram a existência de um “complô” para impedir a sua vitória nas eleições do DA. De acordo com eles, as outras duas chapas teriam se unido para dar continuidade à “alienação” dos universitários do CCJE. Na matéria, que não abre aspas para nenhum integrante individual da chapa, seus membros fa- lam na defesa das reivindicações dos estudantes e da reabertura do DCE, fato considerado “impossível” pelos integrantes das outras duas chapas.

Nossa ideia é fazer uma geração do Gota D’Água no diretório do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas. A primeira administração será voltada para o aspecto integração e a programação de trabalho para ser executado será feita gradativamente, observando-se a aceitação dos universitários. A partir dessa in- teração, conseguiremos a adesão dos outros diretórios e, fortalecidos, consegui- remos a reabertura do diretório central, já que na verdade, não existe documento legal na universidade que prove o seu fechamento, de direito. O Diretório Central da Ufes está fechado apenas de fato e, portanto, a qualquer momento, por força dos dispositivos legais da própria universidade, ele poderá ser reaberto. 312

A chapa Gota D’Água venceu as eleições e a documentação existente no acervo do DOPS/ES indica que as ações promovidas durante sua gestão, e a que se seguiu de- pois, foram monitoradas de perto pelos órgãos de repressão. Há indicativos, inclu- sive, do uso de escutas telefônicas e violação de correspondência de integrantes das duas diretorias. A gestão Gota D’Água procurou cumprir o que prometeu, realizando um forte trabalho de rearticulação e aglutinação do ME, estimulando, inclusive, a vitória de chapas de perfi l progressistas em outros DAs, como no CEG e CBM.

312 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Acervo DOPS. Caixa 21. Dossiê 3. BRESAPEES, DES.0.ME,Ufes.3, p. 488.

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Durante sua gestão, foi criado o jornal O Grito, que como no caso do jornal do DA/CBM, era mimeografado e possuía anúncios de papelarias, livrarias e outros estabelecimentos comerciais, que ajudaram a viabilizar uma periocidade relati- vamente regular para a publicação. Além de Kinkas, que era o presidente, inte- gravam a executiva do DA/CCJE na gestão Gota D’Água o vice-presidente Robson Moreira, o Chicô; a secretária-geral Judith Lopes; a 1ª secretária Maria da Penha Daher; o tesoureiro-geral Eneias Lobo Diniz; e o tesoureiro-adjunto Paulo Fabris.

Pouco tempo depois da posse da chapa Gota D’Água, o Serviço de Investigação e Informação do DOPS encaminhou ao 38º BI, à EAMES, ao DPF, à SESP, à PM/2 e a outras agências o Informe nº 24/76-SII-DOPS/ES, de 1º de dezembro, em que fez uma apreciação sobre a nova diretoria do DA/CCJE e traz “denúncias” contra Kinkas e Robson Moreira 313.

Em 30 de março de 1977, por meio da Informação nº 241/77-SI/SR/PF/ES, o SI/ DPF alertou as outras agências, inclusive o SNI do Rio de Janeiro e o Serviço de Informações da Superintendência da PF daquele mesmo estado, que o presiden- te do DA/CCJE tinha aumentado sua atividade naquele mês. De acordo com o documento, Kinkas tinha pedido ao também universitário Heitor Manuel Lopes de Moraes que no dia 8 de março ligasse para um telefone do Rio de Janeiro, no qual ele falou com o cineasta Orlando Bonfi m Neto 314, para que esse avisasse ao

cartunista Ziraldo que “topamos o negócio e esperamos ele aqui no dia 04 315”.

De acordo com os agentes, outros três telefonemas foram feitos de Vitória para Orlando Bonfi m nos dias 9 e 10 do mesmo mês. No segundo deles, teriam pedido para avisar Ziraldo que ele seria levado para a Associação Universitária de Venda Nova. Durante muitos anos, a realização da Festa dos Universitários de Venda Nova foi uma tradição, mesmo antes da emancipação do município serrano, um evento que era organizado pelos estudantes que haviam nascido lá e se mudado para Vitória com o objetivo de estudar na Ufes.

Agentes da Escola de Aprendizes-Marinheiros do Espírito Santo (EAMES) di- fundiram entre os demais órgãos da comunidade de informações, entre os quais o Centro de Informações da Marinha (CIM) do Rio de Janeiro, um informe datado de 17 de maio de 1977, que alertava sobre a realização naquele dia, na II Mostra

313 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Acervo DOPS. Caixa 21. Dossiê 3. BRESAPEES, DES.0.ME,Ufes.3, p. 488.

314 Filho do militante do PCB Orlando Bonfi m Jr., desaparecido pela ditadura, no Rio de Janeiro, em outubro de 1975.

315 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Acervo DOPS, Caixa 21, Dossiê 13. BRESAPEES, DES.0.ME, Ufes.13.

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de Teatro da Ufes, de uma passeata de estudantes, prevista para acontecer depois da apresentação da peça “De como conquistar um coronel sem fazer força”, de Milson Henriques, encenada pelo grupo de teatro do DA/CCJE 316.

O protesto sairia da Praça Costa Pereira, às 21 horas, um horário meio imprová- vel para realização de manifestações. Mas, de acordo com o documento, o objetivo da passeata seria a solidariedade às manifestações estudantis que estavam ocor- rendo em São Paulo e Salvador (BA), e contaria com o apoio de diversos professores da Ufes, entre os quais João Batista Herkenhoff, que além de docente era juiz de Direito, e Lauro Calmon Nogueira da Gama, também professor do curso de Direito. Em 30 de maio de 1977, os agentes da EAMES também se encarregariam de re- passar às outras agências, inclusive ao CIM, pelo Encaminhamento nº 5/77, o pan- fl eto “O modelo econômico e os direitos humanos”, que havia sido apresentado na Semana de Direitos Humanos realizada em 1975, e que estava sendo “largamente” distribuído no campus da Ufes 317. O documento também foi difundido pela PF por

meio da Informação nº 434/77-SI/SR/DPF/ES, produzida na mesma data 318.

Em 17 de junho de 1977, a PM/2 mandou difundir junto ao 38º BI, ao DPF, à Cen- tral de Informações da SESP (CI/SES) e ao DOPS a Informação nº 245/77-PM/2 có- pia de um panfl eto do DA/CCJE, por meio do qual o Conselho Estudantil – formado pelos DAs da Ufes e pelos representantes estudantis nos órgãos colegiados da Uni- versidade, cuja formação havia sido impulsionada por proposta daquela entidade – convidava os estudantes, professores, profi ssionais liberais, políticos, jornalistas, representantes de entidades de classe e o público em geral para um culto ecumê- nico que seria realizado na Catedral Metropolitana, em intenção aos 98 estudantes presos e indiciados pela PF, por ocasião da tentativa de realização do III Encontro Nacional dos Estudantes em Belo Horizonte, no dia 4 do mesmo mês 319.

Em 22 agosto de 1977, o SII/DOPS enviou ao 38º BI, à EAMES, à PF e à CI/SESP, pelo Encaminhamento nº 12/77-SII-DOPS/ES, além do número novo do jornal O

Grito, a cópia da Carta Aberta dirigida ao ministro de Educação e Cultura, assinada

por quatro dos sete DAs existentes então na Ufes (CCJE, CBM, CT e CP) e pelo DA da Fafabes. O documento pedia mais verbas para a educação, a extinção dos atos e leis repressivas da ditadura, como os DLs 228 e 477, a libertação de colegas presos

316 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Acervo DOPS, Caixa 21, Dossiê 13. BRESAPEES, DES.0.ME, Ufes.13, p. 17.

317 Id. Acervo DOPS, Caixa 22, Dossiê 03. BRESAPEES, DES.0.ME, Ufes.3, p. 17-19. 318 Ibid., p. 21.

319 Ibid., p. 15.

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e a revogação da punição contra estudantes da UnB – bem como a destituição de seu reitor –, a abolição da censura e a defesa das liberdades democráticas 320.

A distribuição da carta aberta foi, pelo menos desde o fechamento do DA da Fa- culdade de Medicina, um dos atos políticos mais ousados feitos pelas entidades estudantis da Ufes. Em 23 de agosto de 1977 seria o Dia Nacional de Luta dos Estudantes, que se movimentavam para reconstruir a UNE, com manifestações em vários estados, principalmente em São Paulo, onde o secretário de estado de Segurança Pública, coronel Erasmo Dias, mandou a PM ocupar as ruas da cidade, promovendo uma repressão violenta e diversas prisões na capital paulista.

No início de outubro de 1977, a PF impediu o embarque de 72 estudantes da Ufes para o Encontro Nacional dos Estudantes de Economia (Eneco), que seria realizado durante aquele mês. No dia 18 de outubro, o DA/CCJE realizou uma assembleia geral dos estudantes para protestar contra a proibição, que foi acom- panhada por agentes do SII/DOPS. De acordo com o relatório dos agentes, envia- do ao 38º BI, à Eames, à PF, à PM/2 e à ATICI/SESP, na assembleia, realizada em local aberto, vários estudantes criticaram duramente os órgãos de segurança por atentarem contra o direito de ir e vir, que eram violados desde o golpe de 1964 321.

De acordo com o relatório, enviado pela Informação nº 245/77-SII-DOPS/ES, a assembleia contou com a participação de mais de 300 estudantes, e decidiu enviar para a imprensa um memorial denunciando as arbitrariedades cometidas pelos órgãos de segurança. Os agentes registraram a presença de Kinkas, Gildo Ribeiro, Adauto Santos Pedrinha, Estanistau Kostka Stein e “demais elementos pertencentes ao CCJE e Centro Biomédico”.

No documento Relatório final Comissão da Verdade (páginas 135-139)

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